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Cristina de Luca

G20: Japão propõe que governança mundial de dados seja prioridade

Cristina De Luca

29/06/2019 13h27

Uma nova onda de protecionismo está se espalhando pelo mundo na forma do que foi apelidado de "protecionismo de dados". Muitos países começaram a adotar restrições para proibir os fluxos de dados entre fronteiras e determinam que as empresas usem apenas data centers domésticos.  Embora os especialistas concordem que certos tipos de informações pessoais ou qualquer coisa relacionada à segurança nacional devam ser protegidos, o excesso de protecionismo de dados pode dificultar o crescimento econômico global. Por isso, o G20 deveria tratar a governança mundial de dados como uma prioridade, pregou nessa sexta-feira o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, ao lançar a "Osaka Track", uma estrutura dedicada a promover o fluxo seguro de dados transfronteiras.

Abe gostaria que o G-20 de Osaka fosse lembrado por muito tempo como a cúpula que iniciou a governança mundial de dados. E trabalhou para isso.

Tendo o presidente dos EUA, Donald Trump, à sua direita, e o presidente chinês, Xi Jinping, à sua esquerda, o anfitrião da cúpula do G20 ressaltou a importância de seu conceito "Data Free Flow with Trust" (DFFT) em uma reunião realizada nesta sexta-feira, 28 de junho, na qual 24 países, incluindo o Brasil, se tornaram signatários da declaração sobre economia digital. A iniciativa visa trabalhar na padronização de regras internacionais para o livre fluxos de dados protegendo informações pessoais, a propriedade intelectual e garantindo a segurança cibernética.

Índia, Indonésia e África do Sul não estiveram presentes à reunião. E a índia se recusou formalmente a assinar a declaração. O governo indiano está preocupado com o fato de as empresas chinesas abusarem dos dados indianos, apesar haver algumas semelhanças em como ambos os países protegem os dados de seus cidadãos.

Osaka Track
Abe lançou a ideia do "Data Free Flow with Trust" pela primeira vez em um discurso no Fórum Econômico Mundial deste ano. Na opinião do primeiro-ministro japonês, o impacto profundo e transformador da revolução digital em nossas economias e sociedades exige abordagens políticas comuns, baseadas em uma compreensão plena de suas implicações.

Autoridades de diversos países reconhecem que a demanda por livres fluxos de dados não é nova, mas dizem que a inclusão da "confiança" nesta equação, sim. A ideia é que a confiança deve ser melhorada para promover fluxos de dados gratuitos. Importantes dados industriais, por exemplo, poderiam se mover mais livremente entre os países com a garantia de fortes medidas de segurança cibernética e salvaguardas de propriedade intelectual.

Há consciência de que tentar encontrar consenso na governança global de dados não é uma tarefa simples.

China, Rússia, Índia e Vietnã estão entre os países com regulamentações restritivas de transferência de dados – regras que podem representar um revés para empresas com operações ou ambições globais.

A União Européia tem seu próprio regime de dados, chamado de Regulamento Geral de Proteção de Dados, que se baseia na crença de que a privacidade é um direito humano e deve ser protegida na transferência de dados do bloco. O regulamento proíbe a exportação de dados pessoais, mas não dados não pessoais, para nações e regiões fora do bloco, onde os padrões de proteção são considerados "inadequados".

E embora não seja tão rigoroso quanto o GDPR, o próprio Japão também tem uma lei de proteção de dados pessoais,  que exige que as empresas tomem medidas para proteger os dados que coletam, como evitar vazamentos, e regula as transferências para outros países.

Acrescente-se a isso tudo o fato de que esta conversa está ocorrendo enquanto os Estados Unidos e a China estão presos a uma rivalidade focada na tecnologia – e, por extensão, nos dados – e o que temos é um cenário mundial bastante complexo.

A maior preocupação é com o surgimento de uma "splinternet" – uma internet fragmentada como resultado de diferentes regulamentações nacionais. Afinal, até aqui, o fato de a internet ter permanecido relativamente global e aberta permitiu o crescimento da economia digital.

O perigo é que abordagens fragmentadas à privacidade de dados possam impactar negativamente o comércio internacional. Afinal, o fluxo livre de dados através das fronteiras é vital para o crescimento econômico na era digital. Reduz as restrições de distância, reduz os custos de transação, acelera a disseminação de novas ideias e modelos de negócios e reduz as barreiras à entrada no mercado, permitindo que empresas de todos os portes atendam a um vasto público global.

"A digitalização da economia permitiu modelos de negócios únicos e sem precedentes, mas também trouxe novos desafios… Só podemos resolver essas questões por meio da cooperação internacional", disse Abe.

Ele sabe que para criar confiança e facilitar o livre fluxo de dados, será necessário que as estruturas legais, tanto domésticas quanto internacionais, sejam respeitadas. 

