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Cristina de Luca

Cuidado com o uso do reconhecimento facial como tecnologia de vigilância

Cristina De Luca

03/04/2018 19h38

Não só como fator de autenticação em smartphones e sistemas corporativos o uso do reconhecimento facial vem aumentando. Cresce também, e em todo o mundo, de forma indiscriminada, seu uso por agentes da lei e da ordem, conforme revela o mais recente white paper da Electronic Frontier Foundation (EFF), principal organização sem fins lucrativos de defesa das liberdades civis no mundo digital.

Hoje, policiais podem usar dispositivos móveis para capturar fotografias prontas para o reconhecimento de pessoas abordadas nas ruas; câmeras de vigilância possuem recursos de digitalização e identificação de faces em tempo real; e agências federais, estaduais e municipais podem ter acesso a centenas de milhões de imagens de rostos de cidadãos cumpridores da lei.

No Brasil, por exemplo, desde 2016 os passageiros de voos internacionais que chegam a qualquer dos 14 aeroportos brasileiros são identificados por meio do reconhecimento das características faciais exclusivas de cada indivíduo. A novidade otimizou o trabalho do Fisco, na medida em que a atuação da Receita Federal recai, preferencialmente, sobre passageiros que apresentem risco potencial de praticar irregularidades aduaneiras e outras infrações.

Mas o sistema permite também a integração com bancos de dados de outros órgãos de controle de fronteira e segurança, como Polícia Federal, Interpol e Agência Brasileira de Inteligência, ampliando consequentemente a  atuação da Receita Federal no combate a crimes transnacionais, tais como tráfico internacional de drogas, lavagem de dinheiro, comércio clandestino de pedras preciosas e obras de arte de alto valor.

A ferramenta identifica foragidos e suspeitos de contrabando e tráfico de drogas em questão se segundos, por meio de traços do rosto. Nem os disfarces são suficientes para tentar enganar o sistema, que cruza as informações das câmeras com bancos de dados do próprio governo brasileiro e de órgãos de inteligência, locais e internacionais.

Durante a Rio 2016, o sistema da Receita Federal auxiliou na identificação de aproximadamente 20 mil pessoas selecionadas por critérios eletrônicos de risco no Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), apenas no mês de realização dos jogos.

No futuro, segundo a EFF, as forças da lei pretendem usar o reconhecimento facial para identificar pessoas no escuro, combinar uma pessoa com um esboço policial, ou mesmo para construir uma imagem do rosto de uma pessoa a partir de uma pequena amostra de seu DNA.

Por isso, a organização alerta que, se não houver limites restritivos, pode ser relativamente fácil para o governo e empresas privadas construir bancos de dados de imagens e usá-los para identificar e rastrear pessoas em tempo real enquanto se deslocam em locais públicos.

O white paper da EFF dá uma boa olhada nos problemas com o uso da tecnologia de reconhecimento facial nos EUA. Seria importante ter o mesmo aqui. Sabe-se, por exemplo, que o Serpro tem um banco semelhantes, alimentado por fotografias de carteiras de habilitação, usado para o fornecimento de um serviço de identificação positiva da pessoa em cadastros bancários, por exemplo. Quando um rosto é capturado pela câmera, a correspondência ocorre em tempo real e concede ou nega o acesso, ou ainda aciona um alarme para alertar as partes interessadas predeterminadas para que as medidas adequadas sejam tomadas.

Vale ler o white paper.

A Parte 1 fornece uma visão geral dos principais problemas com o reconhecimento facial, incluindo precisão, segurança e impacto na privacidade e nos direitos civis.

A Parte 2 foca nos programas de reconhecimento facial do FBI, porque o FBI não apenas gerencia o repositório para a maioria dos dados criminais usados ​​pelas agências federais, estaduais, locais e tribais nos Estados Unidos, mas também fornece serviços diretos de reconhecimento facial a muitas agências e seus sistemas exemplificam os problemas mais amplos com o reconhecimento facial.

A Parte 3 analisa as possíveis capacidades e aplicações do reconhecimento facial no futuro e as preocupações decorrentes desses usos.

E a Parte 4 apresenta recomendações para os formuladores de políticas sobre os limites e verificações necessárias para garantir que o uso do reconhecimento facial por agentes da lei e da ordem respeitem as liberdades civis.

