Topo

Cristina de Luca

Enquanto Zuckerberg chora, Bezos sorri

Cristina De Luca

27/07/2018 09h27

Na mesma quinta-feira na qual o Facebook entrou para a história ao registrar a maior queda de uma empresa na bolsa em um dia, a Amazon viu suas ações aumentarem em 3,5% no pregão após o expediente, para US $ 1.871 por ação.

Nuvem e publicidade. É esse o binômio que tem feito o lucro da Amazon superar o a barreira de US $ 1 bilhão por três trimestres fiscais consecutivos. O negócio de varejo tradicional da Amazon tem margens pequenas. Mas nos negócios de cloud e de publicidade as margens são bem altas.

O serviço de nuvem da Amazon acelerou seu crescimento de vendas pelo terceiro trimestre consecutivo, para 49% ano a ano, apesar do aumento da concorrência da Microsoft e do Google. Sua receita de US $ 6,1 bilhões representou apenas 11% das vendas totais da Amazon, mas sua receita operacional de US $ 1,6 bilhão representou 55% do total.

A "outra" receita da Amazon, que é composta principalmente de vendas de publicidade, foi de US $ 2,2 bilhões, 132% a mais que no ano passado. Este é o segundo trimestre consecutivo, superando US $ 2 bilhões em receita de publicidade.

Juntos, ajudaram a companhia a anunciar nesta quinta-feira, 26/7, um enorme aumento (12x) em seu lucro líquido em relação ao mesmo período do ano passado, atingindo o patamar recorde de US $ 2,5 bilhões no segundo trimestre fiscal. Mais do que o dobro esperado por Wall Street.

Apesar da receita total da Amazon, que inclui vendas da Whole Foods, ter aumentado 39% ano a ano, o valor ficou abaixo do esperado pelo mercado. US$ 52,9 bilhões contra US $ 53,41 bilhões, como estimado, segundo a Thomson Reuters. Isso porque pouco mais da metade da receita da Amazon veio de vendas online, enquanto 11% vieram da Amazon Web Services. Serviços de assinatura (incluindo Prime), vendas em lojas físicas e taxas de vendedor de terceiros compunham o restante.

As ações da Amazon subiram 55% desde o começo do ano, enquanto o índice Standard & Poor's 500 subiu 6%. Nos minutos finais de negociação na quinta-feira, as ações atingiram US $ 1.807,76, um aumento de 72% nos últimos 12 meses.

Desaceleração no número de usuários e no aumento da receita. Esse foi o binômio que fez o mercado reagir mal aos resultados do Facebook, derrubando o valor das ações e, consequentemente, o valor de mercado da empresa de Mark Zuckerberg.

A contagem de usuários mensais do Facebook cresceu apenas 1,54, em comparação com 3,14 no último trimestre. Os usuários ativos diários cresceram ainda mais lentamente em 1,44%, em comparação com 3,42% no último trimestre. Os vilões são os mercados Europeu e Norte Americano, onde a contagem de usuários encolheu ou permaneceu estável. Acontece que eles são também os dois mercados mais lucrativos do Facebook. A rede social ganha US $ 25,91 por usuário na América do Norte e US $ 8,76 na Europa. Se esses mercados empacam, um crescimento rápido na região Resto do Mundo, onde o Facebook ganha apenas US $ 1,91 por usuário, não será suficiente para equilibrar a balança.

Já a receita do Facebook cresceu 42 por cento ano a ano neste trimestre. Mas o diretor financeiro David Wehner alertou que a métrica desacelerará em alta porcentagem de um dígito por trimestre nos próximos trimestres. Wehner disse que uma combinação de ventos contrários, novos controles de privacidade e novas experiências, como o Stories, contribuirão para a desaceleração.

Combinadas, estas notícias causaram a queda histórica no preço das ações do Facebook.  Em apenas um dia a rede social perdeu cerca de US$ 121 bilhões (R$ 453,4 bilhões). O equivalente a uma Nike (US$ 125,1 bilhões) ou a uma General Electric (US$ 114,2 bilhões) ou a todo o mercado de ações argentino.

Em artigo publicado no Guardian, Siva Vaidhyanathan, autora do livro "Antisocial Media: How Facebook Disconnects Us and Undermines Democracy", sai em socorro da rede social e diz que os núemros de ontem falam mais sobre o próprio mercado financeiro do que sobre o Facebook.

