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Cristina de Luca

Criptografia? Não é bem essa a privacidade que reivindicamos, Zuckerberg

Cristina De Luca

11/03/2019 12h46

Aniversários são uma boa ocasião para reflexão. Foi o que, aparentemente, tentou fazer Mark Zuckerberg no post de 3,5 mil palavras intitulado "Uma visão focada em privacidade para redes sociais", publicado na rede social dias atrás.

Nesses 15 anos, desde sua fundação, o Facebook mudou atitudes em relação à privacidade alguma vezes. Com o aumento da consciência de que a rede social faz fortuna explorando dados que ao longo de todos esses anos nos convenceu a compartilhar, e vendendo aos anunciantes acesso a perfis específicos de usuários, seu CEO caprichou nos argumentos, desta vez, para nos fazer crer que, no futuro, uma plataforma de comunicação focada na privacidade se tornará ainda mais importante do que as plataformas abertas de hoje, como o próprio Facebook.

Tem razão. Mas, em parte. Todo mundo quer privacidade, mas no caso do Facebook, ela diz respeito bem mais à transparência no uso que a rede social faz dos nossos dados para traçar e vender perfis psicográficos, principalmente, e editar o conteúdo que vemos, do que com criptografar mensagens privadas e histórias efêmeras trocadas entre pequenos grupos. Para isso temos outras ferramentas, como o próprio WhatsApp.

Comentários publicados abaixo do post de Zuckerberg deixam claro que os usuários do Facebook desejam mudanças mais simples para a rede social, como voltar a mostrar a postagem dos amigos na timeline em ordem cronológica; ter uma postura ética ao reunir as pessoas em torno de interesses em comum; oferecer ferramentas para um controle mais granular que ajude a filtrar melhor certos tópicos; ser capaz de distinguir posts fraudulentos e a apropriação indébita de nomes de empresas legítimas em scans que vendem gato por lebre; disponibilizar o botão de "dislike"; não frear o alcance orgânico das postagens e por aí vai…

Para a maioria dos seus usuários o Facebook se tornou apenas um campo de mineração de dados para publicidade. E investir tempo e recursos tentando fazer com que ela privilegie interações privadas, criptografadas e efêmeras, como já acontece comas postagens no Instagram Stories, não muda isso, nem altera o modo como o Facebook segmenta a publicidade. Tampouco reduz a inserção de anúncios entre as conversas, ou contribui para aumentar a transparência sobre a forma como a rede social trata os dados dos usuários para vender propaganda.

Será preciso explicar claramente como tal plataforma focada em privacidade garantirá que as pessoas possam falar em particular e viver livremente, sabendo que suas informações só serão vistas por quem elas quiserem. O Facebook está mesmo disposto a dar mais poder aos usuários sobre o que compartilhar e com quem?

Por enquanto, sobram desconfianças sobre a possibilidade de Zuckerberg conseguir pivotar o Facebook.

E o êxodo da plataforma continua: 15 milhões de usuários deixaram a plataforma desde março de 2017, de acordo com um estudo realizado pela Edison Research, reduzindo a porcentagem de americanos na plataforma de 67% para 61%. A CNBC também está informando que os anunciantes estão abandonando a plataforma, alegando preocupações sobre suas práticas de negócios.

Um estudo recente descobriu que 52,2% das pessoas não se sentem confiantes sobre sua privacidade na internet. Para mitigar os riscos, as pessoas estão compartilhando menos noFacebook , o que obviamente é uma má notícia para Zuckerberg e cia. Sem que as pessoas transmitam suas informações pessoais, a segmentação de anúncios se torna menos precisa, o que acaba resultando em queda na quantidade de anunciantes. 

Interoperabilidade
Um ponto, em particular, vem polarizando as reações na rede: a ideia de que as pessoas devem ser capazes de usar qualquer um dos aplicativos de propriedade do Facebook para alcançar seus amigos, e se comunicar através de redes de maneira fácil e segura, trocando dados entre elas.

