Combate ao ódio na Internet requer esforço coletivo, não mais leis
A Câmara dos Deputados realizou nesta terça-feira, 28/11, uma comissão geral sobre formas de combate à intolerância, ao ódio, ao preconceito e à violência por meio da internet. E, como era de se esperar, houve muitas divergências entre os debatedores a respeito, e um consenso: o de que iniciativas para coibir essas manifestações dificilmente serão exitosas se não contarem com a cooperação dos mais diferentes setores. Empresas, sociedade civil, comunidade técnica científica e o setor público têm um papel a desempenhar.
"Ao setor público cabe se valer da legislação em vigor para efetivamente punir os responsáveis pelos ilícitos causados na rede e ao Legislativo para aperfeiçoar essa legislação quando necessário", comentou Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro. Ao setor privado cabe reconhecer que o discurso de ódio é um conteúdo não desejado em suas plataformas e para isso criar não apenas a proibição desses materiais constante de seus termos de uso, mas também a adoção de práticas que possam mitigar o alcance dessa comunicação ofensiva. A remoção de anúncios, por exemplo. Ao terceiro setor cabe mobilizar a sociedade através de ações e campanhas que possam esclarecer a importância da liberdade de expressão e as melhores iniciativas para combater a intolerância. Por fim, comunidade técnica e científica deve explorar o tema e traduzir a eficácia das medidas adotadas para o público em geral. Esse ecossistema multissetorial, pelo qual o Brasil é internacionalmente reconhecido, deve atuar no combate ao discurso de ódio na Internet", completou CA.
O debate acabou concentrado justamente nos dois primeiros pontos. Assis Melo (PCdoB-RS), deputado autor do requerimento para realização da sessão que discutiu o assunto, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, acreditam que a legislação atual é insuficiente para dar conta do problema. Já Renata Mielli, coordenadora Geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, e Helena Martins, diretora do Coletivo Intervozes, acreditam que a criação de novos tipos penais e o aumento de penas não é o melhor caminho.
Renata Mielli criticou inclusive a possibilidade de mudança no Marco Civil da Internet para que provedores sejam obrigados a retirar sumariamente os conteúdos considerados ofensivos pelos ofendidos, sob pena de serem penalizados, como preveem alguns projetos em tramitação no Congresso. Ela acredita que esse caminho traz riscos para a democracia, podendo levar à censura e ao atentado à liberdade de expressão. Sua argumentação foi reforçada com a fala de Thiago Tavares, presidente da SaferNet, de que o marco civil da internet não cria obstáculos para a remoção de discursos de ódio.
"Nos últimos 11 anos, foram removidas voluntariamente pelas plataformas e pelas redes sociais 88 mil páginas, que foram denunciadas por incitarem o ódio e a violências na rede", disse ele. Destas, 27,1 mil páginas foram removidas por conterem indícios de racismo; 26 mil, por incitação a crimes contra a vida; 13,2 mil por homofobia; 11,8 mil por xenofobia; 6,5 mil por indícios de neonazismo; e 2,8 mil páginas foram removidas por intolerância religiosa.
Carlos Affonso lembrou que O Marco Civil da Internet possui um dispositivo específico sobre o tema que determina que o provedor será sim responsável caso não venha a cumprir a ordem judicial que determine a remoção de um conteúdo (art. 19). E ao não mencionar a necessidade de ordem judicial para que se reconheça a ilicitude de um conteúdo a proposta legislativa apresentada pelo PL 8540/2017 [motivo do debate e que tramita apensado ao PL-1749/2015, que tipifica o time de injúria racial] contraria o texto do Marco Civil da Internet, "legislação que foi ostensivamente apoiada por uma grande base partidária no momento de sua aprovação", segundo o diretor do ITS.
"O sistema do Marco Civil da Internet garante assim três medidas fundamentais: ele preserva a liberdade de expressão ao afirmar que provedores apenas poderão ser responsabilizados caso não cumpram com a ordem judicial que determina a remoção de conteúdo. Então a liberdade de expressão é a regra; mas quando ela for abusada, poderá haver responsabilização, claro. E como se dá essa responsabilização? O MCI elege o Poder Judiciário como a instância legítima para decidir sobre a ilicitude do conteúdo. Mas isso não significa dizer que o provedor tenha sempre que esperar a ordem judicial para agir. Ele tem liberdade param dentro dos limites dos sues termos de uso, remover o conteúdo que contrarie as regras de funcionamento da plataforma", comentou Carlos Affonso. Esse é o sistema em operação no Brasil.
O PL 8540/2017 vai à votação no Plenário da Câmara, ainda sem data definida para acontecer. Vale acompanhar.
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