"Posso garantir que ninguém dentro do Facebook está em pânico. Ninguém em seu conselho de administração está preocupado ou está exigindo uma mudança de curso ou a renúncia de Mark Zuckerberg. E que os investidores institucionais já estão se preparando para comprar o Facebook em uma pechincha", escreveu Vaidhyanathan.

"Gostaria de alertar a todos que estão rindo de alegria (se alguém é um crítico como eu) ou estremecendo de horror (se for um investidor).(…) Pergunte-se se os anunciantes do Facebook estão fugindo. Olhe para o crescimento global, não apenas o crescimento na América do Norte e na Europa. Considere o uso e a receita do Instagram. Considere que o Facebook parece preparado para vender anúncios no WhatsApp. E considere a escala do Facebook. (…) Desde fevereiro, 2,2 bilhões de pessoas usam regularmente o Facebook em todo o mundo. Esse número pode chegar a 2,4 bilhões até o final do ano. Esse número é tão grande que é difícil ponderar. Há algo além da atmosfera e dos oceanos que influencia 2,2 bilhões de vidas?", questiona.

Na contramão dos demais analistas, Vaidhyanathan acredita que embora o crescimento da receita e de usuários nas partes mais ricas do mundo não deva repetir os índices sa última década, o Facebook aproveitará mais do que precisa de lugares que estão crescendo: Brasil, Índia, Indonésia, Filipinas, Paquistão, Nigéria, México, África do Sul e outros países que estão implantando rapidamente serviços de dados móveis – geralmente com a ajuda da própria rede social. Eles têm espaço para crescer como mercados e grupos de usuários. Será?

Parece louco?  Bom, a  professora termina seu artigo com o alerta que realmente importa: "Os investidores não nos salvam. O próprio Facebook não nos salvará. Apenas um movimento político global destinado a desmembrar essa empresa e limitar o que ela pode fazer com nossos dados comportamentais pode refrear o Facebook. Não deixe que uma queda de um dia, como parte de um notável aumento de seis anos no valor das ações, distraia você dessa difícil verdade."  Nesse ponto, concordo com ela.

De toda forma, os números de Amazon e Facebook falam mais sobre a Economia Digital que qualquer outro. Vejo a Amazon como o exemplo de  "empresa digital"  que deve nortear os negócios nas próximas décadas, impulsionados pelo Big Data, a Inteligência Artificial, a Internet das Coisas. E o Facebook como apenas uma parte de todo esse ecossistema. Se há um exemplo a ser seguido, esse exemplo é o da Amazon, não o do Facebook.

Poucas empresas possuem vantagens competitivas tão poderosas quanto a Amazon. Ela se esforça para ser "a empresa mais centrada no cliente no mundo", e eu diria que tem sido bem-sucedido nesse sentido. A Amazon também se destaca em outra indústria massiva: a computação em nuvem.  A Amazon Web Services é a líder nessa arena em rápido crescimento e suas vantagens de escala proporcionam uma vantagem poderosa sobre seus concorrentes.

Como a Amazon, o Facebook domina sua indústria. Os mais de 2 bilhões de usuários do gigante da mídia social superam o de seus rivais. O Facebook se beneficia de poderosos efeitos de rede.  Cada novo usuário que ingressa em sua plataforma torna o Facebook mais valioso para os usuários existentes. Além disso, as informações pessoais compartilhadas pelos usuários são um tesouro para os profissionais de marketing, já que os dados do Facebook permitem que eles segmentem seus anúncios melhor do que qualquer outra plataforma de anúncios. Mas esse poderio tem esbarrado em muitos problemas legais. Problemas que a Amazon vem tentando contornar _ com alguns escorregões, é fato, como as indiscrições cometidas recentemente pela Alexa, que colocaram a Amazon no radar das autoridades preocupadas com a defesa da privacidade.

A vantagem da Amazon é ter uma forte posição de liderança  não só em um, como em três mercados altamente valiosos: e-commerce, cloud e assistentes inteligentes. Três mercados que podem torná-la uma gigante da publicidade digital, caso queira.

Arrisco a dizer que hoje só outra gigante da Internet  tem condições de fazer frente à escalada de Jeff Bezos: o Google. Como a gigante do e-commerce, a gigante das buscas também vem trabalhando para estar presente em mercados basilares da economia digital. Mas, como o Facebook, para prosperar o Google precisará superar questões legais, especialmente em relação à concorrência desleal.

A ver.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.