Topo

Cristina de Luca

O Uber pagou quase R$ 1 bilhão em impostos no Brasil em 2017, e daí?

Cristina De Luca

24/02/2018 22h28

A Uber informou nesta sexta-feira (23/2) que pagou R$ 971,8 milhões em impostos no Brasil em 2017. Os valores dizem respeito a tributos federais (PIS, Cofins e Imposto de Renda) e municipais (ISS e contribuições municipais devido a regulações locais).

A divulgação tem clara intenção de influenciar os debates que ainda serão realizados na Câmara sobre o projeto (PLC 28/2017) que regulamenta os serviços de transporte que usam aplicativos, como Uber, Cabify e 99. E que, de acordo com a agenda da casa legislativa, será o destaque da pauta do Plenário a partir da próxima terça-feira (27/2).

No site #LeidoRetrocesso, no qual tenta mobilizar a sociedade para evitar que mudanças aprovadas no projeto no Senado caiam na Câmara, o Uber diz que com o volume de impostos pagos pela empresa no país é possível abrir 1.177 novos leitos de Hospitais, 50.669novas vagas em creches e construir 11.338 casas populares.

Qual a receita?
Muitos debates já vêm acontecendo fora do Congresso entre segmentos favoráveis e contrários à regulamentação dos apps de transporte particular de passageiros.  Um deles foca exatamente na questão do pagamento de taxas e tributos por parte desses serviços nascidos a partir do avanço das tecnologias digitais.

As empresas de Internet que operam no Brasil, como Facebook, Google, Netflix e a própria Uber, têm receitas importantes no país, mas são pouco transparentes a respeito.  Por conta disso, vire e mexe vejo especialistas tentando exercícios mirabolantes para provar teses a respeito de assimetrias tributárias, como se fosse fácil entender a que expedientes essas empresas recorrem para, como qualquer outra empresa operando no país, reduzir a carga de impostos e taxas sobre suas operações.

Não que eu discorde de que a simetria de informações é muito importante para gerar uma concorrência mais justa, sobretudo quando se fala de agentes regulados competindo com agentes não regulados. Ou mesmo a simetria tributária.

A falta de  informações sobre a operação dessas empresas dificulta reguladores e legisladores a evitar decisões equivocadas. Mas argumentos baseados em malabarismos tributários também não ajudam em nada a chegar a uma solução que crie condições concorrenciais mais justas, como pedem as empresas tradicionais, que não prejudiquem a inovação.

O ponto central é criar um ambiente institucional pró-mercado, que valorize o surgimento de inovações e facilite a entrada (e saída) de novos empreendedores e trabalhadores.

Carga tributária
Muitas novas empresas de internet, como o Uber,  pagam impostos no Brasil como empresas de tecnologia, em vez de como empresas de mídia, transporte, serviços de telecomunicações, por exemplo, que na realidade realmente são, dada a natureza dos serviços que prestam.

Por isso, não é nada simples estimar a receita do Uber pelo quanto ele pagou de imposto no ano passado no Brasil, como já vi por aí!

O sistema tributário incidente sobre as empresas de tecnologia é um emaranhado de variáveis contábeis e inseguranças jurídicas. Vide a atual guerra em torno da autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para que os estados cobram ICMS sobre o download de software.

Quer ver?

De acordo com Manoel Antônio dos Santos, consultor jurídico da Associação Brasileira das Empresas Software (Abes), empresas do setor de TI recolhem tributos em três momentos distintos: Faturamento, Lucro e Remessas.

1)  No momento do Faturamento são recolhidos:

a.  PIS/PASEP (Cumulativo:  0,65% ou NÃO Cumulativo 1,65%)
b. COFINS (Cumulativo:  3,0% ou NÃO Cumulativo 7,6%)
c.  ISS – Imposto sobre Serviços (varia entre 2% e 5%, dependendo da cidade)
d. INSS (4,5%, que será devido apenas se a empresa optar pelo regime da "desoneração". Se não optar, pagará 20% sobre a folha e 0% sobre a receita).

2)   Já no momento do Lucro:

a.  IRPJ 25% (Nota: a parcela do lucro for inferior a R$ 20.000/mês  pagar  IRPJ de 15%)
b.  CSLL 9%

  Para complicar um pouquinho mais, há duas modalidades de apuração do "Lucro":

  • o chamado "Lucro REAL" (resultado das RECEITAS menos DESPESAS = Lucro)
  • o chamado "Lucro PRESUMIDO" ("presume" o  Lucro, aplicando-se um porcentual sobre o lucro. Para as empresas de Serviço – incluindo TI/TIC, o lucro presumido resulta da aplicação de 32% sobre a receita.

3)  E  no momento do Remessa:

Em tese, as filiais brasileiras de empresas de outros países (Oracle, IBM, Uber, etc) podem fazer dois tipos de remessas às suas matrizes.

A – Remessas de direito de distribuição
As filiais brasileiras podem pagar para suas matrizes um percentual da sua receita a título de direitos de distribuição. Os valores remetidos serão lançados como despesas das filiais brasileiras, diminuindo a base de cálculo do IRPJ e da CSLL sobre o lucro. Essas remessas estão sujeitas aos seguintes tributos:

a.  IOF  0,39%
b.  IRF – Imposto de Renda na Fonte 15,0%.

Notas:

  1. Se a empresa beneficiária da remessa estiver num País com "tributação favorecida", a alíquota do IRF será de 25%;
  2. Se a empresa remetente não retiver o IRF de 15% ela estará obrigada a pagar "do próprio bolso" mas nesse caso a alíquota sobre para 17,65% (porque o IRF será calculado "por dentro").

B – Remessas de lucro
Não há tributos sobre as remessas de lucros. Porém, que a parcela do lucro a ser remetida já foi tributada em 34% (remete-se a "sobra", após recolher o IRPJ de 25% e a CSLL 9% sobre o lucro apurado.

Segundo a Abes, o IR-Fonte incide sobre as remessas de "direito de comercialização ou distribuição de software".

Portanto, uma intrincada combinação de regimes e alíquotas precisa ser considerada ao se tentar estimar a Receita do Uber, ou de qualquer outra empresa de tecnologia no país, a partir da informação pública sobre o total de imposto pago.

_____

Votação na próxima semana
 Como dito anteriormente, o projeto de lei que regulamenta serviços de transporte com aplicativos deverá voltar a ser apreciado pelo plenário a partir da próxima terça-feira (27/2).

Uma das principais alterações feita pelos senadores retira do município a atribuição de autorizar a atividade, mantendo apenas a competência para fiscalizar o serviço.

Outra emenda aprovada pelo Senado retira da proposta original a obrigatoriedade de que o condutor seja proprietário do veículo e do uso de placas vermelhas nos carros.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.