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Cristina de Luca

A ênfase da estratégia digital deve estar na reinvenção do negócio

Cristina De Luca

01/06/2019 16h45

Esta semana estive no Inovabra Habitat, espaço de coinovação do Bradesco, para participar do evento que oficializou a parceria do banco com o Porto Digital, um dos principais parques tecnológicos e ambientes de inovação do Brasil.

Pelo acordo, o Porto Digital pode indicar startups qualificadas pelo Inovabra Habitat a atender às demandas de negócios das empresas habitantes e do próprio Bradesco. Além disso, as startups selecionadas passam a ter posições disponíveis no espaço físico para uso eventual no Inovabra Habitat e a poder usufruir dos cerca de mil eventos que acontecem durante o ano no local. Da mesma forma, startups do Inovabra Habitat poderão frequentar os espaços do Porto Digital e ter acesso a oportunidades de negócios na região.

Durante a evento, o professor Silvio Meira, presidente do Conselho de Administração do Porto Digital, explorou um pouco como o uso de tecnologias digitais está ajudando no desenvolvimento de soluções transformadoras, tendo como premissa o desempenho e a sustentabilidade dos negócios, além de como elas devem ser geridas para maximizarem o retorno aos acionistas, à sociedade e ao próprio indivíduo.

"A ênfase da transformação digital não deve estar na tecnologia digital, nem no negócio em si, mas na reinvenção dos modelos de negócio", afirmou Sílvio.

"O problema é que o futuro vem do futuro e não do passado. Se melhorarmos o passado dramaticamente no presente ele não vira o futuro de jeito nenhum. É como tentar otimizar vela para fazer luz elétrica", comentou. "É por isso que a gente diz que não há nenhuma outra forma melhor para prever o futuro a não ser indo lá. E a gente só vai lá experimentando no presente coisas que ainda não existem. O futuro a execução imperfeita do desconhecido. Não pode ter norma", argumentou ele, lembrando que normas e padrões de governança atrapalham a combinação de criatividade com inovação. "A empresa só se transformará se ela mudar os seus métodos e processos para ser completamente diferente do ponto de vista digital do que ela era do ponto de vista analógico", completou o professor.

Ok. Você já deve ter ouvido isso muitas vezes. Praticamente toda a literatura sobre transformação digital bate na mesma tecla. Líderes que visam melhorar o desempenho organizacional através do uso de tecnologias digitais geralmente têm uma ferramenta específica em mente. Machine Learning é a bola da vez, por exemplo. Eles esperam que a implementação de uma única ferramenta ou aplicativo que faça uso de recursos de Inteligência Artificial aumente a satisfação do cliente por conta própria. Esquecem que a transformação digital deve ser guiada por uma estratégia comercial mais ampla.

Onde o discurso do Silveira Meira foge do comum? Quando ele passa a usar os exemplos de sempre (Uber, Airbnb, Alibaba, Spotify e Nubank) para mostrar como tudo o que fizeram de inovador está mais relacionado a estratégias comercias _ ou seja opções e escolhas capazes de proporcionar mudanças de práticas, procedimentos ou processos habilitadas por tecnologias digitais _ e menos com as tecnologias em si.

Para isso, o professor lança mão do mesmo diagrama utilizado por Angus Dawson, Martin Hirt e Jay Scanlan no artigo "The economic essentials of digital strategy", publicado pela McKinsey Quarterly em 2016, no qual defendem que ao submeter as fontes de ruptura a uma análise sistemática sólida baseada nos fundamentos da oferta e da demanda, os executivos podem entender melhor as ameaças que enfrentam no espaço digital – e buscar de maneira mais proativa suas próprias oportunidades.

O diagrama tem dois eixos, posicionados de modo a gerar quadrantes tendo nas extremidades do eixo de mercado a oferta, de um lado e a demanda, do outro, e nas extremidades do eixo de horizonte de mudança, a sua intensidade (moderada, de um lado e radical, do outro).

Entre os que mexeram de forma moderada na oferta e na demanda estão os que focaram na desintermediação pura e simples. Em oferecer aos clientes o que eles sempre quiseram, mas de maneiras novas e mais eficientes.

Já entre os que mexeram de forma radical estão os que foram além da desintermediação, criando novas redes de valor e novos ecossistemas.

Vale a pena avaliar a situação da sua organização em relação a essa matriz acima. O guia  " Qual é a sua vulnerabilidade à interrupção digital?", preparado por Angus Dawson, Martin Hirt e Jay Scanlan, pode ajudar.

Segundo Silvio Meira, para aplicar bem essa matriz, negócios maduros e bem estabelecidos precisam repensar sua proposta de valor,  vis-à-vis o perfil do novo cliente digital, repensar sua força de trabalho e seu modelo de gestão, e investir em processo em rede. Isso inclui trabalhar nas novas fundações do negócio, projetar a experiência do cliente de fora para dentro, reconhecer e agir para mitigar o medo dos funcionários de serem substituídos, fazer escolhas e correr riscos.

Inclui também, e sobretudo, afastar o achismo e a dispersão de iniciativas.  A direção a seguir precisa ser baseada em dados. Dados esses que possam apontar lacunas de desenvolvimento futuro, ajudar a entender a competição e explorar novas oportunidades de mercado, no mesmo segmento ou em novos. Por que rupturas acontecem no mercado, e não nos laboratórios de pesquisa ou dentro das empresas.

Uma pesquisa recente com diretores, CEOs e altos executivos descobriu que o risco da transformação digital é a preocupação número 1para este ano.

Até porque, 70% de todas as iniciativas de transformação digital não alcançam suas metas. Dos US $ 1,3 trilhão gastos com a transformação digital no ano passado, estima-se que US $ 900 bilhões foram desperdiçados.

"Muitas empresas não resistem à tentação de forçar novos modelos de negócios a encontrar lugar em velhas  unidades de negócios que têm velhos preceitos de como executar a estratégia. Não vai dar certo. O velho mata o novo, às vezes exigindo que ele tenha o mesmo nível de performance, que ele não terá tão cedo", afirma o professor.

A transformação digital é a transformação profunda das atividades, processos, competências e modelos empresariais e organizacionais para alavancar totalmente as mudanças e oportunidades de negócio.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.