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Empresas continuam cautelosas
O mercado de reconhecimento facial deverá crescer em média 21,3% nos próximos quatro anos, para US $ 9,6 bilhões até 2022, segundo a Allied Market Research.

Mesmo com o crescimento da indústria de reconhecimento facial, a maioria das empresas tem sido cautelosa em relação à adoção da biometria – especialmente o reconhecimento facial, de acordo com Jack Gold, analista da J. Gold Associates.

Apesar do iPhone X e dos Samsungs S8 e S9,  a adoção  do reconhecimento facial ainda não pode ser considerada uma adoção em massa.

"Primeiro porque as empresas querem uma metodologia uniforme em uma infinidade de dispositivos", disse ele por e-mail. "Ainda temos muitos smartphones [Apple e Android] sem esse nível de capacidade."

Outra razão pela qual a adoção em massa tem sido lenta é porque as empresas ainda não viram evidências concretas de que a tecnologia é suficientemente segura para fins de identificação corporativa.

"Tudo bem se usuários individuais quiserem usá-la para suas necessidades de identificação pessoal, mas a implantação como padrão corporativo é outra questão", disse Gold.

Shawn McCarthy, diretor de pesquisa da IDC Government Insights, acredita que, por enquanto, a autenticação adaptativa usando biometria continuará a ser relegada a ambientes altamente seguros, como as instalações militares, de inteligência ou de pesquisa de alto nível.

No entanto, o uso do reconhecimento facial  pelas empresas tem crescido, principalmente nas ações de marketing. O cruzamento da imagem do rosto de clientes com um banco de dados pode permitir que varejistas, hotéis e bancos identifiquem rapidamente aqueles candidatos a um tratamento VIP, por exemplo.

Além disso, reconhecer a expressão facial está se tornando uma ferramenta poderosa de Business Intelligence. Um shopping center na Finlândia, chamado Rajalla På Gränsen, entrou para a vanguarda do varejo mundial depois de adotar tecnologias que analisam o gênero, idade aproximada e até expressões faciais de quem circula pelos corredores.

Tem mais. No Brasil, o Santander, a Mastercard e a Dafiti iniciam os testes do Identity Check Mobile, solução que autentica pagamentos online com o uso do reconhecimento facial. O objetivo é verificar, de forma simples e segura, a identidade do portador do cartão, sem a necessidade de digitar a senha. O banco é o primeiro emissor da América Latina a disponibilizar a solução para correntistas e não correntistas.

E a rede americana de fast-food KFC lançou em setembro, na China, um sistema de pagamento via reconhecimento facial.

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Mais perigoso
Há ainda quem sustente a tese de que o reconhecimento facial é bem mais perigoso do que  qualquer dos outros  tipos de sistemas biométricos.

Outros dados biométricos são privados ou mais difíceis de obter sem o seu conhecimento ou permissão. Por exemplo, se sua impressões digitais tiverem sido coletadas para a carteira de motorista, o título de eleitor, passaporte ou ingresso em determinados condomínios, você concordou com isso e supomos que essas agências ou empresas  manterão seus dados seguros, para uso próprio.

Fotos, por outro lado, estão publicamente disponíveis para acesso de  qualquer um. As redes sociais e os  sites de fotografia têm, registrados, milhões de dados biométricos faciais das pessoas , disponíveis para qualquer um com uma conexão à Internet.

Pense bem… Nos últimos anos já fomos fotografado centenas ou milhares de vezes. Com o uso crescente das câmeras de vigilância, estamos sendo fotografados regularmente, em todos os lugares.  As fotografias podem ser tiradas à distância sem o conhecimento ou permissão do alvo.

É muito fácil relacionar fotos a nomes. Uma vez que você tenha o nome de alguém, você pode geralmente encontrar sua foto, assim como seu endereço de casa, uma lista de seus parentes, seu número de telefone e outros dados.

A verdade é que nosso rosto está sendo constantemente fotografado para bancos de dados de reconhecimento facial, e sendo cada vez mais utilizado para a identificação nos bastidores sem o nosso conhecimento ou permissão.

Portanto, se você está entre aqueles que se preocupam com a violação de privacidade biométrica, como a EFF,  sua preocupação deve focar fortemente no reconhecimento facial.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.