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Cristina de Luca

E agora? Leitores jovens preferem os algoritmos aos editores...

Cristina De Luca

25/06/2017 18h02

Um dos alertas mais importantes da edição 2017 do Digital News Report, do Reuters Institute for the Study of Journalism, é a preferência de mais da metade dos consumidores (54%) por notícias selecionadas por algoritmos, em vez daquelas selecionadas por editores.  Um fenômeno que, em todo o mundo, tem contribuído para o aumento das bolhas de filtro e das câmaras de eco, e seus efeitos desastrosos. Entre eles, a propagação crescente de falsas notícias.

Na tentativa de, pela primeira vez, medir e visualizar níveis de polarização da mídia em todos os países _ além de identificar as relações entre essa polarização e a confiança dos leitores _a sexta edição do estudo se debruçou sobre como as notícias são descobertas e consumidas, considerando as diferentes plataformas de distribuição. E os resultados não podiam ser mais perturbadores.

A preferência de conteúdo selecionado por algoritmos (estamos falando aí de ferramentas de busca, social media e alguns  agregadores) é maior entre os mais jovens (64%) e os que mais usam mídias sociais, agregadores e smartphones como principais fonte de informação (58%).

Até que ponto essa preferência tem ampliado ou restringido a visão de mundo desses consumidores?

Ouvindo mais de 70 mil pessoas em 36 países, incluindo o Brasil, o estudo aponta que os algoritmos podem estar expondo a maioria dos usuários a uma maior variedade de fontes online. Mas isso não é necessariamente bom.

Como já descobriu Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, a diversidade de vozes não garante pluralidade de pensamento. Pior. Estão ajudando a formar as bolhas, já que na lógica dos algoritmos a  diversidade de fontes e a diversidade de opiniões caminham em lados opostos.

Os próprios participantes da pesquisa percebem este fato. Na opinião deles, a exposição a mais fontes reforça uma linha única de pensamento, especialmente se as informações vierem de fontes menos respeitáveis ou que carreguem pontos de vista partidários e extremos.

Segundo o estudo, quase metade dos entrevistados (45%) gerenciou ativamente o conteúdo de seus feeds nas redes sociais adicionando ou removendo usuários, no intuito de protegerem-se das opiniões que não gostam, passando a ver mais o  que gostam ou concordam.

E esse comportamento tem se refletido na política. Pegando uma amostra de seis países (EUA, Reino Unido, Irlanda, Alemanha, Espanha e Austrália), o estudo descobriu que mais de um terço dos usuários de redes sociais (37%) segue ao  menos um político ou partido político.  Geralmente, políticos com os quais concordam. E o engajamento é maior entre os políticos ditos de esquerda. De acordo com o estudo, os políticos de esquerda têm cinco vezes mais chances de serem seguidos nas redes sociais do que os políticos da direita.

O quadro sugere que os políticos mais seguidos nas mídias sociais podem estar contribuindo para uma maior polarização da mídia, e dos discursos, dizem pesquisadores do Reuters Institute for the Study of Journalism.

Pensou no Brasil, e na sua própria experiência? Pois é. Eu também. E em outro estudo recente, divulgado na semana passada, que mostra que a propaganda em mídias sociais está sendo usada para manipular a opinião pública em todo o mundo. O relatório referente ao nosso país, elaborado pela Universidade de Oxford, explica como a manipulação algorítmica e o uso de bots para propagação de notícias falsas influíram na eleição presidencial de 2014 e no pleito municipal de 2016 no Rio de Janeiro.

As técnicas utilizadas vão das mais simples, como ter falsas contas automatizadas para gostar, compartilhando e publicando conteúdo nas redes sociais, impulsionado pelos algoritmos, até às mais elaboradas, como fazer uso de uma legião de influenciadores e ativistas digitais. As conclusões alertam para a necessidade de uma lei mais forte de proteção de dados, que limite a atuação de entidades públicas e privadas que armazenam grandes quantidades de dados. Especialmente, no que diz respeito ao repasse desses dados para empresas por trás do bots.

