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Cristina de Luca

A disputa pelo domínio .Amazon vai além de questões jurídicas ou comerciais

Cristina De Luca

21/07/2017 20h17

Quais são os possíveis desdobramentos do parecer do Painel de Revisões Independentes (IRP, na sigla em inglês) da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN) a favor da gigante do comércio eletrônico Amazon Inc, na recente disputa com países da região Amazônica, como Brasil e Peru, pelo domínio genérico de primeiro nível (gTLDs) . AMAZON?

Foi tentando responder a esta pergunta que conversei rapidamente, por telefone, com o embaixador Benedicto Fonseca Filho, diretor do Departamento de Temas Científicos e Tecnológicos do Itamaraty e representante do Brasil no Government Advisory Committee (GAC),  comitê por meio do qual os governos podem participar do processo de desenvolvimento de políticas pela ICANN.

"Ainda não li detalhadamente o parecer. Vamos examiná-lo com muita atenção, na semana que vem, para definir qual será a nossa estratégia, a nossa reação, porque a decisão não me parece algo aceitável, com todo respeito aos julgadores", disse ele. "Precisamos avaliar se é o momento de voltarmos a nos manifestar a respeito junto ao board da ICANN", completou.

No seu entender, a questão em torno do domínio .AMAZON não se esgota no parecer do Painel de Revisões Independentes.

"Estamos falando de um parecer de três julgadores que se contrapõe a um entendimento unânime do conselho de governos. Nós entendemos que o board da ICANN deve pesar todos os argumentos, antes de tomar uma decisão, não apenas os argumentos comerciais, o que está na legislação de propriedade intelectual ou os argumentos jurídicos", explicou o embaixador.

"A participação de governos não se resume só a verificar está tudo de acordo com alguma legislação internacional", ponderou. " Te dou um exemplo. Recentemente, foi pedido o registro do domínio .AFRICA por parte de uma empresa. Não há nenhuma legislação internacional que impeça que seja delegado. Mas, ainda assim, a delegação foi negada, porque os governos entenderam,  de forma unânime,  que deveriam recomendar à ICANN que ele não fosse delegado à empresa solicitante, por dizer respeito a uma região geográfica e não a uma empresa qualquer".

Trocando em miúdos, foi usado para .AFRICA o mesmo princípio usado para recomendar que a delegação do domínio .AMAZON fossse negada à Amazon Inc.

E é aí que está o "x" da questão. Na opinião dos três integrantes do IRP que redigiram o parecer determinando à ICANN a revisão da decisão em relação ao domínio .AMAZON, falta fundamentação à alegação de interesse público feita pelos membros do GAC em recomendações como essas.

Benedicto Fonseca Filho vai além. Para ele, o que está em jogo é o tratamento dado às áreas geográficas nas análises para concessão de registros de domínios. "A decisão final sobre o .AMAZON pode criar uma espécie de jurisprudência sobre como tratar nomes relacionados a regiões geográficas", explicou o embaixador. "Qual é o limite razoável para a autorização do registro de nomes de regiões geográficas como domínios. É algo meramente comercial? É algo político? Esse é um debate que precisa acontecer em um contexto mais amplo. E hoje não há mecanismos que permitam essa discussão internamente, entre todos os atores. Isso é algo que nos preocupa muito", reafirmou Benedicto.

Na sua opinião, a maneira como decisões desse tipo serão tomadas será crucial para garantir o sucesso do modelo multisetorial. "A ICANN é uma entidade multisetorial, e como tal  deve buscar tomar decisões equilibradas, levando em conta não somente os interesses do setor privado, mas também os interesses das organizações da sociedade civil [as ONGs] e dos governos", ponderou.  Para isso é preciso que tenha sistemas nos quais todos os atores  se sintam confortáveis, e as decisões sejam tomadas a partir de critérios bem definidos, não apenas baseadas na preferência de determinados setores.

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Como avançar na questão dos nomes geográficos em domínios? A quem caberia a condução desse debate? São todos assuntos que movimentaram para valer o último encontro da ICANN, realizado no mês passado em Joanesburgo.

Na prática, o GDD (Global Domains Division), responsável pela delegação dos novos domínios, obedece às determinações do board da ICANN, que pode delegar seguindo interesses políticos, ou econômicos segundo os mais críticos. O board pode, inclusive, não seguir as normas do GNSO (Generic Names Supporting Organization), do GAC, ou de qualquer outra instância da estrutura que compõem a ICANN.

Inicialmente, o board da ICANN ouviu o GAC em relação aos domínios .AMAZON, . PATAGONIA e .AFRICA, esse último concedido recentemente como um domínio de nível superior continental para uso de organizações, empresas e indivíduos com orientação de agências africanas responsáveis pela governança da Internet na região.

Na maioria das situações, as recomendações do GAC  dependem de boa vontade do Conselho Diretor da ICANN.

O que reforça a tese de que, embora a ICANN não seja uma instituição intergovernamental, há de se pensar de fato em um sistema que otimize o papel dos governos dentro do previsto em um modelo de governança multisetorial.

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Outra  controvérsia que tem movimentando os países  envolve a recente liberação de registros de códigos de duas letras no segundo nível domínios (BB.br ou RJ.br), incluindo a possibilidade de nomes completos de países e territórios no mesmo nível. Já pensou topar com um site por aí chamado br.sex?

O entendimento do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) é o de que uso de duas letras no segundo nível afeta a percepção a respeito do valor dos sufixos de países.  Em maio, uma resolução do CGI a respeito deste assunto foi encaminhada ao secretariado da ICANN.

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Não dá para negar que os novos domínios genéricos de primeiro nível se transformaram em um grande negócio para a ICANN.  O que, para muitos críticos, tem feito a entidade se concentrar na expansão dos rentáveis domínios genéricos, em detrimento da missão original de cuidar da raiz e dos  nomes, números e protocolos.  É nesse cenário que toda a discussão está posta.

A ver.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.