Topo

Cristina de Luca

Fake News: Conselho adia apreciação de anteprojeto que promove censura

Cristina De Luca

05/03/2018 17h40

Atualizada às 20h30

Após toda repercussão e desgaste político causados pelo vazamento de um anteprojeto de lei criminalizando fake news e promovendo censura (ou autocensura das plataformas de redes sociais, como proferem alguns), o Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional (CCS) decidiu adiar a apreciação do anteprojeto de lei sobre fake news marcada para hoje, criar uma comissão e convocar uma audiência pública para estudar e debater todos os projetos de lei sobre o assunto em tramitação hoje na Câmara e no Senado.

A intenção é a de que a comissão de relatoria constituída na reunião de hoje aprecie os PLs em tramitação na Câmara e no Senado e apresente um parecer na próxima reunião do CCS, em abril. Antes, porém, será convocada uma audiência pública para que os autores dos projetos defendam seus pontos de vista. A partir daí, o debate prosseguirá, tendo como norte gerar subsídios para um, maior, que acontecerá no Senado.

Durante a reunião do CCS desta segunda-feira, 5/3 _ que tinha como principal item da pauta o debate do anteprojeto elaborado pela Consultoria do Senado, a pedido do própria presidência do Conselho, sem deliberação dos demais conselheiros _ chegou-se à conclusão de que o órgão deve, sim, se pronunciar sobre a responsabilização política de quem produz e distribui fake news. Mas isso não deveria ser feito hoje, porque houve  um erro da presidência no encaminhamento do debate, ao propor a apreciação de um anteprojeto de lei que tanta gritaria gerou na sociedade. Tivesse sido apresentado como um estudo, e tornado público assim que enviado aos conselheiros, a polêmica talvez não tivesse ganhado corpo.

Pelo regimento, o CCS não tem atribuição de iniciativa legislativa. Não cabe ao Conselho a proposição de projetos de lei. Entre as suas atribuições como órgão de assessoramento está apenas a de se posicionar a respeito de projetos de lei em tramitação no Congresso, sempre que forem relacionados a temas do campo da Comunicação Social, como é o caso dos PLs criminalizando fake news.

Na opinião de Murilo Aragão, no entanto, não há nada no regimento que impeça o Conselho de propor soluções legislativas, como é o caso de um anteprojeto de lei.  E é sua prerrogativa, como presidente, solicitar estudos a órgãos do Congresso. Mas diante do erro no encaminhamento, ele teve que recuar.

Portanto, se havia qualquer intenção de ter o aval do Conselho para a rápida aprovação de uma lei sobre fake news, ela está afastada.

Examinar todos os projetos em tramitação no Congresso, então, foi a forma encontrada para atender ao pedido do presidente do Senado, Eunício Oliveira, de que o conselho estude e emita um parecer a respeito do fenômeno das fake news.

Para ampliar o debate, a comissão de relatoria criada terá seis membros, um número um pouco maior do que o previsto no regimento. O parecer apresentado será o ponto de partida para os debates no CCS.

A comissão será composta pelos conselheiros José Francisco de Araújo, representante das empresas de televisão; Maria José Braga, representante da categoria profissional dos jornalistas; Ricardo Pedreira, representante das empresas de imprensa escrita; José Antônio de Jesus, representante da categoria profissional dos radialistas; e Miguel Matos, representante da sociedade civil; além de Murillo de Aragão.

Além dos projetos de lei já apresentados, o conselho também vai ter como base para esse debate um estudo feito pela consultoria jurídica do Senado sobre o tema.

Murillo de Aragão esclareceu que o texto apresentado pela consultoria jurídica não foi solicitado como anteprojeto, apenas como um estudo. Ele também disse que o presidente do Senado, Eunício Oliveira, ao contrário do que foi divulgado por alguns veículos de comunicação, não pediu ao conselho que elaborasse nenhum projeto sobre o tema, apenas que discutisse o assunto.

– Ao Conselho de Comunicação Social foi pedida a realização de debates e estudos sobre o tema fake news em discurso de posse de todos os conselheiros pelo presidente do Senado Federal, senador Eunício Oliveira. Ao Conselho de Comunicação Social jamais foi pedido que elaborasse projeto de lei que promovesse censura. É um absurdo até achar que isso possa ter ocorrido – explicou.

Foto: Roque de Sá/Agência Senado

_____

Desde a posse dos novos membros do Conselho de Comunicação Social, em novembro de 2017, o combate às fakes news vem sendo apontado como prioridade. A preocupação é que a rápida circulação de noticiário falso interfira diretamente na disputa eleitoral, desequilibrando o pleito e prejudicando candidatos e partido.

"O TSE e outros órgão vão se debruçar sobre essa questão, vão legislar sobre a questão e, eventualmente, influenciar o processo eleitoral. Não podemos nos omitir", disse Aragão.

"E nunca vamos debater uma questão tão séria de forma açodada. E sem dar direito de voz a quem queira se manifestar", disse o presidente do CCS, Murillo de Aragão. "Se for preciso convocar novos debates, nós o faremos", completou.

_____

Entre os projetos sobre fake news que já estão sendo analisados pelo Congresso, o presidente do conselho mencionou o PLS 473/2017, do senador Ciro Nogueira (PP-PI). O texto prevê penas de detenção ou reclusão para quem divulgar notícias que souber serem falsas sobre assuntos relacionados a saúde, segurança pública, economia nacional, processo eleitoral ou que afetem interesse público relevante.

A pena prevista pelo projeto vai de seis meses a dois anos de detenção no caso da simples divulgação das fake news. Caso essa divulgação seja feita pela internet, a pena passa a ser de reclusão de um a três anos. Se a prática visar à obtenção de algum tipo de vantagem, a pena poderá ser aumentada em até dois terços.

De acordo com Ciro Nogueira, há situações em que as notícias falsas têm como alvo pessoas específicas e, nesses casos, podem constituir os crimes de calúnia, injúria ou difamação, já previstos no Código Penal. Entretanto, há casos em que o dano das fake news não pode ser individualizado, mas atinge o "direito difuso de a população receber notícias verdadeiras e não corrompidas". A intenção, segundo o senador, é coibir esses casos, ainda não previstos em lei.

Além do projeto que tramita no Senado, foram citadas três outras proposições em análise na Câmara dos Deputados: PL 6812/2017, que determina pena de detenção e multa para quem divulga ou compartilha informação falsa ou incompleta na internet; PL 7604/2017, que prevê multa aos provedores de conteúdo pela divulgação de informações falsas pela rede social; e PL 9532/2018, que altera o Código Eleitoral para prever penas para a divulgação de fatos sabidamente inverídicos sobre candidatos.

_____

Em tempo: O CCS é composto por 13 membros  titulares e 13 suplentes, que cumprirão mandato de dois anos, representando diversas categorias da sociedade civil. Previsto na Constituição (artigo 224), o conselho é um órgão auxiliar do Congresso Nacional. Entre as suas atribuições, está a de realizar estudos, pareceres e outras solicitações encaminhadas pelos parlamentares sobre liberdade de expressão, monopólio e oligopólio dos meios de comunicação e sobre a programação das emissoras de rádio e TV.

Hoje, majoritariamente, o conselho é ocupado por empresas de mídia. Me arrisco a dizer que já passou da hora de rever a sua composição, para incluir representantes dos setores de Internet (provedores de acesso e provedores de aplicação).

 

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.