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Cristina de Luca

STF admite que Facebook se junte à Assespro na ação que defende uso do MLAT

Cristina De Luca

02/02/2018 23h30

Eu sei. Se você não é advogado ou jurista, ou não acompanha as decisões judiciais de requisição de dados feitas a empresas como Facebook e WhatsApp no Brasil, tem todo o direito de achar o título aí de cima enigmático. Mas não encontrei forma melhor para traduzir em poucas palavras a notícia de que o Supremo Tribunal Federal (STF) admitiu o Facebook como amicus curie (amigo da Corte) na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 51, ajuizada pela Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação (Assespro Nacional),  defendendo que a Justiça brasileira use o instrumento da carta rogatória ou os procedimentos simplificados estabelecidos em tratados com o país onde os dados estão localizados, como o MLAT ( (Mutual Legal Assistance Treaty,), para ter acesso a eles – sem a sua liberação automática somente mediante a decisão judicial no Brasil.

Trocando em miúdos, a Assespro acaba de ganhar uma aliada na batalha para fazer com que as ordens judiciais obrigando o fornecimento de dados por parte de provedores de aplicações na Internet sejam encaminhadas diretamente ao Departamento de Justiça  norte-americano,  sempre que o controlador da plataforma ou do serviço digital que detém o dado esteja localizado nos Estados Unidos.

Segundo a Assespro, representada na ação pelo ex-ministro do STF, Ayres Britto,  dependendo do modelo de negócios, contratos e operações adotados,  os provedores de aplicações de internet podem ter um controlador dos dados (data controller) dos usuários de seus serviços no exterior, sujeito apenas à legislação do país estrangeiro, como vivem afirmando o WhatsApp e o Facebook.

Mais de uma vez, em muitas das decisões judiciais que acabaram provocando a detenção de um executivo ou o bloqueio do WhatsApp, o Facebook alegou que a rede social e o serviço de mensagens são operados pela empresas Facebook, Inc. e WhatsApp Inc,  situadas nos Estados Unidos da América, e pela Facebook Ireland Limited ("Facebook Irlanda"), localizada na Irlanda ("Operadores do Facebook")". O Facebook Brasil teria "atuação restrita à venda de publicidade, sem  qualquer relação com a gestão, operação e administração do Serviço Facebook ou dos dados dos usuários do serviço". Por isso, não teria "sequer autorização para acessar as contas ou dados de usuários do serviço".

Na ação declaratória de constitucionalidade (ADC) protocolada pela Assespro no STF  afirma que os tribunais brasileiros requisitam informações à pessoa jurídica afiliada à provedora do aplicativo no Brasil, deixando de aplicar os instrumentos de assistência judiciária internacional, por entenderem não ser o acordo ou o procedimento realizado por meio de carta rogatória a via processual cabível para a obtenção do conteúdo de comunicações privadas sob controle de provedor de aplicação estabelecido fora do território nacional. No entender da entidade, essa requisição a representantes brasileiros representaria uma "declaração branca de inconstitucionalidade" das normas citadas.

Assim, a associação pede que seja declarada a constitucionalidade do Decreto Executivo Federal nº 3.810, de 2 de maio de 2001, que promulgou o Acordo de Assistência Judiciário-Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América o MLAT) e, como consequência, declarada a aplicabilidade dos procedimentos de cooperação internacional para a obtenção de conteúdo de comunicação privada sob controle de provedores de aplicativos de internet estabelecidos no exterior.

A rede social apoia o pleito da Assespro. No pedido encaminhado ao STF para ser amicus curie no processo junto ao Supremo, diz que  diante da impossibilidade do cumprimento das decisões judiciais, os tribunais brasileiros "adotam postura que beira o autoritarismo, impondo penalidades pecuniárias completamente incompatíveis com os padrões legais aplicáveis, além de sanções como a suspensão das atividades da empresa, ou a responsabilidade criminal de seus dirigentes."

Na opinião do Facebook, a postura de alguns tribunais brasileiros em situações envolvendo a prática de atos jurisdicionais em território estrangeiro é claramente inconstitucional ."Alguns órgãos judiciais simplesmente deixam de se utilizar do devido processo legal para obter a cooperação de autoridades estrangeiras, preferindo recorrer a subterfúgios absolutamente ilegais a fim de impor sua vontade de forma unilateral", afirma a rede social.

Hoje, o relator da ADC, ministro Gilmar Mendes,  acatou o pedido protocolado pelo Facebook para ser ser admitido como amicus curiae.

No seu despacho, o ministro  ressalta "que uma rápida pesquisa permite verificar que outros países exigem informações diretas de provedores estrangeiros. Por exemplo, a legislação do Reino Unido "Data Retention and Investigatory Powers Act 2014", "makes clear that anyone providing a communications service to customers in the UK – regardless of where that service is provided from – should comply with lawful requests".

E determina que sejam solicitadas informações ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional do Ministério da Justiça (DRCI) e à Presidência da República, a serem prestadas em 10 dias, além do envio dos autos à Advocacia-Geral da União e à Procuradoria-Geral da República, para que apresentem manifestação, sucessivamente, em até cinco dias.

O veredito final, portanto,  não deve demorar.

Em tempo: Um dos principais nomes nas áreas de governança e estrutura da internet no Brasil, o advogado Ronaldo Lemos, diretor e fundador do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio), sempre defendeu  publicamente que o caminho para a requisição de dados a uma empresa com sede em outro país deve ser o MLAT.  Mas a questão é polêmica.

A ver.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.