Relatório britânico propõe restringir propaganda política nas redes sociais
"Existem muitas ameaças potenciais à nossa democracia e aos nossos valores. Uma delas surge a partir do que se convencionou chamar "fake news", desinformação disfarçada de notícias criadas com fins lucrativos ou políticos, disseminadas através de programas patrocinados pelo Estado ou difundidos pela distorção deliberada de fatos, por grupos com uma agenda particular.
Indiscutivelmente, mais invasivo do que obviamente a informação falsa é o direcionamento implacável de pontos de vista hiperpartidários, que brincam com os medos e preconceitos das pessoas, a fim de influenciar seus planos de votação e seu comportamento. Estamos diante de uma crise com relação ao uso de dados, à manipulação de nossos dados e ao direcionamento de exibições perniciosas.
Neste mundo digital em rápida mudança, nossa estrutura legal existente não é mais adequada. Nossa democracia está em risco, e agora é a hora de agir, proteger nossos valores compartilhados e a integridade de nossas instituições democráticas."
Assim começa o relatório parlamentar do Reino Unido sobre fake news, que prega a definição de áreas onde a ação urgente precisa ser tomada pelo governo e outras agências reguladoras para construir resiliência contra desinformação no sistema democrático.
Entre essas ações estariam:
- "Responsabilização legal clara" para empresas de tecnologia "agirem contra conteúdos nocivos e ilegais".
- Proibição de publicidade política direcionada a micro públicos.
- Novos poderes para a Comissão Eleitoral e uma revisão abrangente da legislação existente que rege as propagandas políticas durante as eleições.
- Um código de ética que todas as empresas de tecnologia concordarão em defender.
Em resumo, as recomendações da comissão do parlamento britânico encarregada de estudar o tema podem mudar radicalmente como o Reino Unido trata as empresas de tecnologia, caso sejam adotadas. Entre outras coisas, o comitê sugere novos impostos e multas para empresas como Facebook e Twitter.
Um ponto chama atenção: ao contrário do Brasil, o relatório recomenda restrições à propaganda política nas mídias sociais próximo às eleições. E a fixação de uma multa máxima para violações da lei eleitoral como uma porcentagem da receita das plataformas. Também sugere que um órgão independente, como a Autoridade de Concorrência e Mercados, audite as redes sociais. Caberá a esse órgão assegurar que mecanismos de segurança e algoritmos usados por redes sociais estejam disponíveis para auditoria por um regulador do governo, para garantir que eles estejam "operando com responsabilidade".
Aqui, a legislação eleitoral liberou o a propaganda política segmentada na rede social durante o período eleitoral, embora tenha imposto controles a respeito, como a obrigatoriedade de um registro público para que qualquer pessoa possa ver quais conteúdos políticos estão sendo distribuídos e impulsionados, e por quem.
Pontos em comum
No fundo, o relatório britânico chega às mesmas conclusões de todos os que já se debruçaram sobre o tema.
1. As plataformas têm a responsabilidade cívica de não promover a desinformação.
2. Os cidadãos têm a responsabilidade de escapar de seus preconceitos e bolhas e rejeitar a desinformação.
A questão é como fazer isso.
No Brasil, durante reunião com procuradores regionais eleitorais de 12 estados, em Brasília, na semana passada, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou com todas as letras que o combate à propagação de fake news durante a campanha eleitoral deste ano não pode incluir censura prévia sobre as publicações.
"O Ministério Público Eleitoral, como o Ministério Público de um modo geral, tem compromisso com a liberdade de expressão. Essa exigência da democracia tem que ser mantida, faz parte dos objetivos da atuação do próprio Ministério Público e, portanto, ainda que para coibir notícias inverídicas, que deformem a vontade do eleitor, nós não podemos utilizar censura prévia", disse Dodge, em entrevista coletiva à imprensa no intervalo da reunião com os procuradores.
"O modo de fazer isso não é utilizando mecanismos de censura prévia, mas sim fortalecendo no eleitor o seu compromisso em repelir as notícias falsas, não replicando essas notícias. Estimular que ele duvide de tudo que ele lê e que ele confira, cheque, indague, ele se dirija ao candidato ou partido para certificar-se de uma dada informação", disse Dodge.
No atual ambiente político, em que mesmo as verdades e fontes básicas são atacadas por gritar "notícias falsas", onde está a verdade fundamental sobre a qual chegar ao pensamento crítico, trabalho duro e desconfortável de cada cada um de nós?
