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Cristina de Luca

Coalizão Direitos na Rede pede ação do CGI.br sobre decreto de Bolsonaro

Cristina De Luca

25/04/2019 09h50

A Coalizão Direitos na Rede – rede de organizações da sociedade civil que atua na promoção de direitos digitais como privacidade, liberdade de expressão e inclusão digital – enviou nesta quinta-feira (25/4) uma carta solicitando informações sobre a aplicação do Decreto no 9.759/2019 ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Direcionada ao coordenador do CGI.br, Maximiliano Martinhão, a carta insta o órgão a se posicionar sobre o tema.

"Um posicionamento do CGI.br sobre é fundamental, pois é necessário comunicar à sociedade civil os impactos do decreto para a estrutura desse importante espaço de governança multissetorial. Seria muito importante que o próprio CGI.br, a partir de seu departamento jurídico e de uma análise mais detalhada, se manifestasse apontando que o Comitê não é alvo do decreto e não será atingido por essa medida", diz o texto.

O decreto 9759/19, publicado no último dia 11 de abril, extingue colegiados da administração pública federal e estabelece novas diretrizes, regras e limitações para aqueles que defenderem a necessidade de continuarem ativos.

As organizações que integram a coalizão consideraram a medida autoritária, já que impede a participação social na definição e implementação de políticas públicas de interesse da população. Para elas, o decreto, publicado sem qualquer diálogo com a sociedade civil, é preocupante, uma vez que extingue abruptamente espaços fundamentais para a garantia de direitos.

"Seria um desastre para a governança multissetorial da Internet no âmbito nacional e internacional, se a estrutura do CGI.br fosse atingida por uma medida discricionária e autoritária do governo federal", diz Renata Mielli, coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), organização que integra a coalizão.

Na carta a coalizão também pede ao CGI.br indicações sobre como pretende implementar os consensos alcançados no processo de consultas públicas realizado em 2017 sobre o futuro da governança da Internet no Brasil, em alusão à consulta pública realizada em 2017 pelo Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) e pelo CGI.br.

"Na ocasião, após um processo de grande participação, foram obtidos uma série de consensos sobre os quais até o momento não houve avanço. Entre eles estão a permanência do multissetorialismo, a ampliação dos espaços de participação nos processos de governança da Internet, o compromisso e fortalecimento dos processos de transparência e responsabilização, a construção de consenso como regra de operação em todas as instâncias decisórias, o total respeito aos mandatos atuais vigentes no CGI.br, assim como às competências do CGI.br e do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br)",  diz o texto.

Dias atrás, o secretário executivo do MCTIC, Júlio Semeghini, chegou a declarar para a imprensa que o decreto não teria impacto no ministério. Mas o fato de não ter havido uma manifestação formal por parte do governo sobre aqueles colegiados que escapariam da medida tem deixado um clima de insegurança no ar. Não só entre os brasileiros dedicados às atividades de governança da internet, como também entre os organismos internacionais que sempre tiveram no CGI.br e no modelo de governança brasileiro um paradigma de boas práticas.

Este blog já havia cobrado, dias atrás, um posicionamento da Casa Civil no sentido de clarear o cenário. Preocupa o fato de uma instituição com atribuições tão relevantes para o funcionamento da Internet, como o estabelecimento de diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da Internet no Brasil, à administração do registro de Nomes de Domínio usando .br e à alocação de endereços Internet (IPs) já utilizando o novo protocolo IPv6.

Segundo reportagem do site Teletime, há dúvidas quanto a aplicabilidade do decreto ao CGI.br mesmo dentro do MCTIC. Algumas áreas do ministério opinam que o CGI, por ter uma característica autônoma do Poder Público, não seria afetado pela extinção dos conselhos e comitês que não têm previsão legal. Mas há leituras dentro do Executivo de que seria sim necessário reeditar o decreto do Comitê Gestor da Internet para dar plena segurança jurídica. E essa republicação poderia trazer em seu bojo uma recomposição do órgão sem levar em consideração todos os debates públicos já realizados até aqui a esse respeito.

Na consulta pública de 2017, os setores chegaram a recomendar que a estrutura do CGI.br fosse modificada para um modelo hierárquico em três camadas, em torno dos quatro setores (setor público, setor empresarial, terceiro setor, comunidade científica e tecnológica), que se organizariam ao redor de suas próprias comunidades de base, responsáveis por identificar assuntos de interesse setorial e pautar a atuação das respectivas instâncias superiores; e também em Conselhos Setoriais, responsáveis por coordenar o trabalho das respectivas comunidades constituintes. O pleno do CGI.br, deste modo, interagiria diretamente com suas comunidades constituintes e suas instâncias setoriais, possibilitando o debate e propostas de políticas que também poderão ser encaminhadas individual, setorial e/ou coletivamente.

Um dos temores é o de que a gestão da governança da internet e a de nomes e domínios seja entregue à Anatel, atendendo a uma antiga reivindicação da grandes operadoras de telefonia. Mesmo nos Estados Unidos, onde a administração Trump tem tomado diversas medidas pró operadoras, como o fim da neutralidade de rede (princípio aqui assegurado pelo Marco Civil da Internet, mas que tem no CGI.br um bastião para as análises determinantes de violações e exceções), a gestão de nomes e domínios pertence a um órgão que vem há anos buscando maior independência do Departamento de Comércio americano, a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN).

Na prática, a ICANN já alcançou independência do governo dos EUA para tudo que não seja a gestão do TLD .com. A manutenção da zona raiz do DNS, a gestão dos outros gTLDs e a coordenação de numeração já são totalmente independentes do governo americano, apesar de, em teoria, e entidade continuar sujeita ao poder judiciário americano.

Outro órgão americano funciona como o NIC.br, na alocação de IPs: aAmerican Registry for Internet Numbers (ARIN), com atuação nos EUA e Canadá.

Nem a ICANN, nem a ARIN são hierarquicamente subordinadas à Federal Communications Commission (FCC), a Anatel americana.

A governança da Internet deve garantir que a rede permaneça aberta, acessível, segura e útil. Estas são metas significativas que endereçam muitas questões e interesses relacionado às tecnologias usadas, aos modelos de negócios e às políticas regulatórias.  É muito importante que aqueles que determinam as políticas regulatórias as levem em conta.

Nesse sentido, a construção de modelos de governança multissetoriais tem sido uma prioridade para a Internet, para enfrentar problemas concretos, de modo que a síntese dos diferentes interesses, conhecimento e experiência permitam desenvolver políticas que gerem reais benefícios para a sociedade.

Os documentos da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação incluem uma definição de Governança da Internet que mostra a essência intrínseca dos múltiplos atores envolvidos em sua operação: "Governança da Internet é o desenvolvimento e a aplicação pelos Governos, pelo setor privado e pela sociedade civil, em seus respectivos papéis, de princípios, normas, regras e procedimentos de tomadas de decisão e programas em comum que definem a evolução e o uso da Internet."

O CGI.br sempre foi, aos olhos internacionais, a materialização disso. Daí tanta preocupação com a garantia da sua continuidade, nesses moldes.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.