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Cristina de Luca

Califórnia abre caminho para restaurar a neutralidade de rede nos EUA

Cristina De Luca

07/09/2018 11h46

Será mesmo?

No último dia 31 de agosto, nove meses depois de a Comissão Federal de Comunicações (FCC, a Anatel dos Estados Unidos) derrubar as regras nacionais sobre neutralidade de rede, legisladores da Califórnia _ o mais rico e populoso estado americano, sede das gigantes Google e Facebook _ aprovaram uma lei proibindo os provedores de serviços de internet (ISPs) de bloquear o tráfego ou de fornecer as chamadas fast lanes (conexões rápidas). Para o projeto se tornar lei de fato, o governador da Califórnia, Jerry Brown, terá que assiná-lo até o fim de setembro.

A nova legislação é ainda mais forte do que as regras de neutralidade que a FCC mantinha em vigor desde 2015. Além de impedir bloqueios ou tratamento discriminatório do tráfego também torna ilegal a prática conhecida como 'zero rating', pelo qual os provedores de conexão não descontam da franquia o acesso a determinados sites e aplicações.

A Califórnia não é o primeiro estado a sugerir que as proteções de neutralidade da rede devem ser restauradas nos Estados Unidos. Em março de 2018, o estado de Washington aprovou a legislação de neutralidade da rede. E em janeiro, procuradores-gerais de 22 estados entraram com uma ação para bloquear a revogação da neutralidade da rede pela FCC. Mas o projeto de lei da Califórnia é significativo justamente por ser o estado mais populoso do país e o lar de muitas das maiores empresas de tecnologia do mundo.

Na opinião de muitos especialistas, com vários estados aprovando legislação própria com o objetivo de trazer de volta proteções à neutralidade da rede, os defensores da privacidade dos dados estão prestando muita atenção em como Brett Kavanaugh, nomeado pelo Supremo Tribunal dos EUA, responderá aos questionamentos sobre regulamentação da banda larga durante as audiências no Senado para referendá-lo no cargo, que acontecem esta semana.

Ao contrário da legislação californiana, sua indicação não foi bem recebida por eles. O temor é o de que ela coloque em risco o Ato de Revisão do Congresso (o CRA, aprovado no Senado em maio e que deve passar pela Câmara dos Representantes até o final do ano), o recém-aprovado projeto de lei de neutralidade da Califórnia, e todos os outros esforços para preservar a Internet aberta em perigo.

Isso porque quando exercia o cargo de juiz do Tribunal de Apelações dos EUA, Kavanaugh apoiou uma ação das operadoras de telefonia questionando a autoridade da FCC para reclassificar os serviços de internet como serviço de telecomunicações de modo a estabelecer as rígidas regras de neutralidade da rede adotadas pelo governo Obama em 2015. Ele foi o único voto contrário à decisão que reconheceu os poderes da FCC para tal.

Durante a sessão desta quarta-feira, 5/9, no Senado, perguntado sobre porque havia discordado de seus colegas na ocasião, Kavanaugh sustentou que simplesmente seguiu a lei. Mais especificamente, uma doutrina da Suprema Corte relacionada à Chevron, que diz  que um tribunal não deve conceder deferência a uma agência federal se o Congresso não tiver se pronunciado claramente sobre o assunto em questão.

"Em questões de grande importância econômica ou social, esperamos que o Congresso fale claramente antes de tal delegação, e não foi isso que aconteceu, em minha opinião, com respeito à neutralidade de rede [na época]", disse  Kavanaugh.

O futuro da neutralidade da rede nos Estados Unidos, portanto,  será influenciado pelos desenvolvimentos em três arenas diferentes: a legislatura estadual, os tribunais federais e a política nacional.

Na opinião da Electronic Frontier Foundation (EFF), que coordena muitas das campanhas a favor das regras de neutralidade de rede,  a luta da Califórnia é um microcosmo da nação. E a  neutralidade da rede é popular em todo o país. Vários estados, incluindo Washington, já aprovaram suas próprias leis. Além disso, 22 estados e o Distrito de Colúmbia entraram com uma moção para reviver as regras nacionais de neutralidade da rede.

A novela continua…

Os provedores de serviços de Internet, como AT & T, Verizon e Comcast, não querem que a neutralidade da rede seja reforçada porque as regras vão "reduzir seus lucros". Em outras palavras, eles não poderão cobrar mais pela priorização de rotas mais rápidas ou priorização de conteúdos. Seu argumento, de acordo com a EFF, é que, se eles não puderem gerar receita a partir desses fluxos, os preços dos serviços de acesso à Internet podem subir.

Um estudo recente de pesquisadores da Northeastern University e da University of Massachusetts Amherst descobriu que, de janeiro a maio de 2018, os ISPs estavam reduzindo o tráfego para serviços de vídeo como Netflix e YouTube. Antes de este estudo ser publicado, a revogação da neutralidade da rede já estava sendo recebida com muita consternação.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.