Quem é capaz de determinar o que é a verdade diante de algo que não seja factual? Na maioria das vezes, a verdade depende da interpretação, dizem os filósofos.
A preocupação de Dodge é a mesma de muitos que se incomodam com as declarações evasivas do o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Fux, de que a atuação da Justiça Eleitoral contra as chamadas "fake news" contará com órgãos de inteligência do governo para identificar notícias falsas e, inclusive, retirá-las de circulação.
O TSE colocou a atuação dos órgãos de inteligência no combate às notícias falsas sob sigilo absoluto. Classificou como "reservadas" as atas de todas as reuniões do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, órgão que está discutindo medidas contra notícias falsas no período eleitoral. Talvez para não expôr controvérsias. Sabe-se, por exemplo, que em uma das reuniões do Conselho, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) chegou a propor que usuários da internet fossem monitorados de forma preventiva. A ideia gerou polêmica no grupo do TSE.
Em nota, o TSE informou aos jornalistas que questionaram o sigilo que as atas têm caráter reservado porque "abordam assuntos que atingem a segurança da sociedade e do Estado brasileiro, o que justifica a excepcionalidade à regra da transparência".
Acontece que, nesse caso, a falta de transparência é nociva a todos. Como uma sociedade pode se posicionar a respeito de notícias falsas, se não como as autoridades estão agindo para combatê-las.
Não basta saber que o TSE considera "fake news" a notícia "enganosa, proposital, dolosa e que causa um dano irreversível à campanha do candidato", como vem declarando o ministro Fux.
É preciso saber os critérios que os órgãos de inteligência, o tribunal e as próprias plataformas (principalmente elas) estão usando para determinar que determinado conteúdo é fake news e para "retirá-lo de circulação"por considerá-lo nocivo ao embate eleitoral.
Estamos diante, de fato, do risco do "uso retórico" do combate às fake news minar a circulação de ideias.
A preocupação de Dodge é também a mesma de quem teme a aprovação rápida de um dos muitos projetos de lei em tramitação no Congresso nacional criminalizando fake news, antes da eleição deste ano, sem um debate mais profundo em relação a um tema tão complexo.
O último levantamento da ONG Safernet identificou 19 PLs sobre fake news na Câmara e no Senado (abra as imagens abaixo em uma nova janela para amplia-las).
Com as plataformas pressionadas, preocupa ainda mais que elas pratiquem a censura prévia privada de discursos ou o controle daquilo que pode ou não ser amplamente visto e conhecido.
No início de julho, a Associação Brasileira de Pesquisadores de Cibercultura (ABCiber) divulgou uma nota pública na qual solicita ao Ministério Público Federal e à Justiça Eleitoral providências contra a censura privada por parte dessas plataformas, assegurando a todos liberdade de expressão e de visualização de conteúdos – direitos constitucionais –, bem como transparência no debate democrático nas redes, exigindo que todas as postagens pagas e resultados de buscas patrocinados explicitem o valor efetivamente gasto pelo contratante. Por ora, a lei eleitoral requer somente que o conteúdo impulsionado seja identificado como propaganda eleitoral e contenha, de forma clara e legível, o número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) ou o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do responsável.
Confesso que tenho andado desanimada com o fato da discussão sobre "notícias falsas" ter se concentrado exclusivamente na regulamentação das mídias sociais (que eu considero necessária, sob vários aspectos), em vez de em meios de ensinar às pessoas habilidades básicas de pensamento crítico.
Por exemplo: até hoje vi pouca ação prática, excluindo iniciativas da grande imprensa, de educação do eleitor a respeito da identificação de fake news. A Importância da Educação Midiática na formação da cidadania e no combate às notícias falsas foi a pauta da 12ª Conferência Legislativa sobre Liberdade de Expressão, realizada na Câmara dos Deputados, em Brasília, meses atrás. Por ode começar? Só campanhas de alerta são suficientes?
O projeto Comprova, iniciativa de combate às "fake news" promovida pela First Draft (organização ligada à Universidade de Harvard), lançou um curso online e gratuito para que a população possa checar se conteúdos postados nas redes sociais são falsos.
O curso tem duração de uma hora e está disponível em português, espanhol e inglês. Quem se interessar por aprender mais sobre as técnicas para identificar conteúdo falso online pode entrar diretamente no site em português.
E aí? Quem se interessa?
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