Exclusão digital aumentará a desigualdade global, alerta relatório da ONU
A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) que busca promover a integração dos países em desenvolvimento na economia mundial, acaba de publicar seu primeiro relatório sobre a economia digital. E as notícias não são boas: a disrupção digital ameaça deixar esses países – especialmente aqueles menos desenvolvidos – para trás.
O domínio das plataformas digitais globais, o controle dos dados e a capacidade de criar e capturar o valor resultante acentuam a concentração e a consolidação, em vez de reduzir as desigualdades entre os países e dentro dos países, observa o relatório. Os países em desenvolvimento correm o risco de se tornar meros fornecedores de dados brutos, enquanto precisam pagar pela inteligência digital gerada usando seus dados.
Entre muitos pontos, o "Digital Economy Report 2019" pede maior cooperação internacional – inclusive entre os países em desenvolvimento, como o Brasil – em questões de concorrência, transferência de dados transfronteira e propriedade intelectual. E aponta para a necessidade de novas políticas e regulamentos que garantam uma distribuição justa dos ganhos decorrentes da disrupção digital. A ideia é encontrar uma configuração alternativa da economia digital que leve a resultados mais equilibrados e a uma distribuição mais justa dos ganhos com dados e Inteligência Artificial (IA).
"Precisamos responder ao desejo das pessoas nos países em desenvolvimento de participar do novo mundo digital, não apenas como usuários e consumidores, mas também como produtores, exportadores e inovadores, para criar e capturar mais valor em seu caminho em direção à prosperidade inclusiva", disse o secretário-geral da UNCTAD, Mukhisa Kituyi.
O estudo se debruça detalhadamente sobre as oportunidades dos países em desenvolvimento como produtores e inovadores em uma economia baseada em dados. E examina também as restrições que essas nações enfrentam, principalmente no que diz respeito a dados digitais e plataformas digitais.
Como esperado, o relatório atesta que a criação de riqueza na economia digital está altamente concentrada nos Estados Unidos e na China, com o resto do mundo, especialmente países da África e da América Latina, muito atrás.
Os Estados Unidos e a China respondem por 75% de todas as patentes relacionadas às tecnologias blockchain, 50% dos gastos globais na Internet das Coisas (IoT), mais de 75% do mercado de computação em nuvem e 90% por cento do valor de capitalização de mercado das 70 maiores empresas de plataformas digitais do mundo.
Segundo as políticas e regulamentos atuais, é provável que essa trajetória continue, contribuindo ainda mais para o aumento da desigualdade, alertou o secretário-geral da ONU, António Guterres.
"Precisamos trabalhar para reduzir ainda mais a exclusão digital. Atualmente, mais da metade do mundo tem acesso limitado ou nenhum acesso à internet. A inclusão é essencial para a construção de uma economia digital que traga resultados para todos", disse ele.
O aumento no tráfego de dados (de 100 gigabytes por dia em 1992 para mais de 45.000 gigabytes por segundo em 2017) reflete o crescimento do grande número de pessoas que usam a Internet e a adoção de tecnologias de ponta como blockchain, análise de dados, IA, impressão 3D, IoT, automação, robótica e computação em nuvem.
Uma "cadeia de valor de dados" totalmente nova evoluiu, incluindo empresas que dão suporte à coleta de dados, à produção de informações a partir de dados, armazenamento de dados, análise e modelagem, observa o relatório.
Tráfego na internet
Plataformas em vantagem
As empresas que constroem plataformas digitais têm uma grande vantagem na economia baseada em dados. Ao atuarem como intermediários e como infraestrutura, estão melhor posicionadas para registrar e extrair dados relacionados a ações, interações e transações online realizadas pelos usuários.
O relatório observa que 40% das 20 maiores empresas do mundo por capitalização de mercado têm um modelo de negócios baseado em plataforma.
Sete "super plataformas" – Microsoft, Apple, Amazon, Google, Facebook, Tencent e Alibaba – representam dois terços do valor total de mercado das 70 principais plataformas.
Essas empresas estão consolidando agressivamente suas posições competitivas, incluindo a aquisição de concorrentes em potencial e a expansão para produtos ou serviços complementares, fazendo lobby nos círculos de elaboração de políticas nacionais e internacionais e estabelecendo parcerias estratégicas com multinacionais líderes nos setores tradicionais, como automotivo, semicondutor e varejo.
Chamado aos governos
Na opinião da UNCTAD, governos têm um papel crítico na formação da economia digital, definindo as regras do jogo. Isso envolve a adaptação das políticas, leis e regulamentos existentes e a adoção de novas em muitas áreas.
"É necessário um abraço inteligente de novas tecnologias, parcerias aprimoradas e maior liderança intelectual para redefinir estratégias de desenvolvimento digital e os contornos futuros da globalização", disse Kituyi.
As respostas políticas precisam considerar dificuldades crescentes de impor leis e regulamentos nacionais com relação ao comércio transfronteira de serviços e produtos digitais, recomenda o relatório.
Tributos, o problema
A tributação da economia digital é um tópico que vem sendo amplamente discutido desde o relatório publicado em 2013 pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No início do ano, o Fórum Econômico Mundial também se debruçou sobre o assunto. Com metade da população conectada à internet e a perspectiva de 60% do PIB mundial estar completamente digitalizado em 2020, o WEF soltou o relatório Nosso Futuro Digital Compartilhado, no fim de 2018, listando ações urgentes para construir uma economia e uma sociedade confiáveis, inclusivas e sustentáveis.
"Precisamos de uma sociedade próspera para ter uma economia próspera", chegou a dizer Satya Nadella, CEO da Microsoft, durante a reunião anual do WEF em Davos.
Em julho, a França, país onde está localizada a sede da OCDE, aprovou uma nova lei sobre o imposto sobre serviços digitais (DST, na sigla em inglês), apesar das ameaças de retaliação dos EUA. A nova lei será aplicada retroativamente às receitas geradas por gigantes da tecnologia no país desde janeiro de 2019.
Apelo à ação global
Embora a ação isolada de governos dos países em desenvolvimento seja importante, o relatório lembra que vários desafios políticos associados à criação e captura de valor na economia digital só podem ser efetivamente enfrentados em nível regional ou internacional, com o envolvimento total dos países em desenvolvimento. Isso inclui ações sobre concorrência, tributação, fluxos de dados transfronteira, propriedade intelectual, políticas de comércio e emprego.
Para garantir um futuro digital para muitas, e não para poucas, as políticas internacionais devem ir além do recrutamento de mais usuários e consumidores de países em desenvolvimento.
E o Brasil?
Aparecemos bem na fita em relação à oferta de modernos serviços de telecomunicações. No mais, temos problemas. Vale ressaltar que a maioria dos dados é de 2017.
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