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Cristina de Luca

Facebook reconhece que sua regulação é inevitável e quer moldá-la

Cristina De Luca

01/04/2019 10h30

Este fim se semana, Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, voltou a surpreender o mundo ao defender a regulação da Internet em um artigo publicado pelo jornal The Washington Post.

Mark parece incomodado com as responsabilidades crescentes das plataformas digitais. "Todos os dias, tomamos decisões sobre o que é uma fala prejudicial, o que constitui publicidade política e como evitar ataques cibernéticos sofisticados", diz ele.

E usa esse incômodo para justificar a defesa de "um papel mais ativo para governos e reguladores". "Ao atualizar as regras para a Internet, podemos preservar o que há de melhor nisso – a liberdade de as pessoas se expressarem e de os empreendedores construírem coisas novas – protegendo, ao mesmo tempo, a sociedade de danos mais amplos."

Vejam só… o adolescente Facebook clama agora por disciplina e limites…  E diz ao pai Estado exatamente onde: na determinação do que venha a ser conteúdo prejudicial; na definição de regras que protejam as eleições, especialmente quanto à veiculação de propaganda política online; na criação de normas de privacidade e proteção de dados, que não são farinha do mesmo saco, embora se misturem; e no estabelecimento de regras para portabilidade dos dados, ou seja, quando e com quem os dados podem ser compartilhados.

A sensação que fica é a de que Zuckerberg já sabe que a regulação da atuação do Facebook ,e de outras plataformas digitais, é inevitável. E quer moldá-la de acordo com seus interesses.

Vamos lá…

Sobre conteúdo prejudicial, concordo com a análise de Mike Isaac, repórter do The New York Times, quando lembra que, "se as determinações de políticas do Facebook sempre causarem insatisfação, talvez seja melhor deixar que os legisladores escrevam as regras para isso. Ao aderir à letra da lei, o Facebook pode efetivamente proteger-se da culpa quando algo inevitavelmente dá errado". Bingo! Uma preocupação a menos para quem quer deixar de se tornar uma praça pública para se transformar no clubinho de troca de mensagens particulares. 

Sobre propaganda política, o uso do Facebook na campanha eleitoral brasileira talvez seja o melhor exemplo do que acontecerá se somente a internet for regulada. A propaganda vai encontrar um jeito de circular por outros meios. No nosso caso, os serviços de mensageria, muito mais difíceis de controlar.

Sobre privacidade e proteção de dados, de novo Mike Isaac tem razão. Dependendo das regras, elas podem ser facilmente digeridas pelas gigantes da tecnologia, mas pesadas demais para a criação do próximo serviço capaz de desbancá-las de seus tronos. É preciso garantir que a aplicação do Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (GDPR), a nossa Lei Geral de Proteção de dados (LGPD), a legislação de proteção de dados da Califórnia ou a futura legislação federal de proteção de Dados americana não prejudiquem a inovação.

Por fim, em relação à portabilidade dos dados, é preciso lembrar que Zuckerberg está se movendo para integrar os serviços de mensagens que possui, estreitando ainda mais as redes de usuários em todos os seus serviços, permitindo a troca voluntária de dados entre eles.  Recentemente, Marc Rotenberg, presidente executivo do Centro de Informação sobre Privacidade Eletrônica, alertou, em um artigo publicado pelo The New York Times, que essa integração poderia ter um "efeito terrível para os usuários" e solicitou à Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos (Federal Trade Commission ou FTC, no original em inglês) agir para proteger a privacidade e preservar a concorrência". Ele lembra que "se os usuários puderem interagir com mais frequência com os aplicativos do Facebook, a empresa também poderá aumentar seus negócios de publicidade ou adicionar novos serviços geradores de receita". Comentei sobre isso aqui, no artigo "Criptografia? Não é bem essa a privacidade que reivindicamos, Zuckerberg".  O plano de integração levanta questões de privacidade por causa de como os dados dos usuários podem ser compartilhados entre os serviços. 

Além disso, restrições de portabilidade, dependendo de como forem feitas, pode prejudicar outros players da cadeia de publicidade digital e limitar a troca de serviços, sem a perda de dados.

Moral da história: já diz o ditado, de boas intenções _ como o artigo de Zuckerberg deixa transparecer _ o inferno está cheio!

A regulação da internet é um desafio que tem suscitado diversas polêmicas nos últimos anos. O artigo de Zuckerberg contrasta com os recentes pedidos de regulação das grandes empresas de internet, feito pelo criado da Web, Tim Berners-Lee. Não é a Internet como um todo que deve ser regulamentada, mas a atuação de alguns de seus atores.

No passado, cuidados foram tomados para evitar que a companhias telefônicas controlassem a internet. Até hoje, debates em torno do princípio de neutralidade de rede (aquele que estabelece que todas as informações que trafegam na rede devem ser tratadas da mesma forma, navegando à mesma velocidade, garantindo o livre acesso a qualquer tipo de conteúdo na rede sem ferir a autonomia do usuário e não discriminar determinadas aplicações por consumo de banda larga) mobilizam os defensores de um internet aberta e inclusiva.  Hoje deveríamos cuidar para que evitar que a Internet continue dominada por um grupo de companhias que controla a disseminação de ideias e opiniões, alerta Berners-Lee.  E isso passa por evitar, por exemplo, que o Facebook se torne um monopólio dos serviços de mensagens. 

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.