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Políticos e anunciantes declaram guerra ao Facebook, mais uma vez

Cristina De Luca

17/11/2018 17h58

Os últimos dias têm sido péssimos para o Facebook. No rescaldo de uma extensa reportagem do New York Times que revelou que seus executivos trabalharam para reter informações significativas e desviar as críticas em relação à rede social, especialmente após o escândalo da Cambridge Analytica, deputados e senadores americanos subiram o tom em defesa da regulamentação da rede social, funcionários graduados manifestaram o desejo de deixar a empresa e vários anunciantes importantes voltaram a se queixar de quebra de confiança.

Segundo a reportagem – na qual Sheera Frenkel, Nicolas Confessore, Cecilia Kang, Matthew Rosenberg e Jack Nicas entrevistaram mais de 50 pessoas – o Facebook trabalhou para promover amigos-chave no Congresso, minar seus inimigos corporativos e legislativos e vender teorias conspiratórias para a imprensa. Para isso, contratou a Definers Public Affairs, uma firma de relações públicas especializada em guerra de informações, cujo relacionamento o Facebook rompeu na quarta-feira, 14/11, após a publicação da reportagem do New York Times.

De acordo com a reportagem, uma das tarefas da Definers Public Affairs era desacreditar críticos do Facebook, como a Freedom From Facebook, uma coalizão de ONGs que chegou a pressionar a Federal Trade Commission a dividir o Facebook em empresas menores. "Enquanto a mão esquerda lutava contra a desinformação no Feed de notícias, a mão direita semeava medo, incerteza, desinformação e dúvida entre os repórteres", escreveu o The Verge.

Tem mais. A reportagem do Times afirma que a chefe de operações do Facebook, Sheryl Sandberg escolheu pessoalmente os lobistas da rede social, incluindo Marne Levine e Joel Kaplan, e pressionou sua equipe de segurança a não divulgar completamente as atividades russas na plataforma, em 2016, durante a campanha eleitoral americana. Sandberg e Kaplan teriam argumentado, na ocasião, que isso irritaria conservadores, ameaçando os negócios.

Sandberg também teria pressionado, pessoalmente (e com sucesso), a senadora democrata de Minnesota, Amy Klobuchar, para que ela não criticasse fortemente o Facebook. E oferecido apoio público ao "Stop Enabling Sex Traffickers Act", que colocou a vida de muitos profissionais do sexo em grande risco, na esperança de reforçar o apoio entre os legisladores republicanos.

É a primeira vez que Sheryl Sandberg vê sua atuação na rede social questionada publicamente. Em uma declaração oficial sobre o assunto, a CFO Facebook insiste que ela e o co-fundador e CEO da empresa, Mark Zuckerberg, nunca tentaram enganar ninguém.

"Sugerir que não estávamos interessados ​​em saber a verdade, ou que queríamos esconder o que sabíamos, ou que tentamos impedir investigações, é simplesmente falso", declara Sandberg em um post recente no Facebook. "As alegações dizendo que eu estava pessoalmente envolvida também são simplesmente erradas".

O novo escândalo tem levado funcionários da empresa a considerar o abandono do barco.  Se eles estiverem sendo honestos nas pesquisas a respeito, mais de 3 mil devem deixar a companhia nos próximos 12 meses.

Além disso, senadores e deputados democratas já começam a se movimentar em direção à regulamentação da redesocial.

Nesta sexta-feira, quatro senadores democratas  – Amy Klobuchar (D-Minnesota), Mark Warner (D-Virgínia), Chris Coons (D-Delaware) e Richard Blumenthal. (D-Connecticut)  – enviaram uma carta para Mark Zuckerberg  com duras críticas ao comportamento da direção da empresa. Nela eles se dizem  "gravemente preocupados" com as revelações do Times.  E acrescentam que a "incrível quantidade de dados que o Facebook coletou" sobre usuários e pessoas sem contas também preocupa – incluindo aí as formas como a empresa "poderia usar legal e ilegalmente seus vastos recursos financeiros e de dados contra funcionários do governo e críticos que buscam proteger o público e a democracia".

Os legisladores querem que Zuckerberg responda a uma série de perguntas, incluindo se o Facebook contratou alguém para espalhar informações negativas contra autoridades eleitas que o criticaram. Outras questões incluem se o Facebook – ou qualquer empresa contratada – tentou esconder informações relacionadas à interferência estrangeira na eleição de 2016 nos EUA, e quanto o Facebook pagou a contratados externos para coletar ou divulgar informações sobre seus críticos.

