Topo

Cristina de Luca

Mercado de Internet das Coisas precisa nascer desregulado para crescer

Cristina De Luca

05/10/2017 16h14

Assim como a Internet propriamente dita, a Internet das Coisas precisará ser um mercado desregulado, para crescer e amadurecer. Qualquer tipo de regulação deverá ser feita ex-post, defendem os principais atores do ecossistema responsáveis pela camada de conectividade. Tanto os provedores de conexão quanto os fabricantes de equipamentos e os desenvolvedores de soluções. Curiosamente, até a Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel, concorda. Pelo menos no discurso, ouvido tanto no Painel Telebrasil, realizada há duas semanas, quanto no Futurecom, que se encerra hoje, em São Paulo.

Durante painel do Futurecom sobre os principais desafios para a consolidação do mercado, o coro pela autorregulação das atividades de IoT foi uníssono. Todos concordam que, do ponto de vista das políticas públicas, é preciso harmonizar regulamentos existentes e destravar uma série de entraves, especialmente tributários, além de trabalhar com incentivos fiscais que ajudem as aplicações a se multiplicarem, nos mais diversos segmentos.

"IoT é algo que a gente escuta falar mas não sabe muito bem como vai ser", disse o presidente da Associação Brasileira de Internet (Abranet), Eduardo Parajo, durante o painel. "Então, seria recomendável partir de uma página em branco, esperar o mercado se desenvolver e corrigir o que for necessário ao longo do percurso para alavancá-lo", completou.

Sob a ótica tecnológica, das redes, a necessidade de regulação mínima também se impõe, uma vez que muitas soluções existem o uso combinado de frequências livres e frequências licenciadas. O cenário é de proliferação de padrões. Um padrão em alta hoje, pode ser rapidamente superado amanhã. Portanto, além de não ser possível obrigar as empresas a investir recursos em algo que pode ficar rapidamente obsoleto, será preciso garantir a coexistência e a interoperabilidade entre diversos padrões, mantendo um equilíbrio econômico.

O conselheiro da Anatel, Aníbal Diniz, comunga desse pensamento. "Nós, na Agência, entendemos que não devemos antecipar nenhuma regulação referente à IoT, porque está tudo muito incipiente e a gente vai ter que aguardar os desdobramentos.O fundamental agora é se preocupar com a parte de infraestrutura, porque temos uma deficiência grande no país de cobertura de banda larga. Os pequenos prestadores têm dado uma contribuição excepcional, respondendo hoje por 15% de todas as conexões em banda larga fixa. Mas ainda há muito por fazer", comenta ele. "E para que a Internet das Coisas seja uma realidade efetiva no Brasil, a gente vai precisar do compartilhamento máximo de infraestrutura. Ninguém vai ter condições de bancar a conectividade na última milha se não for através de parcerias", completa.

Nesse momento, a Anatel está dedicada ao Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (PERT), que tem dois desafios fundamentais de impacto direto no cenário de IoT, segundo Diniz: o diagnóstico completo de tudo o que há em termos de infraestrutura no Brasil e quem são as companhias que proveem essas redes, para identificar os gaps e, principalmente, evitar sobreposição de infraestrutura e uma proposta de política pública apontando possíveis fontes de financiamento. Embora o conselheiro não tenha mencionado, há um outro clamor no setor pelo descontingenciamento dos fundos setoriais e revisão de um deles, em especial, o Fistel, de modo a baixar o imposto incidente sobre os sensores, além do que já foi reduzido considerando o universo M2M.

Interconexão de rede, portanto será um ponto crítico. E que exigirá sensibilidade não só da Anatel, como também do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação, para combinar os interesses de negócio das operadoras que exploram a infraestrutura massiva (geralmente as redes móveis existentes e a futura, 5G), com a dos players que exploram as infraestruturas específicas (redes locais e redes não licenciadas,  LPWAN, como SIGFOX,  LoRa ou até mesmo NB-IoT).

O CEO do Grupo Algar e presidente da Telebrasil, Luiz Alexandre Garcia (foto), concorda com a posição da Anatel. "Para esse novo mundo de IoT nós teremos que usar a maior quantidade de tecnologias e possibilidade de conectividade possível, em parceria com as empresas locais. Agora o co-opetition é para valer. Os provedores de solução lá na ponta serão nossos clientes. Nós, operadoras com um porte um pouco maior, teremos um determinado papel na cadeia de valor. Não vamos conseguir fazer tudo", disse.

Garcia deu uma entrevista ao site Convergência Digital no qual detalha mais a necessidade de políticas públicas de garantam geração de valor para toda essa cadeia produtiva de IoT, e defende que centenas, ou mesmo milhares, de provedores de soluções IoT se autorregulem na criação dessas parcerias.