As implicações para as empresas em todo o mundo são claras: um acúmulo de abordagens fragmentadas para governar dados pessoais só servirá para complicar o comércio global, enquanto a estrutura correta de regras, respaldada por amplo consenso governamental, poderia fazer muito para apoiar e encorajar o tipo de inovação responsável que beneficia a todos nós, tanto como clientes quanto como cidadãos.

Há, portanto, um longo caminho a percorrer  antes que qualquer acordo seja possível.

Tributos
Também faz parte do desafio proposto pelo primeiro-ministro japonês a abordagem de questões fiscais decorrentes da digitalização da economia mundial. "Entregamos um plano de trabalho que foi endossado por seus ministros de finanças no início deste mês em Fukuoka. Isso nos permitirá finalizar, até 2020, uma solução que permitirá aos países tributar os lucros das multinacionais onde os usuários e consumidores estão localizados e garantir que os lucros das empresas sejam tributados em níveis mínimos", disse Abe.

Ou sejam, apesar de suas posições divergentes sobre governança de dados, os ministros do G20 já haviam endossado o DFFT em um comunicado divulgado após essa reunião ministerial sobre comércio e economia digital realizada em Tsukuba, no início deste mês.

Abe espera ainda que o "Osaka Track" dê um novo impulso às negociações de comércio eletrônico na Organização Mundial do Comércio.  Setenta e oito países e Estados expressaram sua intenção de participar dessas negociações.

Apoios
Trump é o maior beneficiado do plano de Abe. Ele sabe que fluxo livre de dados é parte integrante do sucesso da economia digital americana, juntamente com fortes proteções à privacidade e à propriedade intelectual, além de acesso a capital e inovação.

Os EUA, que abrigam os titãs da tecnologia como Google, Apple, Facebook e Amazon, têm defendido, essencialmente, os fluxos de dados gratuitos.

"A economia digital é um fator crucial para o crescimento econômico. Ao mesmo tempo, à medida que expandimos o comércio digital, também precisamos garantir a resiliência e a segurança de nossas redes 5G ", disse o presidente americano.

Olhando para frente é possível dizer que, em poucos anos, a Internet das Coisas e as comunicações 5G criarão um aumento exponencial de dados. Mas, do ponto de vista geopolítico, o maior impacto estratégico estará nos sistemas de Machine Learning e Inteligência Artificial (IA). Isso porque os pesquisadores precisam de dados para treinar sistemas de inteligência artificial, e o desenvolvimento da inteligência artificial tem a capacidade de melhorar tudo, desde a segurança do transporte até o diagnóstico da doença e a precisão da arma letal.

mas não é apenas o volume de dados que importa. Em parte, é também o tipo de dados e onde eles se originam; dados sobre padrões de fala em espanhol, por exemplo, não tornarão um sistema robusto na identificação de caracteres em mandarim. É aqui que a governança de dados entra em cena.

Em um mundo cada vez mais apoiado pela IA, aqueles que buscam desenvolver sistemas de IA competitivos globalmente precisarão acessar dados sobre essas diferentes demografias, daquelas diferentes regiões. As regras que os governos implementam em relação a esse acesso irão, portanto, influenciar a concorrência da IA, porque não conseguir esses dados pode limitar a qualidade dos produtos adaptados a pessoas diferentes. Essas regras também determinarão o acesso que os Estados têm aos dados quando se trata de aplicação da lei e vigilância doméstica, tornando os dados um elemento cada vez mais importante da segurança nacional, bem como do crescimento econômico.

Na opinião do primeiro-ministro japonês a governança de dados em todo o mundo pode ajudar a reduzir o viés e a variação de dados, bem como fornecer visibilidade em pipelines de processamento internacionais para demonstrar confiabilidade e conformidade dos algoritmos.

O uso ético dos dados é uma responsabilidade que precisa ser compartilhada por governos e empresas. É também uma área em que os cidadãos e os consumidores estão ansiosos para ver melhorias, de acordo com uma pesquisa do Fórum Econômico Mundial de quase 19 mil adultos de 26 países, publicada no início deste ano.

Apenas um em cada três entrevistados afirma ter conhecimento do quanto de informação pessoal as empresas têm sobre eles e como usam essa informações. Quando se trata de governo local/nacional, entretanto, menos ainda têm uma ideia clara. De qualquer maneira, apenas 36% dos entrevistados confiam em organizações do setor privado ou do setor público para gerenciar adequadamente dados pessoais. Isso sugere muitas oportunidades de colaboração sobre como a lacuna de confiança do consumidor pode ser superada.

A crença de Abe é a de que consenso para uma estrutura global pode permitir que populações inteiras participem dos reais benefícios econômicos e sociais prometidos pela digitalização.

A ver.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.