Topo

Cristina de Luca

STF debaterá regra de ordem judicial para remoção de conteúdo na Internet

Cristina De Luca

03/03/2018 12h30

Na noite dessa sexta-feira, 2/3, depois do presidente do Senado, Eunício Oliveira, ter tornada pública a sua intenção de não mais avalizar o anteprojeto de lei sobre fake news que será debatido na próxima segunda-feira, 5/3, pelo Conselho de Comunicação Social do Congresso a seu pedido, o Supremo Tribunal Federal incluiu na sua pauta um debate sobre "a constitucionalidade de dispositivo da Lei 12.965/2014 que exige prévia e específica ordem judicial de exclusão de conteúdo para eventual responsabilização civil".

Por maioria, vencido o ministro Edson Fachin, foi reconhecida a repercussão geral do tema para justificar a urgência do debate.

O texto publicado no site do STF anunciando a decisão  diz que "o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral na matéria discutida no Recurso Extraordinário (RE) 1037396, interposto pelo Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. contra decisão da Segunda Turma Recursal Cível do Colégio Recursal de Piracicaba (SP) que determinou a exclusão de um perfil falso da rede social e o fornecimento do IP (internet protocol) de onde foi gerado. O recurso discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) que exige prévia e específica ordem judicial de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedor de internet, websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros."

De acordo com o ministro Dias Toffoli, cabe definir se, à luz dos princípios constitucionais e do Marco Civil, a empresa provedora de aplicações de internet tem os deveres de fiscalizar o conteúdo publicado nos seus domínios eletrônicos, de retirar do ar informações reputadas como ofensivas mediante simples notificação extrajudicial e de se responsabilizar legalmente pela veiculação do conteúdo antes da análise pelo Poder Judiciário.

"A transcendência e a relevância são inequívocas, uma vez que a matéria em questão, dadas a importância e o alcance das redes sociais e dos provedores de aplicações de internet nos dias atuais, constitui interesse de toda a sociedade brasileira", afirmou.

Impossível não relacionar o debate com o grande desgaste político que o vazamento do texto do anteprojeto de lei a ser debatido no CCS causou. A definição de fake news e, sobretudo, o fato de seu texto pretende obrigar os provedores a retirar do ar, em 24 horas, conteúdos que sejam considerados fake news pelos alvos da publicação, sem a necessidade prévia de ordem judicial,  foi duramente criticada por especialistas.

É, no mínimo, estranho, para quem desconfia de coincidências…

Assim como o debate no CCS, o do STF poderá embasar a proposição de um projeto de lei feito às pressas, para ser aprovado antes da eleição de outubro. E, pior. Dependendo do resultado dos debates no STF, encorajar milhares de ações em todo o país.

A maioria dos projetos que já surgiram até agora a respeito de fake news tem em comum a tentativa de incluir fake news entre as exceções do Marco Civil para retirada de conteúdo da internet sem a necessidade de ordem judicial.  Como diz o texto do próprio STF,  a discussão da retirada de conteúdo sem necessidade de ordem judicial e responsabilização da plataforma por isso, "envolve uma série de princípios constitucionalmente protegidos, contrapondo a dignidade da pessoa humana e a proteção aos direitos da personalidade à liberdade de expressão, à livre manifestação do pensamento, ao livre acesso à informação.

Ninguém discorda que o tema é relevante. Ninguém discorda de que é preciso repensar a responsabilização dos sites e redes sociais (eu incluiria aí também os mensageiros como WhatsApp, Messenger e Telegram) quanto à veiculação e, especialmente, rápida propagação de notícias falsas. São temas debatidos no mundo inteiro. Mas, também no mundo inteiro, existe uma dificuldade enorme de definir fake news.

Estou curiosa para saber como o TSE, por exemplo, vai definir fake news na resolução eleitoral. Será que vai se valer do debate na CCS?  Será que veremos alguns dos projetos já em tramitação na Câmara ou Senado aprovado às pressas nos próximos dias, chancelado por deliberações do CCS e do STF sobre fake news e retira de conteúdo da internet sem necessidade de ordem judicial?

Em tempo: o caso em debate no STF diz respeito a um perfil falso. A autora da ação alega nunca ter feito cadastro no Facebook, mas ter sido alertada por parentes sobre a existência de um perfil falso, com seu nome e fotos, usado para ofender outras pessoas. Alegando que, diante da situação, sua vida "tornou-se um inferno", pediu a condenação da rede social à obrigação de excluir o perfil e reparar o dano moral causado.

O Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Capivari (SP) deferiu apenas a obrigação de fazer (exclusão do perfil e fornecimento do IP), mas rejeitou o pedido de indenização. A sentença fundamentou-se no artigo 19 do Marco Civil, segundo o qual o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para a exclusão do conteúdo.

Em julgamento de recurso da autora, a Turma Recursal deferiu indenização de R$ 10 mil, com o entendimento de que condicionar a retirada do perfil falso a ordem judicial específica significaria isentar os provedores de aplicações de toda e qualquer responsabilidade indenizatória, contrariando o sistema protetivo do Código de Defesa do Consumidor e o artigo 5° da Constituição Federal.

No Recurso Extraordinário ao STF, o Facebook sustenta a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que teria como princípios norteadores a vedação à censura, a liberdade de expressão e a reserva de jurisdição. Segundo a empresa, a liberdade de comunicação envolve não apenas direitos individuais, mas também um direito de dimensão coletiva, no sentido de permitir que os indivíduos e a comunidade sejam informados sem censura.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.