"Ficamos sabendo que quando Mark Zuckerberg disse ao povo americano que a interferência da Rússia era uma 'idéia muito louca', ele sabia que isso era totalmente falso", disse o senador Richard Blumenthal (D-Connecticut). "Em vez de assumir a responsabilidade por uma profunda quebra de confiança, os executivos do Facebook procuraram por meses reter informações significativas e desviar as críticas".

Os senadores Chris Coons e Bob Corker alertaram nessa sexta-feira, 16/11, que o Congresso imporá novas regulamentações para refrear o Facebook, a menos que a rede social trate seriamente as questões de privacidade e disseminação de desinformação em sua plataforma.

"Se eles continuarem agindo como se não pudéssemos nos dignar de regulá-los, eles serão regulamentados e ficarão desagradavelmente surpresos com a rapidez com que isso acontecerá", disse Coons durante uma entrevista para a Bloomberg durante sua participação em um fórum de desenvolvimento em Wilmington, Delaware.

Em artigo publicado pelo Washington Post, Nina Jankowicz, Global Fellow at the Wilson Center's Kennan Institute,  sustenta que, embora seja improvável que projetos de regulamentação do Facebook originados na Câmara passem pelo Senado, não devemos subestimar o poder de  supervisão ou os efeitos de projetos de leis bem-intencionadas dos políticos democratas.

"A história do New York Times reforça o fato de que, não fosse a pressão consistente trazida pela investigação bipartidária do Comitê de Inteligência do Senado, ainda estaríamos no escuro sobre a extensão da atividade russa no Facebook durante as eleições de 2016", comentou Mark Warner, um alto crítico do Facebook  no Comitê de Inteligência do Senado.

Há uma certeza no ar: a autorregulação falhou e o Facebook não pode mais ser confiável. Razão pela qual muitas agências de publicidades e marcas anunciantes voltaram a questionar a continuidade de investimentos na rede social. "Até agora, não importa o que você dissesse sobre o Facebook, não se podia dizer que fosse uma companhia dúplice", disse ao Times Rishad Tobaccowala, um dos vice-presidentes do grupo  Publicis. "A empresa diz uma coisa e faz outra completamente diferente", completou. "E isso é muito difícil para um anunciante".

A R/GA, agência digital que ganhou um prêmio do Facebook no ano passado, postou um link para a reportagem do NYT em sua conta no Twitter e acrescentou que "é hora de admitir que estávamos todos errados sobre o Facebook. As coisas são ainda piores". Procurada por repórteres do  New York Times a agência evitou novos comentários.

Quase toda a receita do Facebook —  mais de US$ 40 bilhões (R$ 149,5 bilhões) no ano passado— vem dos anunciantes.

Ao Recode, Scott Stringer, controlador da cidade de Nova York, reiterou seu pedido para que Zuckerberg renuncie ao cargo de presidente do conselho de diretores do Facebook: "Os executivos renegados que estão focados apenas no crescimento, independentemente dos riscos – e retêm informações do conselho – colocam sua empresa, acionistas e, no caso do Facebook, nossa democracia em perigo".

O guru da administração, Jeffrey Sonnenfeld, por sua vez, defendeu a demissão da diretora de operações Sheryl Sandberg.  "Sandberg é completamente dispensável", disse ele à CNBC.

O Facebook publicou uma longa réplica ao artigo do New York Times, negando ter pedido a uma empresa de relações públicas para pagar ou escrever artigos em seu nome ou que levasse  jornalistas a espalhar informações erradas. Mas parece que não conseguiu acalmar os ânimos, desta vez.

Os próximos dias prometem fortes emoções.

"Estamos nos aproximando de algo próximo de um consenso de que  o Facebook é ruim. A questão, como sempre, é o que deve ser feito", ponderou Michelle Goldberg, colunista de opinião do New York Times.

Começa a crescer entre os intelectuais e defensores das liberdades de expressão a certeza de que, quando falamos do Facebook, não há pluralidade, nem concorrência de narrativa. O livre fluxo de informações, diante do monopólio global da rede social,  é limitado. Um problema que, mais dia, menos dia, teremos de enfrentar.

A promessa do Facebook era criar um mundo mais aberto e conectado. Mas seu fracasso em proteger os dados de milhões de usuários, a proliferação de "notícias falsas" e a desinformação, tem mostrado que a rede social, na prática, mais fere do que promove a liberdade de expressão.

Sobre isso, vale assistir o documentário "The Facebook Dilemma", da FrontLine.

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Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.