Faz tempo que Mark Zuckerberg pensa em permitir que os usuários enviem mensagens para seus contatos usando qualquer um dos serviços de sua propriedade, como o Messenger, o Instagram Direct e o WhatsApp.  E em estender essa interoperabilidade também ao SMS.

Segundo o post "Uma visão focada em privacidade para redes sociais", essa integração se dará mediante opt-in dos usuários, que serão capazes de manter suas contas separadas, se  assim desejarem. Mas, na opinião de Zuckerberg, ela pode melhorar a conveniência no uso do Facebook ou do Instagram como redes sociais e do WhatsApp como seu serviço de mensagens.

"Por exemplo, muitas pessoas que vendem itens no Marketplace listam seu número de telefone para que as pessoas possam avisá-los sobre compras. Isso não é ideal, porque você está dando acesso ao seu número de telefone a estranhos. Com a interoperabilidade, você poderia usar o WhatsApp para receber mensagens enviadas para sua conta do Facebook sem compartilhar seu número de telefone – e o comprador não teria que se preocupar se você prefere receber mensagens em uma ou outra rede", escreve Zuckerberg.

Mas, embora alguns usuários tenham gostado, outros reivindicam mudanças mais simples, como "impedir que estranhos enviem uma chamada de vídeo no Messenger só por que o usuário aceitou as solicitações de amigos desses desconhecidos".

Há ainda os que enxergam a integração como um reforço do monopólio do Facebook .Em um artigo publicado recentemente pelo o USA Today, Sarah Miller e David Segal, membros do conselho da Freedom From Facebook , argumentaram que a única forma de reduzir o poder da plataforma impedir a agregação do Instagram, WhatsApp e Messenger

"O modelo de negócios do Facebook – coletando dados sobre seus usuários e vendendo esses dados para o maior lance – garante que nunca levará a privacidade a sério ou tomará as medidas necessárias para expulsar partes nefastas da plataforma. Fazer isso seria simplesmente muito caro.

Quebrar o Facebook , no entanto, traria pressão sobre ele de uma maneira diferente: reintroduzindo a concorrência que é praticamente inexistente no espaço da mídia social. No momento, o Facebook , juntamente com suas subsidiárias, responde por 77% do tráfego de redes sociais móveis nos Estados Unidos. Não tem concorrentes reais", dizem Sarah e David.

Considerando que o Facebook tem outro plano para se tornar essencial para o dia a dia das pessoas em todo o mundo (criar uma nova moeda criptografada para seus usuários), a junção das plataformas ser realmente um grande problema para a concorrência e para a economia de diversos países. Imagine se os 1,5 bilhão de usuários do WhatsApp começarem a enviar dinheiro para parentes em outros países usando uma criptomoeda própria do serviço? Isso poderia consolidar ainda mais poder global inexplicável no Facebook, não poderia?

Não por acaso a senadora Elizabeth Warren, uma das principais pré-candidatas democratas à presidência, anunciou como parte de sua plataforma de campanha um projeto para forçar o desmembramento de alguns conglomerados do Vale do Silício, como o próprio Facebook (incluindo o WhatsApp e o Instagram), a Amazon (com o Whole Foods) e o Google (considerando o Youtube, o Waze e o DoubleClick, principalmente), em empresas independentes.

Em tempo: vale ler o livro  "Zucked", escrito por Roger McNamee, um dos primeiros investidores no Facebook , e ex-mentor do CEO da rede social. No livro, McNamee chama os modelos de negócios do Facebook de "ruins para a sociedade" e acusa o conglomerado de manipular o público e permitir que os maus atores obtenham lucro.

Roger foi entrevistado nesse domingo, 10/3, no SXSW 2019, pelo jornalista Nicholas Thompson,da Wirede, e comentou  a proposta de Elizabeth Warren.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.