Topo

Cristina de Luca

STJ aplica o Direito ao Esquecimento em duas decisões nos últimos 30 dias

Cristina De Luca

17/05/2018 10h04

Esta semana, o ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aplicou excepcionalmente o Direito ao Esquecimento em um caso de condenação por tráfico de drogas e reduziu a pena imposta ao réu, de sete para cinco anos de reclusão, ao afastar a avaliação de maus antecedentes decorrente de uma condenação por posse de drogas que transitou em julgado em 1991.  Na decisão, o ministro citou a teoria de Samuel Warren e Louis Brandeis, adotada na esfera civil, e afirmou que a essência da teoria, com as devidas adaptações e temperamentos, também pode ser aplicada no âmbito criminal, segundo reportagem do site Jota.

Na última terça-feira, dia 08 de maio, o  STJ há havia concluído que provedores de busca na Internet não podem apresentar como resultado de pesquisa qualquer conteúdo que faça referência a uma suposta fraude em concurso para a magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). Uma promotora de Justiça do Rio de Janeiro conseguiu o direito de não ter mais o nome associado ao tema "fraude em concurso para juiz".

Ambos os casos estão entre os primeiros a aplicar o chamado "Direito ao Esquecimento" no país, e de forma diversa: em um é usado como atenuante da pena, enquanto no outro, de fato, diz respeito à desindexação de resultados de busca que causem dano à honra.

E ambos suscitam a mesma dúvida:  pode a simples adoção do 'Direito ao Esquecimento' ocultar fatos relevantes e cuja memória seja de suma importância para a sociedade?

Muitos especialistas, como  o  professor Anderson Schreiber, do programa de pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, consideram que o Direito ao Esquecimento corresponde ao direito de uma pessoa de não ser perseguida pelos fatos do passado, que já não mais reflitam sua identidade atual e a impeçam de ser publicamente reconhecida pelo que é.

Para esses teóricos, o direito ao esquecimento é um desdobramento do direito fundamental à privacidade. E, portanto, um direito relacionado à pessoa, não aos fatos.

Mas isso dá a qualquer pessoa o direito de reescrever a própria história?

Na maioria dos casos, "o direito ao esquecimento está sendo discutido como uma forma de tutelar a privacidade", diz Sérgio Branco, especialista em Direito Autoral e fundador e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), em entrevista ao site ConJur. "Esse direito não pode ser usado como vem sendo. É um perigo tão grande à liberdade de expressão que deve ser aplicado de maneira excepcionalíssima", comenta o advogado, autor do livro "Memória e esquecimento na internet".

Há os que defendam que o Direito ao Esquecimento consiste na faculdade de a pessoa não ser molestada por atos ou fatos do passado que não tenham legítimo interesse público. Não deve ser usado, portanto, para viabilizar a censura privada de informações na rede ou a edição e alteração de dados relevantes para a coletividade.

Assim, personalidades públicas, como políticos, não podem pretender que determinados fatos de suas vidas sejam esquecidos. E alguém que cumpriu pena e quitou sua dívida com a sociedade não tem o direito de dissociar seu nome do crime cometido no passado. Será?

Bom, acontece que nem sempre é possível distinguir, de antemão, os dados que se tornarão irrelevantes e poderão ser descartados, daqueles que serão essenciais à preservação da memória coletiva e da historiografia social. Para muitos historiadores, o passado não é o que passou, mas o que ficou do que passou.

Além disso, no Brasil, por exemplo, dois anos após o cumprimento da pena ou da extinção da punibilidade por qualquer motivo, o autor do delito tem direito à reabilitação. Depois de cinco anos, afasta-se a possibilidade de considerar-se o fato para fins de reincidência, apagando-o de todos os registros criminais e processuais públicos.

A pessoa que pratica atos ilícitos ou reprováveis no passado, mas passa a ter uma vida honesta e exemplar, tem direito ao esquecimento, uma vez que errar faz parte da natureza humana.

Mas e  se continuar a ter uma conduta reprovável?

No caso da redução da pena por  tráfico de drogas o ministro Rogerio Schietti salientou que o STJ possui entendimento de que as condenações prévias, com trânsito em julgado há mais de cinco anos, apesar de não ensejarem reincidência, podem servir de alicerce para valoração desfavorável dos antecedentes.

Na prática, os tribunais já estão decidindo o que é interesse público ou não, caso a caso, a cada decisão onde o Direito ao Esquecimento é aplicado.  Se isso é bom ou ruim só o tempo dirá.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.