Impossível não relacionar esse alerta com os o "vazamento acidental" dos dados de  200 milhões de eleitores americanos  por uma empresa contratada pelo Comitê Nacional Republicano. No total, foram expostos o equivalente 1,1 terabyte de dados, que incluem datas de nascimento, endereços, números de telefone e opiniões políticas de quase 62% da população dos Estados Unidos. As informações parecem ter sido coletadas a partir de uma ampla gama de fontes — desde posts sobre tópicos controversos banidos da rede social,  até de comissões que arrecadaram fundos para o Partido Republicano.

Mas se a bolha é percebida….
É cada vez mais evidente, portanto,  que a curadoria de conteúdo é o mais atraente nas mídias sociais. Mais do que qualquer outra mídia digital, elas abriram oportunidades que vão além de interagir com as novidades. Podem moldar diretamente a agenda de notícias.

E ao compartilharmos notícias com os amigos, alimentamos cada vez mais os algoritmos que decidem o tipo de notícias que veremos nos nossos feeds. Infelizmente, esse compartilhamento é cada vez maior entre as notícias recebidas de amigos, produzidas por fontes alternativas. Isso porque, em todas as regiões, incluindo na América Latina, os usuários de internet mostram baixos níveis de confiança em seus meios de comunicação. Existe um sentimento generalizado entre consumidores de notícias online que a independência da mídia sucumbe a interesses políticos e comerciais.

Curiosamente, esse sentimento é menos pronunciado no Brasil, onde os veículos tradicionais de notícias permaneceram sendo os mais populares no ambiente online, mesmo considerando que a TV e a mídia impressa tenham perdido importância como principal fontes de notícias no último ano, segundo o Digital News Report. Mas também por aqui, a porcentagem de consumidores de notícias que acreditam que a mídia é livre de influência política indevida caiu de 36% para 30%, na comparação com a edição de 2017.


Para virar o jogo, especialmente no Brasil, a mídia não pode subestimar as consequências da auto seleção de notícias. E precisa entender, de uma vez por todas, que a curadoria delegada aos algoritmos  pode ser uma escolha do consumidor,  para evitar deliberadamente  que seja exposto a notícias contrárias às suas preferências e interesses. Não porque as plataformas o forçaram a fazê-lo , sem que ele tivesse conhecimento, como o argumento da bolha de filtro leva a crer.

Será que não está na hora de as empresas de mídia assumirem o desafio de construir conteúdos que possam de fato encantar o seu público? Tonar esse conteúdo irresistível e usar os algoritmos a seu favor, como já começaram a fazer as marcas?

Sim, os algoritmos podem ajudar nesse trabalho. Basta que mudem um pouco a sua lógica. E isso depende, em grande parte, do trabalho da mídia junto aos donos das plataforma (Facebook, Twitter, etc).

Mesmo hoje, 27% dos 70 mil consumidores de notícias ouvidos para a elaboração do Digital News Report dizem que os algoritmos os expõem incidentalmente a conteúdos sobre os quais discordam e 37% e 40%,  a conteúdos pelos quais não têm interesse.

Expor incidentalmente o consumidor de notícias a conteúdos fora da área de interesse é justamente algo que caracterizou fortemente a mídia de massa do Século XX.  Precisamos encontrar um jeito de fazer com que esses conteúdos não demandados sejam realmente interessantes… Só assim daremos o primeiro passo para voltar a atrair a confiança dos consumidores de notícia.

O que a indústria de mídia precisa é de mais cooperação, e menos concorrência.  Mergulhar de cabeça na Era da Coopetição e aprender mais com as marcas anunciantes e o uso que fazem das plataformas de mídia.

A transformação digital da indústria de mídia passa por, verdadeiramente, colocar o interesse do seu cliente em primeiro lugar.

Em uma realidade onde as pessoas enxergam na tecnologia uma oportunidade de facilitar suas vidas, é vital que as companhias de mídia passem a priorizar a opinião e o comportamento dos consumidores de notícia em relação aos seus produtos e serviços.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.