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Cristina de Luca

Dê boas-vindas à Aliança Global para Mídia Responsável

Cristina De Luca

19/06/2019 20h41

Alguns dos maiores grupos anunciantes do mundo, incluindo Adidas, Diageo, Mars, Procter & Gamble e Unilever, e algumas das maiores agências de propaganda, como WPP, Omnicom, Publicis Groupe, Interpublic e Dentsu, estão se unindo ao Google, Facebook e outros proprietários de mídia, como a NBCUniversal e o Unruly da News Corp, para lançar uma aliança em defesa do ambiente de mídia digital.

A intenção é usar o "poder coletivo para melhorar significativamente a saúde do ecossistema de mídia" e "identificar ações colaborativas específicas, processos e protocolos para proteger os consumidores e as marcas no ambiente digital". Entre elas,  a proteção e o uso responsável de dados pessoais.

Os membros da aliança se reuniram pela primeira vez nesta quarta-feira, no festival Cannes Lions, e pediram que outras empresas apóiem ​​a iniciativa, descrevendo-a como "uma chamada à ação por mais responsabilidade coletiva nas práticas de mídia".

Os inimigos declarados da Global Alliance for Responsible Media (Aliança Global para Mídia Responsável) são o discurso de ódio, a intimidação e a desinformação.

Mas o foco imediato é meio vago:  formar e capacitar um grupo de trabalho inclusivo encarregado de desenvolver um conjunto de ideias iniciais e priorizar os próximos passos. Da atuação desse grupo dependerá a efetividade da iniciativa, cercada de ceticismo antes mesmo de sair do papel. Há quem duvide que a Aliança venha a ter qualquer impacto significativo. Espero, sinceramente, que estejam enganados.

O cenário é desafiador
Na opinião dos analistas, o movimento intersetorial para encontrar padrões comuns que melhorem o ambiente de mídia online chega em um momento crítico, depois de anos em que os principais players tentaram, muitas vezes em vão, encontrar um meio eficaz de se auto-regular.

Nas últimas semanas, um estudo de Harvard publicado pelo The New York Times revelou que o algoritmo do YouTube vinha ajudando pedófilos a usar a plataforma para seus fetiches doentios.  À equipe do jornal, Jennifer O'Connor, diretora de produtos de confiança e segurança do YouTube, disse que a empresa está comprometida em erradicar a exploração de crianças em sua plataforma e que trabalha desde o início em fevereiro para melhorar a fiscalização. "Proteger as crianças está no topo da nossa lista", disse ela.

Sendo verdade, o Youtube deveria levar mais a sério a recomendação dos especialistas em segurança de desativar seu sistema de recomendação em vídeos de crianças. De acordo com a própria empresa, seu sistema de recomendação funciona por inteligência artificial, que está constantemente aprendendo a melhorar suas sugestões. Alguns pesquisadores chamam isso de Efeito Burrowing, em que a própria plataforma leva os espectadores a vídeos ou tópicos cada vez mais extremos. Por exemplo, se você estiver procurando por vídeos de ciclismo, o YouTube sugere colisões chocantes em corridas de bicicleta. No caso reportado pelo jornal americano, o algoritmo do Youtube aprendeu a associar vídeos sexuais com vídeos de crianças que nada têm a ver com sexo.

O algoritmo do Facebook funciona de forma semelhante. Ele presta atenção na navegação dos usuários do site para "aprender" os gostos desses usuários e fazer recomendações de vídeos que eles podem gostar baseado não apenas no seu histórico individual, mas também no que outras pessoas que possuem o mesmo gosto também procuram no site. Será que a Aliança terá poder suficiente para levar as plataformas a de fato promoverem mudanças profundas em seus algoritmos, de modo a realmente proteger os consumidores?

Depois da reportagem do The New York Times, o YouTube publicou em seu blog oficial as medidas que tem tomado para proteger menores e suas famílias para que eles possam continuar usando o portal para publicar seus vídeos inocentes.  Recentemente, o serviço teve que proibir comentários em diversos vídeos inocentes de crianças, pois a seção era usada por pedófilos para compartilhar conteúdos de sexualização infantil. Na mesma semana, se preocupou em descrever também o que vem fazendo para combater discurso de ódio.

"Quando os desafios da indústria entram em contato com a sociedade, criando divisões e colocando em risco nossos filhos, cabe a todos nós agir", disse à Reuters Luis Di Como, vice-presidente executivo de mídia global da Unilever. "Fundar essa aliança é um grande passo para reconstruir a confiança em nossa indústria e sociedade", completou.

Os donos de plataformas tomaram medidas para resolver os problemas, disse ele, mas seu foco foi mais reativo – lidando com conteúdo depois que apareceu. A Aliança quer propor medidas proativas.

A ver.

O envolvimento de vários dos principais interessados ​​em mídia digital sugere que a indústria parece estar realmente levando a sério a iniciativa, intimamente ligada à segurança de marca, que tornou-se um problema maior do que a fraude publicitária no ano passado, de acordo com um relatório recente da DoubleVerify. E é fácil entender por que. Quase dois terços (65%) dos consumidores disseram que parariam de usar uma marca se vissem seus anúncios ao lado de conteúdo falso, censurável ou inflamatório, segundo um outro estudo da DoubleVerify, em parceria com a Harris Poll.

Fator econômico
Hoje, as agências gastam, em média, 50% do orçamento de publicidade com Amazon, Google e  Facebook, segundo pesquisa da Factless Commissioned Lawless Research, ouvindo 700 profissionais de marketing de marca e de agências. Os profissionais de marketing gastam cerca de 41%. Cerca de 46% das agências e marcas com um orçamento de publicidade de US $ 50 milhões ou mais gastam anualmente 60% de seu orçamento com essas empresas.

Cerca de 65% desses profissionais estão procurando alternativas para melhorar os resultados de publicidade, embora quase metade diga que o retorno sobre o investimento com as três gigantes da internet é maior do que com outras plataformas.

Vale ler também….
O  editorial do fundador e CEO da DuckDuckGo, Gabriel Weinberg, no The New York Times, sobre como as empresas de tecnologia podem vender anúncios sem infringir a privacidade dos usuários.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.