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Cristina de Luca

Histórico do Fust: duas décadas de atraso

Cristina De Luca

07/07/2018 16h19

A polêmica da vez é o uso do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (o Fust) para subsidiar o preço do diesel. E antes de entrar nela, vale relembrar como, nesses 18 anos de existência, o descontingenciamento do fundo acabou por colocar do mesmo lado do front as operadoras, o setor empresarial e o terceiro setor. Todos querem ver os recursos financiando a digitalização dos brasileiros.

O Fust foi regulamentado pela Lei n.º 9.998, de 17 de agosto de 2000, a Lei do Fust. Já naquela época, discutia-se se a universalização de serviços que financiaria deveria continuar relacionada única e exclusivamente às obrigações assumidas contratualmente pelas operadoras na Lei Geral de Telecomunicações _ portanto, a universalização da telefonia _ ou se deveria financiar os programas de inclusão digital e universalização da banda larga.

O Fust sempre foi, portanto, parte de um debate maior, que hoje norteia a revisão da Lei Geral de Telecomunicações (LGT). Não faz mais sentido que a obrigação das operadoras seja a universalização do serviço de telefonia. A sociedade digital requer a universalização da banda larga, fixa e móvel. E, mesmo que desde a sua regulamentação, o Fust sempre tenha sido considerado um importante meio de viabilização do acesso à internet para diversas iniciativas governamentais relacionadas à inclusão digital, nenhum centavo dele foi usado para este fim.

Há 18 anos a falta de aplicação dos recursos do Fundo tem sido motivo de vários questionamentos pela sociedade, pelas prestadoras de serviços de telecomunicações, principais contribuintes do Fundo, pela mídia especializada e por diversos setores do Governo. Dinheiro para ser aplicado na modernização da infraestrutura de comunicação de dados, e no subsídio de serviços de acesso à internet, sempre existiu. Vontade política, nunca.

Ao longo desses anos, os debates e as cobranças fizeram prevalecer o entendimento que, como os recursos do Fust, conforme o art. 5º da Lei n.º9.998, deveriam ser aplicados em programas, projetos e atividades em consonância com o plano geral de metas para universalização de serviço de telecomunicações – PGMU ou suas ampliações, ele poderia, sim, contemplar a implantação de internet em escolas e bibliotecas públicas e instituições de saúde, o atendimento a áreas remotas, a comunidades de baixo poder aquisitivo, a órgãos de segurança pública e a instituições de assistência a deficientes.

O Ministério das Comunicações e a Anatel empreenderam, em vão, diversas tentativas de aplicação dos recursos do Fust, por meio de programas setoriais e da edição de decretos regulamentando a Lei do Fust. Todas esbarraram em questões legais, institucionais ou políticas, como agora. O Poder Legislativo também tentou fazer a sua parte, mas muitos projetos foram rejeitados ou engavetados.

O Fust tem hoje algo perto de R$ 21 bilhões arrecadados, segundo a Federação Brasileira de Telecomunicações, Febratel. Em um país como o Brasil onde grassam profundas desigualdades sociais e toda sorte de malversação das verbas públicas, com a corrupção generalizada, uma quantia dessas, guardada à espera de uma destinação, naturalmente desperta um grande interesse, para o bem ou para mal.

Em 2004, por exemplo, o então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, recebeu um pedido da saudosa médica e sanitarista Zilda Arns, fundadora e coordenadora nacional da Pastoral da Criança, para que liberasse recursos do Fust para levar adiante projeto de inclusão digital entidade. Mais recentemente, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) manifestou o interesse de ter recursos do Fust para investimentos em projetos de Internet das Coisas (IoT).

O fato é que o governo federal somente manifestou a intenção concreta de aplicar os recursos do Fust – com prioridade para a área de educação – em 2001, quando houve previsão orçamentária e foi expedido decreto com metas de universalização objetivas. Fora isso, o Fust foi usado para fazer superavit primário e socorrer o caixa do governo.

Não é de se estranhar, portanto, que a administração Temer tenha a pretensão de contingenciar R$ 777 milhões do Fust para subsidiar o preço do diesel para os caminhoneiros.

É um problema, de fato. É um absurdo. É um desvio de finalidade do Fust que descontenta, igualmente, operadoras, empresas de tecnologia e telecomunicações e organizações do terceiro setor (especialmente as que integram a Coalização Direitos na Rede).

Resolvê-lo, no entanto, requer que os impasses que têm impedido a aplicação dos recursos do Fust sejam resolvidos. Em 2004, o TCU apontava 4 caminhos possíveis para isso.

1. A instituição de um novo serviço de telecomunicações a ser prestado em regime público;
2. Alterações na Lei do Fust e/ou na LGT;
3. Imputação de novas metas de universalização às atuais concessionárias, financiadas pelo Fust e não por recursos próprios;
4. Licitações centralizadas (Anatel) e descentralizadas (convênios com Estados e Municípios)".

A criação de um novo serviço de telecom foi uma das primeiras tentativas, nos idos de 2003, com o Serviço de Comunicação Digital (SCD). Um dos problemas para que não saísse do papel foi o fato do SCD conflitar com outros regulamentos, como os do Serviço de Comunicação Multimídia, e até com a Norma 4, que especifica que o provimento de acesso à internet não é um serviço de telecomunicações.

A alteração da LGT está em curso. Em uma trapalhada do governo, o projeto que moderniza a lei chegou a ser aprovado pela Câmara e enviado para sanção do presidente Temer. Mas foi obrigada a retornar ao Congresso, para nova apreciação pelo Senado, onde se encontra. É um dos temas prioritários em tramitação, mas, apesar disso, segue parado.

Para os mais críticos, entre as diversas falhas do projeto de lei que altera a LGT está a falta de um posicionamento sobre o uso do fundo. Assunto amplamente debatido no início de junho, durante o Encontro Nacional da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint).

Já em relação à Lei do Fust, em maio deste ano o Conselho da Anatel tirou da cartola algumas propostas para o uso do Fust. Inclusive, a de incluir entre as "Disposições Gerais" da Lei Geral de Telecomunicações que "as políticas governamentais para o setor de telecomunicações serão executadas com recursos do Fust. Também está em pauta a possibilidade de elaboração de um projeto de lei do Executivo para que o Fust seja utilizado para a implementação de infraestrutura de banda larga.

A imputação de novas metas para as concessionárias, por sua vez, esbarrou, na atualização da LGT. E as licitações, até onde eu saiba, nunca foram tentadas.

Portanto, nesses anos todos, andamos em círculos, prejudicando o país. Hoje, 46% dos brasileiros ainda não têm acesso à internet.

Algo precisa de feito. Mas, provavelmente, ficará para o próximo governo.

Uma possibilidade, caso não se consiga usar os recursos já arrecadados, é liberar os recursos daqui para frente. O Fust gera R$ 1,5 bilhão por ano para o Tesouro, esse montante poderia ser aplicado em projetos de universalização da banda larga, caso seja feita a mudança necessária na LGT. Mas não uma mudança qualquer.

O terceiro setor defende que a banda larga seja transformada num serviço público, devido sua importância. Alega que sem o regime público, as operadoras usarão recursos do fundo para incrementar seu próprio patrimônio. As operadoras esperam que o governo financie a infraestrutura nas localidades onde não há rentabilidade.

Será possível equilibrar os interesse m prol do desenvolvimento do país rumo à Economia Digital?

Esse é o grande desafio!

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.