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Cristina de Luca

Produzir notícias falsas é incrivelmente barato, diz estudo da Trend Micro

Cristina De Luca

06/07/2017 11h13

Notícias falsas sempre existiram. São um problema muito real,com consequências igualmente reais na política e no acirramento de situações sociais. O fato novo é a ampliação do seu alcance e poder, a partir das ferramentas de propagação nas redes sociais.

Hoje, as postagens das mídias sociais com histórias bastante fantásticas e pouco plausíveis são o aspecto mais visível do fenômeno "fake news". O lado pouco visível é o da verdadeira indústria que há  por  trás das falsas notícias e que  alimenta um dos vértices do triângulo necessário para o seu sucesso.

Sem qualquer um desses fatores, as fake news são incapazes de se espalhar e atingir o seu público-alvo.  Mas são as ferramentas e serviços para manipular e divulgar a mensagem nas redes mais relevantes, disponíveis em várias comunidades online de todo o mundo, os grandes responsáveis por ampliar a veiculação das notícias falsas e emprestar a elas alguma credibilidade.

Essas ferramentas e serviços estão disponíveis em grande variedade, e são relativamente simples, em sua maioria. Não são particularmente diferentes para cada campanha. Baseiam-se quase sempre na aquisição de seguidores/fãs, likes, repostas, comentários, vídeos. Mas algumas utilizam mecanismos sofisticados,  teoricamente mais difíceis de serem detectados pelos próprios mecanismos de proteção criados pelas redes sociais.

Para entender mais sobre esse mundo, pesquisadores da Trend Micro estudaram o comércio online para a disseminação das notícias falsas e a manipulação da opinião pública em quatro mercados underground: chinês, russo, árabe e inglês. Os dados impressionam.  Tudo, desde as promoções em mídia social, criação de comentários falsos, e até mesmo manipulação de votação online são vendidos a preços razoáveis. Até mesmo a criação de um verdadeiro exército de influenciadores por meio de grandes programas de crowdsourcing (colaboração coletiva).

Com menos de US$2,6 mil um perfil falso na mídia social pode facilmente alcançar 300 mil seguidores/mês. Com US$ 1 mil, é possível comprar 4 mil comentários para criar uma ilusão de credibilidade. Ou por US$ 240, "contaminar" uma conta de Twitter com comentários falsos, revela o estudo "The Fake News Machine: How propagandists abuse the Internet and manipulate the public".

Promover conteúdo no YouTube começa em US $ 3 para os primeiros 1 mil visualizações. Um milhão delas pode custar até US $ 999. Angariar 500 seguidores reais sai por US $ 25Um uma assinatura mensal de serviços de promoção no Twitter varia de $ 30 a $ 150.

Para mostrar a efetividade dessas campanhas, a pesquisa inclui vários estudos de caso que mostram como vários atores usariam ferramentas para divulgar notícias falsas para seus próprios fins.

Trollar um jornalista e descreditá-lo, por exemplo, pode ser bastante simples.  Por meio de uma campanha de notícias falsas, um grupo atacante pode, no período de quatro semanas, difamar o jornalista usando uma variedade de serviços disponíveis nos mercados online.

Uma encomenda de um total de 12 mil comentários, com a maioria expressando sentimentos negativos e referências/links para reportagens falsas contra o jornalista custará aproximadamente US$ 3 mil.

Promover comentários negativos sobre o artigo de um jornalista com 10 mil retweets e 25 mil visitas, pode custar US$ 20,4 mil no mercado underground.

Resultado, com cerca de US$ 55 mil, suficientes para lançar mão de todo o arsenal disponível, o conteúdo – supostamente legítimo – pode ser influenciado por inúmeros leitores desavisados que espalham uma impressão fragmentada e negativa da reputação do jornalista.

Já para conseguir mobilizar a população para um grande protesto  pode ser preciso ter  1 mil pessoas reais iniciando um debate online sobre uma questão controversa. Esse discurso pode ser impulsionado para fazer circular toneladas de pedaços de conteúdo falso. E, por fim, pode ser organizado um evento real, anunciado através dos meios mais convencionais, para fazer o protesto ganhar o mundo real com ares de genuíno.

Lembrou dos protestos dos últimos dois anos no Brasil? O custo total de uma ação como essa, de acordo com a Trend Micro, poderia ser de cerca de US$ 200 mil.

Mas tentar influenciar algo maior, como uma eleição ou referendo, exige bem mais. São necessários vários sites dedicados à geração de notícias falsas, com referência cruzada entre si, legiões de seguidores em redes sociais, milhões gastos em pagamentos, e até mesmo publicação de notícias reais ligadas à falsa notícia, em um esforço para desfocar as linhas entre ficção e realidade, e talvez até mesmo ter uma notícia real confundindo as duas coisas.

Modelo de operação
A pesquisa  tenta explicar também a cadeia de ações que pode ser estruturada e funcionar de maneira eficiente usando o "Ciclo de Opinião Pública". Cada etapa é simulada, para no final, entregar notícias falsas online para a população em massa. Esta estrutura é baseada no famoso Cyber Kill Chain da Lockheed Martin (na figura abaixo), mas aplicado à opinião pública. E para funcionar, leva em conta a natureza de cada rede.

No Twitter, a estratégia preferida é fazer com que a história parece ser espalhado por tantos usuários quanto possível. Já no Facebook a estratégia é enganar o algoritmo, impulsionado por engajamento (artigos com alto número de likes e ações são mais propensos a aparecer nos feeds de notícias). Como resultado, as notícias falsas são ainda mais susceptíveis de serem concebidas para serem amadas e compartilhadas.

Como se defender?
Atualmente as mídias sociais e governos têm feito um enorme esforço para acabar com a estrutura de divulgação de notícias falsas.

O levantamento apresenta as melhores práticas sobre como a pessoas podem melhor detectar e diminuir o impacto das notícias falsas, assim como técnicas de análise aplicadas pela Trend Micro para revelar tais campanhas de manipulação nas mídias sociais.

Na opinião dos pesquisadores, o conhecimento destas técnicas também pode ajudar instituições, como governos e canais de mídia idôneos, a determinarem como melhor neutralizá-las. Usar o pensamento crítico é necessário não somente para descobrir a verdade, mas para manter o trabalho sério de jornalistas que utilizam a comunicação como método ativista para detalhar uma visão íntegra dos fatos.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.