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Cristina de Luca

Monitoramento político nas mídias sociais: mito ou realidade?

Cristina De Luca

17/07/2017 20h09

Acontece no mês que vem, entre os dia 8 e 10 de agosto, o curso "O fazer político nas mídias sociais", do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo. O programa tenta jogar alguma luz sobre o ativismo digital, a narrativa política nas redes e o monitoramento da opinião do eleitor. Será que as redes sociais são realmente capazes de influenciar o resultado das eleições?

Minha percepção é a de que a intersecção entre as redes e as ruas, entre as ações virtuais e as dinâmicas políticas, segue sendo um fenômeno controverso e que, de fato, carece de estudos mais aprofundados. Se olharmos apenas o aspecto mais tangível do tema, o monitoramento amparado pela Ciência de Dados, veremos que ainda há um percurso longo a  percorrer, principalmente para a validação das metodologias mais frequentemente usadas.

Bati um longo papo sobre monitoramento e análise de dados em redes com Fábio Malini, professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e coordenador do Labic – Laboratório de Pesquisa sobre Imagem e Cultura, ligado à universidade. Falamos muito sobre o desenvolvimento deste mercado, ainda incipiente. Uma atividade que ainda enfrenta muita resistência, embora tenha aplicações em muitas áreas, não só no marketing político.

Na opinião da Malini, o uso mais estratégico e adequado da análise de dados em rede virá aos poucos, a medida que trabalhos bem feitos, para suportar processos de planejamento, ganhem projeção.  "Acredito que tenha acontecido o mesmo com a estatística", diz ele.

Conversamos também sobre o trabalho em si e as dificuldades enfrentadas. Malini define o trabalho do Labic como de"inteligência competitiva", cujo objetivo é buscar informações largamente oferecidas nas redes, pouco utilizadas pelo pessoal de planejamento, e em qualquer área.

"O que buscamos é a visualização de determinados padrões em tempo real.  O Labic se especializou em montar dashboards que automatizam os relatórios de análise de dados extraídos das redes sociais, para facilitar o acesso a informações a partir de temas, termos e hashtags que estejam impactando algum debate",  explica.

Um exemplo disso? As tarefas desenvolvidas pelo laboratório para subsidiar instituições públicas como o Inep. "A gente tem um trabalho longevo para monitorar temas e conversas sobre o Enem, que afeta 30 milhões de pessoas em todo o país. O nosso foco é levantar dados sobre  como o Enem está  sendo publicado em canais de notícia;  como está sendo publicado pelo público alvo;  como está sendo publicado pelo público em geral; e como está sendo publicado pelos canais especializados em educação.  A partir desse levantamento, o pessoal do Labic analisa as estruturas semânticas associadas ao Enem, os processos de viralização de determinados temas, os atores principais que falam sobre eles, quais são os apoiadores e os detratores…. Tudo isso tentando sempre criar um processo para fornecer informação  em tempo real aos gestores e tomadores de decisão", conta.

Assim, é possível identificar questões muito individuais, como as de pessoas com problemas relacionados ao cartão de inscrição, e até questões coletivas como a da escola em Manaus com queda de energia antes da prova de Redação ser iniciada. O alerta imediato facilitou a suspensão da prova  naquele local, somente.  "A gente tem uma lista dos locais onde as provas são realizadas. Esses locais funcionam como "filtros tagueadores". Quando um conjunto de palavras associados à escola aparece, é possível notificar imediatamente o gestor daquele local", diz Fábio.

Esse ano, o Labic está fazendo uma análise mais profunda em canais de notícias brasileiros sobre as temáticas do Inep (Enem, Enade, etc). "Esse trabalho é fruto de uma recente linha de pesquisa do laboratório que está mapeando todas as páginas do ecossistema de comunicação do país. Através deste mapeamento será possível, por exemplo, traçar padrões de uso de cada canal noticioso _ o que e como está publicando, os comentários associados às publicações, as curtidas e compartilhamentos e por aí vai. Algo que pode ser usado posteriormente na elaboração de um termômetro sobre como determinados temas estão viralizando", diz Malini.