E qual será o papel das grandes operadoras na cadeia de valor de IoT?
Integradoras B2B2C. É assim que a maioria das grandes operadoras vai se posicionar no mercado de IoT. Conectividade será apenas um pedaço das ofertas, que terão que incluir também uma camada extensa de serviços, para extrair o máximo valor dos dados gerados. As operadoras terão o papel crucial de prover plataformas que entreguem contexto e tudo aquilo que seja possível agregar de informação aos dados produzidos pelos sensores, para gerar valor. E isso só será possível se feito através de parcerias com outros atores do ecossistema. O que muda toda a natureza e a cultura de negócio dessas operadoras, hoje muito autocentradas, com características monopolistas muito fortes.

"Hoje, nós operadoras, provemos conectividade, mas produzimos pouca inteligência", argumenta Luiz Minoro, Chief Strategy Officer da TIM (foto). "O que nós queremos fazer é, em conjunto com a infraestrutura de rede, oferecer uma camada de Big Data. Não estamos pensando hoje em vender um sensor para o consumidor final para que ele acople no seu fogão. O que nós vamos fazer é trabalhar em conjunto com os fabricantes que queiram levar conectividade embarcada em seus equipamentos, com um dashboard de inteligência", diz o executivo.

Neste momento, as quatro grandes estão tratando de trabalhar junto a startups e outros players para ampliar as futuras ofertas de IoT, considerando não só o transporte dos dados, como o seu armazenamento e processamento. Cloud e Big Data/Analytics são a base dessas novas ofertas, para suporte elástico a uma infinidade de novas aplicações já existentes e que ainda serão desenvolvidas.

O que implica ter plataformas que enderecem o modelo open innovation,  de verdade, e permitam práticas como DevOps e testes contínuos, com total segurança.

"Teremos que ter plataformas flexíveis, baseadas em uma infraestrutura robusta, já que vamos ter milhões e milhões de clientes ingressando nelas por mês. O que exigirá de nós um ambiente gerencial muito diferente do que temos hoje", já havia comentado o CEO da TIM, Stefano De Angelis, em um painel sob no tema no congresso da Telebrasil.

Não por acaso, segurança cibernética também aparece como parte do ecossistema de IoT que pode se transformar em importante fonte de receita para as  grandes operadoras.

"Teremos que olhar para plataformas de soluções para nichos específicos de mercado", diz Luiz Garcia, da Algar. "Esse é um mercado muito abrangente. Estamos falando de sair de milhões de conexões para para bilhões ou trilhões. A grande oportunidade para o setor é que o volume transacional vai ser muito maior, e em alguns momentos, sem requisitos de baixa latência, com tempos de respostas diferenciados. Nós teremos muito mais volume de transações e de interconexões e isso vai exigir uma infraestrutura mais robusta", comenta o executivo. A camada de rede e a de serviços estarão formando um todo coeso.

Trocando em miúdos, de modo geral, o  desenvolvimento da IoT depende, em grande parte, da transformação digital do próprio setor de telecomunicações.  Nesse sentido, o Poder Legislativo tem um papel importante a desempenhar, na análise e aprovação do PLC 79, que promove a revisão do atual modelo.

O que diz o governo?
"Quanto menos barreira o governo colocar, mais vai facilitar a implementação de negócios de IoT. Mas também não podemos perder de vista que temos vários níveis de regulamentação, não só as referentes à conectividade", reafirmou José Gontijo, Diretor do Departamento de Ciência, Tecnologia e Inovação Digital do MCTIC, durante o painel do Futurecom. "Vejo dois caminhos. Ou se altera e adapta uma séria de regulamentações existentes para IoT rodar com um modelo de negócio frutífero ou se pensa algo novo. O governo precisa definir estrategicamente qual caminho tomar".

Há uma série de implicações em outras áreas. "Por isso a Estratégia Brasileira para a Transformação Digital é o guarda-chuva das diversas iniciativas do governo, envolvendo 8 ministérios", comenta Maximiliano Martinhão, Secretário de Política de Informática de MCTIC. Estão nesse bojo não só o Plano Nacional de Internet das Coisas, como também o Plano Nacional de Conectividade e a necessidade de uma legislação de privacidade e proteção de dados, a revisão e modernização da Lei Geral de Telecomunicações, bem como a elaboração de uma nova política industrial.

Trabalho não vai faltar a quem esteja disposto a transformar a estratégia em uma plano de Estado, em vez de mero plano de governo. A modernização de diversos segmentos econômicos depende disso.

Qual país queremos ter em cinco anos? Um que rume para a modernidade, ou um que marque passo no atraso?

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.