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Cristina de Luca

Para Fachin, não há solução fácil no caso dos bloqueios do WhatsApp

Cristina De Luca

05/06/2017 20h15

A solução não é simples, "mas este Tribunal encontrará a decisão que seja participativa e, esperamos, seja a correta e mais justa", disse o ministro Edson Fachin, ao concluir os trabalhos da audiência pública convocada pelo Supremo Tribunal Federal para debater se os bloqueios do WhatsApp ferem princípios constitucionais e se os dispositivos do Marco Civil a respeito podem ser considerados inconstitucionais.

Mais uma vez, boa parte das explanações girou em torno na impossibilidade técnica para a quebra do tipo de criptografia usada pelo mensageiro. Porém, desta vez, muitos participantes externalizaram preocupação, também, com necessidade de se buscar uma "compatibilização técnica" entre o funcionamento de aplicativos que usem criptografia e o dever de cumprimento das ordens judiciais de quebra de sigilo de mensagens.

Embora reconheça que nenhum dos caminhos possíveis seja ideal – porque "ou se fragiliza a investigação feita pelo Estado ou se fragiliza, em alguma medida, a segurança digital" – o representante do Instituto dos Advogados de São (Iasp), Paulo Thiago Rodovalho, ressaltou a necessidade de se buscar equilíbrio.

"Se não temos o problema grave do terrorismo, temos problemas sistêmicos de gravidade semelhante, como corrupção, tráfico de drogas, sequestro, organizações criminosas", ponderou.

Na opinião dele, e de vários oradores desse segundo dia, impedir o acesso a mensagens trocadas via WhatsApp, pelo próprio Poder Judiciário, "viola, em última análise, a própria soberania do Estado brasileiro".

O advogado Alexandre Rodrigues Atheniense, integrante da Comissão Especial de Direito da Tecnologia e Informação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi ainda mais drástico. Na opinião da OAB, "o Brasil não pode abdicar de sua legislação em prol de empresas estrangeiras".

Outros dois participantes – Alberto Pavie Ribeiro, representante da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Juliano Souza de Albuquerque Maranhão, professor do Núcleo Direito, Incerteza e Tecnologia da Faculdade de Direito da USP, divergiram em relação ao ordenamento jurídico brasileiro quanto à obrigatoriedade do fornecimento de dados dos usuários por parte dos provedores de aplicação.

Para Maranhão, a legislação nacional não traz qualquer dispositivo que obrigue os provedores a disponibilizar conteúdo produzido por usuários. De acordo com ele, os dispositivos do Marco Civil da Internet falam somente quanto à obrigação de disponibilizar os registros de comunicação e metadados (como data e hora de conversas), e não os conteúdos. Portanto, não há embasamento constitucional para interceptação de mensagens.

Já o representante da AMB citou dispositivos da Lei de Intercepção de Telefônica (Lei 9.296/1996), do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014 – objeto de questionamento no STF), do Código de Processo Penal (artigo 319) e da própria Constituição Federal para embasar sua argumentação. De acordo com ele, todos permitem que o conteúdo de informações privadas seja quebrado por determinação judicial, especialmente quando a comunicação é destinada à prática de crimes. Portanto, "há fundamentos existentes de sobra para validar a decisão dos magistrados, de qualquer tribunal, que bloquearam o WhatsApp".

Representantes do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Augusto Ferreira Zanatta, e da Comissão de Direito do Consumidor do Conselho Federal da OAB, a advogada Claudia Lima Marques, também defenderam pontos de vistas diferentes.

Para Claudia, a própria Constituição afirma que o mercado interno integra o patrimônio nacional e, portanto, uma esfera de poder, sendo dever do estado proteger o consumidor na forma da Lei. Nesse sentido, segundo ela, o Código de Defesa do Consumidor é um dos limites impostos à livre iniciativa. E os artigos 11 e 12 do Marco Civil complementam o Código de Defesa do Consumidor em relação à guarda de registros. Portanto, sanções como os bloqueios impostos por ordem judicial, são legítimos para evitar práticas comerciais abusivas.

Já na opinião de Rafael, os casos recentes de bloqueio do WhatsApp pelo Poder Judiciário violaram tanto o princípio da proporcionalidade quanto os princípios de Defesa do Consumidor, além de causarem limitação do uso social da rede, um dos pilares do Marco Civil da Internet. De acordo com ele, as decisões de bloqueio não levaram em consideração as consequências da potencial lesão de direitos causadas a terceiros. Ou seja, aos consumidores em geral.

Último a falar, ainda coube ao representante do Idec contestar os argumentos anteriores. "Isso não é uma guerra entre interesses de empresa e soberania nacional", disse.

Quais argumentos vão convencer os ministros? Isso só saberemos quando seus relatórios forem apresentados e ele emitirem seus votos, que servem como referência para os demais ministros.

Como já dizia Júlio Cesar, Alea jacta est! A sorte está lançada!

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.