Hoje, o laboratório já tem mapeadas as páginas de 64 jornais, revistas e programas de rádio e TV. Como exemplo do que é possível fazer, Malini postou em seu próprio perfil do Facebook, no último dia 9/7, o resultado de uma análise a partir  dos 78.814 posts realizados nessas páginas noticiosas entre os dias 01 a 30 de junho passado _ e  que geraram 825.227 compartilhamentos e 2.220.109 likes. Usando o filtro "Temer" e a ocorrência do nome do Presidente em títulos, resumos ou legendas, foram encontradas 4.416 postagens. A partir daí, o Labic processou as palavras que mais se inter-relacionavam com o termo principal. O resultado? Das 20 palavras mais ligadas a Temer só havia uma relacionada à agenda econômica positiva do presidente": "reformas". Analisando todas as ocorrências (no gráfico abaixo), Malini concluiu que o  "julgamento da chapa Dilma e Temer" foi o grande assunto de junho/17.

Em relação à demanda, Malini diz que embora o trabalho do Labic já seja contratado por agências de publicidade, marketing digital e de PR, ele percebe que a maioria dos contratantes ainda está em um estágio muito inicial da análise de dados a partir do monitoramento das redes.  "O setor financeiro, por exemplo, já tem algumas ferramentas para levantar  como o clima geral nas redes interfere no mercado de ações, mas não sei o quanto avançado e sistematizado isso está", comenta.

Ainda de acordo com Malini, uma outra área na qual o uso da análise de dados em rede vem crescendo ultimamente é a da Saúde, para transposição de modelos epidemiológicos. "Há muitos estudos em torno de doenças como Ebola, Zika…  e até doenças que envolvam a saúde mental, como processos de ansiedade, depressão", diz. O próprio Labic tem conversado com o Conselho Federal de Psicologia para estudar sobre como a proliferação  das narrativas relacionadas ao  ódio e à violência impactam a saúde individual dos usuários das redes sociais.

Na opinião do professor e coordenador do Labic, o mercado de mídia também poderia já estar trabalhando mais com informações extraídas do monitoramento das redes,  a exemplo do já fazem o marketing político e o marketing digital,  principalmente em relação à gestão de imagem e à gestão de marca, mesmo que de forma pouco estruturada. "O marketing é um segmento que já entrou mais forte nesse mercado", pondera. O jornalismo de dados poderia ser outro.

Parece fácil, mas não é
Embora o marketing digital ainda olhe muito para o monitoramento pensando nos influenciadores digitais, e no quanto eles mexem com os ponteiros da análise de sentimento ou de vendas, sempre a partir de uma campanha com um objetivo predefinido, a análise de dados mostra que o trabalho com influenciadores em relação a temas políticos e sociais pode seguir uma dinâmica diferente e bem peculiar. "Muitas vezes o influenciador entra no debate depois do processo já ter percorrido um longo caminho, com um acontecimento ou tema já circulando bastante na rede, quando é mais seguro para ele opinar", comenta Malini.

"Há toda uma abordagem aí de acento mais individual e de acento mais coletivo. Particularmente, estou sempre mais interessado no acento coletivo. Em vez de procurar os influenciadores, procurar as ideias predominantes. Isso vale para marcas, determinados acontecimentos, determinadas pessoas…  nesse caso, a maior dificuldade para o monitoramento é entender qual é o viés majoritário para um determinado tema", comenta Malini.

Tem sido muito fácil, para quem diz fazer monitoramento, cartografar os arquétipos. Na opinião de Malini, no entanto, o papel do analista de dados em redes precisa ir além. Apontar não apenas o está acontecendo na rede, mas também o como e o por quê.

Muitas vezes, uma página ou um influenciador é apenas um espelho de um ponto de vista. Não são eles que criam o ponto de vista. "As ideias que o influenciador vocaliza também estão sendo disseminadas por conjuntos inteiros de atores, de perfis ou de páginas. O influenciador é só uma das pessoas que vocaliza um determinado viés que, na verdade, é coletivo e está posto bem antes dele, influenciador, se pronunciar a respeito", explica. O que o influenciador faz é amplificar determinados pontos de vista.

