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Cristina de Luca

Unilever ameaça parar de investir nas redes sociais. Blefe?

Cristina De Luca

18/02/2018 19h53

Há uma semana não há conversa entre os profissionais de Mídia Digital que, de um modo ou de outro, deixe de fazer menção ao discurso politicamente correto de Keith Weed, diretor de Marketing e Comunicação da Unilever, dia 12/2, no IAB Leadership Summit, em Palm Desert.

Weed descreveu o ecossistema de publicidade digital, hoje para lá de dependente das redes sociais, como um "pântano" repleto de fake news e conteúdos racistas, sexistas e extremistas. Um ambiente tóxico que contribui para a erosão da confiança dos consumidores nas marcas.  E ameaçou cortar os investimentos da companhia em propaganda nas redes sociais  se elas não fizerem nada efetivo a respeito.

Em uma única fala, o executivo conseguiu reunir três das principais bandeiras do IAB: brand safety, combate à fraude (especialmente ao GIVT, "tráfego inválido geral", e ao SIVT ,"tráfego inválido sofisticado") e cobrança por maior transparência das plataformas sobre a performance de cada centavo colocado nas campanhas.

No ano passado, a Unilever investiu U$ 9,4 bilhões em ações de marketing. E um terço desse montante foi destinado aos anúncios digitais.

Na minha opinião, a ameaça tem menos a ver com fake news e brand safety do que com uma certa pressão (correta, diga-se de passagem) para que os ad tech players comecem a exigir mais transparência das plataformas em relação a métricas e controles de segmentação.

Jason Fairchild, co-fundador da OpenX, uma das maiores companhias de mídia programática do mercado americano, também enxerga na fala de Weed um recado para que os players foquem mais em plataformas de alta qualidade,  ​​comprometidas com os interesses das marcas. "A Unilever convocou cada ator a reconhecer que a qualidade é uma escolha", disse ele em entrevista à Publishing Insider.

No ecossistema de hoje, existem boas práticas, claras e mensuráveis, ​​que todos os players  respeitáveis ​​da cadeia de fornecimento de publicidade devem seguir. Primeiro, todos devem se alinhar em torno da iniciativa ads.txt do IAB e escolher comprar inventário somente de fontes listadas no arquivo ads.txt.

O segundo modelo para o setor seguir é adotar padrões certificados pela TAG e apenas trabalhar com empresas que fizeram o investimento necessário para receber a certificação. Em uma revisão independente, a certificação TAG cortou mais de 80% da fraude.

No fim das contas, a questão central é confiança. Na opinião de Fairchild, o que Weed fez foi chamar a atenção para um imperativo moral de todo o ecossistema de publicidade digital ( marcas, agências, DSPs, plataformas e publishers): o de  restaurar a confiança.

A Unilever fará sua parte usando Blockchain. A tecnologia visa fornecer transparência. Registrar mídia comprada e como ela é entregue.

E onde entram as mídias digitais nisso?

Bom, hoje, de fato, as mídias sociais podem ser locais hostis para as marcas. Apesar disto, no final de 2017, Google (incluindo o YouTube entre suas propriedades) e Facebook detinham 63% do mercado de anúncios digitais dos EUA e 54% da receita de anúncios digitais em todo o mundo, de acordo com o eMarketer.

No final do terceiro trimestre de 2017, a Google registrou receita de anúncios de US $ 24 bilhões e o Facebook informou US $ 10 bilhões. Todos os sinais apontam para o domínio contínuo de "os dois grandes" em 2018.

Além delas, a a Amazon vem emergindo como o próximo grande player na publicidade digital, embora sua participação atual no mercado de anúncios digitais seja apenas de 2% nos EUA e de menos de 1% em todo o mundo. No entanto, o Wall Street Journal informou em dezembro que a agência WPP pode aumentar seus gastos com a Amazon em 50% este ano, O que ajudaria a impulsionar o investimento total em anúncios da Amazon pelas três das maiores agências do mundo. movimentando US $ 800 milhões no ano.

Prescindir totalmente das mídias sociais na estratégia de Comunicação e Marketing pode não ser um escolha sensata.

Como bem alerta Pratik Dholakiya,fundador da The 20 Media, em artigo publicado pelo Marketing Land, a maioria de nós não usa mídias sociais para encontrar produtos diariamente, por isso é fácil descartá-las,  especialmente quando é difícil medir o retorno sobre o investimentos custem.

Na opinião dele é um erro descrever a mídia social como um desperdício de energia. Vinte e seis por cento dos usuários do Facebook que clicam em anúncios fazem compras e o Facebook mostrou crescimento de 62% no gasto de anúncios ano a ano em 2017, de acordo com Kleiner Perkins.

Os benefícios das mídias sociais não se limitam à publicidade segmentada. De acordo com um relatório recente do serviço de atendimento social do GetAmbassador, 71% dos consumidores que têm uma experiência de serviço ao cliente positiva com uma marca nas mídias sociais, a recomendarão a outros.

E, de acordo com um estudo feito pelo Monetate, as taxas de conversão das mídias sociais são apenas 0,71 por cento, em comparação com 1,95 por cento da pesquisa e 3,19 por cento do email, mas a mídia social também é a maior fonte de tráfego de referência para a maioria dos sites, representando 31,24% do tráfego dos sites das marcas.

"Uma forte estratégia de mídia social permite que você capture o tráfego de um público altamente diversificado e ganhe exposição na frente de públicos que, de outra forma, não descobririam sua marca. Esta é uma oportunidade para gerar demanda, em vez de apenas capitalizar sobre ela", escreve Dholakiya.

Diante desses argumentos, e de todo o contexto de mercado que antecedeu o IAB  Leadership Summit, é bem possível imaginar que a ameaça de Weed tenha sido um blefe, e a Unilever reduza, mas não deixe de investir nas mídias sociais.

No fundo, tudo é uma questão de ajuste. O Google, dono da DoubleClick, já fez seguidos movimentos em relação à brand safety e qualidade da publicidade digital.

O Facebook vem fazendo mudanças constantes no algoritmo News Feed para tentar eliminar o conteúdo que considera de baixa qualidade.

Mas é preciso fazer bem mais.

Em março do ano passado, a Procter & Gamble foi o primeiro dos grandes anunciantes a pressionar. Agora chegou a vez da Unilever. A reclamação da P&G foi sobre métricas, e as gigantes da internet se mexeram. Farão o mesmo agora, em relação à qualidade?

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.