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Cristina de Luca

Governo e Comitê Gestor acordam processo de reestruturação e consulta pública continua

Cristina De Luca

18/08/2017 22h06

A primeira reunião plenária do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) após a abertura da consulta pública do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) sobre a reformulação da entidade, parece ter jogado a luz que faltava ao processo, tão questionado por entidades da sociedade civil e da academia.

Por meio de nota oficial, o CGI.b informa que, pelo consenso de seus integrantes – incluindo aí governo e sociedade civil – chegou-se ao compromisso de envolver o comitê em várias etapas do processo de revisão de sua estrutura e modernização da governança da Internet brasileira.

Na prática, pelo que se percebe da nota, o CGI.br passa a ser um coordenador de várias etapas do processo, que se estenderá até dezembro deste ano.

Diz a nota que:

1. Após o término da consulta conduzida pelo MCTIC, em 8 de setembro de 2017, todas as contribuições recebidas serão encaminhadas ao CGI.br.

2. O CGI.br, de posse da documentação encaminhada pelo MCTIC, elaborará um documento contendo informações, diretrizes e recomendações para o aperfeiçoamento da estrutura de governança da Internet no Brasil, a ser encaminhado ao MCTIC até o dia 3 de dezembro de 2017.

3. Para a formulação de sua proposta, entre os dias 8 de setembro e 3 de dezembro de 2017, o CGI.br empregará todas as ferramentas disponíveis para habilitar ampla participação da sociedade, inclusive processos de consulta pública e discussões durante o Fórum da Internet no Brasil, que ocorrerá de 14 a 17 de novembro de 2017, na cidade do Rio de Janeiro.

4. A continuidade das ações do MCTIC relativas ao assunto dar-se-á com o recebimento das recomendações do CGI.br enviadas até 3 de dezembro de 2017.

A decisão leva em consideração a necessidade de assegurar que os futuros desdobramentos decorrentes do processo lançado pelo MCTIC reforcem a participação multissetorial de todos os interessados na governança da Internet e o papel do CGI.br como o fórum especializado e multissetorial para tratar de questões relativas à governança da Internet no país.

Pano de fundo
Não é de hoje que se fala em aperfeiçoar a composição do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), bem como o processo eleitoral dos representantes da sociedade civil que o integram. Em 2014, durante a realização da Net Mundial, esse era assunto recorrente nos bastidores do encontro. Comentava-se que mesmo o modelo multisetorial brasileiro não era tão perfeito assim para servir de exemplo para a governança internacional da Internet. Necessitava ajustes.

Um julho do ano passado, o jornal Folha de São Paulo publicou uma reportagem que dava como certos os rumores de que o governo Temer estaria sendo pressionado a promover mudanças na formação do CGI.br, sob pretexto de aperfeiçoá-lo. Entre as ideias em pauta estaria a redução do número de integrantes do Comitê Gestor e a redistribuição de forças entre os diversos setores por eles representados.

A reportagem da Folha não chegava a detalhar como isso seria feito. Limitava-se apenas a dizer que o ministro Gilberto Kassab pretendia esperar a conclusão do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff para promover mudanças que exigiriam a publicação de um decreto assinado por Temer. Algo que provocou grande alvoroço, na ocasião.

De lá para cá foram várias as ocasiões nas quais representantes do MCTIC manifestaram publicamente o interesse em promover mudanças na estrutura do Comitê. E o assunto passou a ser intensamente debatido nos bastidores.

Muitos integrantes do Comitê Gestor reconhecem que alguns ajustes são bem-vindos. Mas ressaltam sempre que é muito importante que eles não se transformem em uma disputa velada pelo espaço regulatório da Internet.

A própria representatividade do governo no CGI.br é sempre objeto de  debates acalorados.

Hoje,  os nove membros do governo incluem representantes do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Casa Civil da Presidência da República, do Ministério das Comunicações, do Ministério da Defesa, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Agência Nacional de Telecomunicações, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e do Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação.

Não há ninguém do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Cultura, do Ministério da Educação, do Ministério da Justiça e da Secretaria Especial de Direitos Humanos, por exemplo. Crítica antiga dos defensores de mudanças estruturais no CGI.br.

Mas como acomodar todos esses outros ministérios? Seria preciso aumentar a quantidade de cadeiras do lado do governo?

Bom… Talvez, não.  Talvez baste mudar os donos das cadeiras. Hoje muita gente acredita que poderia haver a nomeação de um representante do Ministério das Relações Exteriores, por exemplo, usando a vaga aberta pela junção dos Ministérios da Comunicação e da Ciência,Tecnologia e Inovação, já que o MRE atua bastante em questões relacionadas à governança da Internet (ICANN, IGF). Há quem veja na ausência do MRE um erro histórico na composição do CGI.

Já foi cogitado algumas vezes também que a representação do CNPq (inserido na composição do Comitê  lá no início da Internet, 1995, quando as questões técnicas da internet superavam as questões econômico-sociais) poderia ceder lugar a um representante do Ministério da Educação. O mesmo poderia acontecer com a representação do Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação. Muitos advogam que talvez faça mais sentido ter um representante do Ministério da Cultura em seu lugar. E em vez do Ministério da Defesa, ter alguém do Ministério da Justiça, para tratar de questões relacionadas à proteção dos internautas.

Assim, a substituição de representação manteria os nove representantes do governo, mas contemplaria outros setores que hoje fazem uso intensivo da Internet e lidam diretamente com questões relacionadas a ela.

Curiosamente, nenhuma dessas ideias já foi encaminhada como sugestão na consulta pública. Até agora só pessoas físicas fizeram contribuições.  Nem mesmo as organizações de classe de setores sabidamente interessados no processo, como as empresas de telecomunicações, se animaram à fazê-lo. E olha que as teles têm muito a dizer. Reclamam, sobretudo, da forma como são eleitos os representantes do terceiro setor.

Outro pleito antigo das teles é a proporcionalidade do voto. No Comitê Gestor, cada membro tem direito a um voto, independente da representatividade da associação que o elegeu fora do Comitê. Não há votos com peso 2, ou peso 3, dependendo do poder econômico do segmento ali representado, como acontece em outros fóruns.

Como o terceiro setor tem 4 assentos, e geralmente vota em bloco defendendo os mesmos interesses, na prática tem 4 votos contra 1 de cada um dos representantes do setor empresarial, já que é comum que representantes dos provedores de acesso/conteúdo e dos grandes usuários tenham posições contrárias às das provedores de infraestrutura de telecomunicações (as teles).

Provavelmente, veremos muitas destas questões sendo levantadas na consulta pública nas próximas semanas.

A conferir.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.