O discurso do ódio nas redes, por exemplo, se processa sempre de maneira coletiva, segundo Malini. É produto de redes que agem sempre de forma sincronizada com certos pontos de vista. Geralmente, pontos de vista que demoram para sofrer mutação. "A principal questão é desvendar esses pontos de vista que já estão fortes na rede", diz.

Aqui no Brasil, por exemplo, o discurso de ódio nas redes, segundo Malini, está relacionado diretamente ao discurso contra as minorias.  "O chute na canela entre grupos políticos, entre a militância, sempre aconteceu. A grande novidade aqui é o ódio declarado às minorias. E a estrutura lexical desses grupos tem papel predominante na disseminação de seus pontos de vista na rede. Há um jeito próprio de fazer as mensagens circularem", acrescenta. Razão pela qual Malini acredita que a agenda do amparo às minorias vai ter mais fôlego entre os ativistas digitais na campanha de 2018 do que a agenda do combate à pobreza.

Não se pode esquecer também que todo o interesse em torno da análise de dados de rede está diretamente relacionado ao crescimento da Ciência de Dados e ao trabalho do Big Data. E a Ciência de dados também é algo muito novo, que une estatística, computação e, em muitos casos, um forte componente de Ciências Sociais.  "Metodologias unindo todos esses campos de pesquisa ainda precisam ser muito discutidas e detalhadas, até que se chegue a algo padronizado. Esse curso do Sesc também tem essa função de atrair mais estudiosos para este campo de análise", comenta Malini.

"Estamos buscando uma forma de ir além das análises meramente interpretativas de um pequeno conjunto de dados extraídos das redes sociais, que é o que o Marketing Digital vinha fazendo até agora", diz. "Temos à nossa disposição um conjunto muito grande de dados para ser analisado por um conjunto muito pequeno de pessoas e ferramentas ainda primárias. O que, muitas vezes, impede que se chegue à informações desejadas no tempo necessário para auxiliar a tomada de decisão".

A própria extração de dados da rede requer alguma prática. Geralmente, a extração parte das perguntas a serem respondidas. Mas também depende muito da natureza de cada rede. Por exemplo, o Twitter tem uma API que permite um tipo de coleta bem amplo, por assunto. Já o Facebook, não. "O Facebook permite apenas que você pegue uma palavra e identifique as páginas, eventos e grupos que contenham aquela palavra. Às vezes, a palavra ou a combinação de palavras  é boa.  Por exemplo 'não vai ter golpe', ou 'vem para rua'.  São combinações que funcionam para identificar os grupos  associadas a elas e, a partir daí, identificar os diferentes tendências e perspectivas sobre o assunto. Mas em  outras redes", comenta Malini.

Dificuldades?
O viés ideológico deve ser afastado a todo o custo, já que é  a multiplicidade de tendências que importa no primeiro momento. Lidar com a ambiguidade de termos também é outro grande problema. "O trabalho de qualidade está sempre em sair do Big Data para o Small Data, a partir das correlações e das ocorrências observadas. Pegar o todo e entender as partes que o formam. A medida que você vai filtrando, você vai tornando mais densa a interpretação", explica Malini. Além disso, é muito mais fácil formular as questões a partir do que os dados revelam.

Hoje, Malini está debruçado em entender, por exemplo, quais são os metadados que a API do Facebook fornece para os comentários. É possível criar alguma visualização ou interpretação a partir dos dados que são apagados pelos administradores de páginas de determinados políticos? Talvez o que está sendo apagado diga muita coisa. Talvez não. O mesmo raciocínio pode valer, por exemplo, para os bloqueios de perfis.

Programa
Além de Malini, estarão palestrando no curso o professor Pablo Ortellado, do Curso de Gestão de Políticas Públicas da USP e coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (GPOPAI), e Débora Zanini, socióloga e mestranda em Ciência Política pela Unicamp, dedicada ao estudo de mídias sociais há mais de 10 anos.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.