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Cristina de Luca

Cannes debate marketing habilitado por Inteligência Artificial, a nova fronteira

Cristina De Luca

20/06/2017 17h12

Questões éticas e regulatórias estão esquentando os debates sobre Marketing habilitado por técnicas de Inteligência Artificial durante a edição 2017 do Cannes Lions – Festival Internacional de Criatividade.

Recentemente, a inteligência cognitiva desbloqueou o poder das marcas se envolverem com pessoas de maneiras sem precedentes, permitindo relações ainda mais próximas com os consumidores. Mas até onde as marcas devem ir, pergunta a Havas?  Quais serão os limites éticos para a Era Cognitiva? Os seres humanos querem acreditar nas máquinas? Ao usar um GPS, o motorista desistiu de seu livre arbítrio?

"Se as empresas estão [estabelecendo ética] apenas para serem compatíveis com regulamentos, elas sempre encontrarão lacunas", diz Tenzin Priyardashi, CEO do Centro Dalai Lama para a Ética e Valores Transformacionais do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

"Quantos dados de polarização são gerados por um  algoritmo? Um leigo não tem ideia de como funciona um algoritmo. Quando falamos de estrutura ética, não devemos dar às máquinas a capacidade de se sobrecarregar",  diz ele. "Precisamos ter um ser humano no circuito, se quisermos trabalhar com alguma medida de precaução".

Astrid Boutaud, diretora da Sanofi, concorda.  Na sua opinião, para continuar a ter a confiança dos consumidores, profissionais de marketing e plataformas de mídia terão que  ser mais transparentes sobre o uso das tecnologias inteligentes e sobre o que elas são capazes de fazer, além de obrigatoriamente dar aos consumidores a opção de excluírem facilmente dos sistemas os dados a seu respeito.

"Os benefícios da IA não são novidades para os profissionais de Marketing, mas  no último ano houve um enorme salto quântico em ser mais relevante para os consumidores", alerta Astrid.

Ambos participaram do painel "A ética criativa da Inteligência Cognitiva", realizado pela Havas em Cannes, nesta terça-feira.

Para Boutaud, a rápida evolução da IA forçará muitos profissionais de Marketing a repensarem como eles coletam e aplicam os dados do consumidor. Isso porque processos e diretrizes que evoluíram a partir de comportamentos mapeados através das plataformas de CRM (Gestão de Relacionamento com o Cliente) e da mídia social podem não ser rigorosos o suficiente quando aplicados às novas formas do marketing habilitado por Inteligência Artificial.

"Na prática, a IA está desfocando os limites novamente", disse ela, acrescentando que  "os robôs devem sempre trabalhar e serem programados em benefício da humanidade". "É uma questão de bom senso que precisamos lembrar", afirmou.

Robótica, aliás, é um dos temas explorados pela PHD Media em Cannes, este ano. Amanhã, Mark Holden, diretor de Estratégia e Planejamento da PHD, faz a abertura da palestra do futurista Ray Kurzweil, definido por Bill Gates como a melhor pessoa que ele conhece para prever o futuro da Inteligência Artificial. Holden abordará as implicações de tendências como voz e wearables, a partir das novas e excitantes oportunidades que abrem para as marcas, enquanto Kurzweil discorrerá sobre um futuro em que a humanidade e a tecnologia estarão indissoluvelmente ligadas. Assuntos explorados no novo livro da PHD, "Merge | The closing gap between technology and us".

Para o CEO mundial da PHD Media, Mike Cooper, "o uso da IA resultará em uma reorganização radical da Publicidade e do Marketing".  As aplicações de Inteligência Artificial serão, em grande parte, suportadas por anúncios, o que significa que o Marketing será uma das primeiras disciplinas afetadas pela tecnologia. "No futuro, as marcas serão comercializadas para um algoritmo, não diretamente para os consumidores", afirmou. E isso realmente muda tudo.

Em 2015, sua agência lançou um livro intitulado "Sentience: The Coming AI Revolution and the Implications for Marketing" analisando justamente este impacto da IA no mercado de  Marketing. "Tentamos ir além do que sabíamos, para obter uma visão comercialmente realista sobre os potenciais produtos que passaríamos a usar e os modelos de publicidade e dados que provavelmente os apoiariam", disse Cooper sobre o livro.

Segundo ele, embora fosse quase impossível prever com precisão todo o cenário dos cinco a dez anos seguintes, já era possível detectar parte dele, com alta probabilidade de ser tornar realidade apenas ​​usando uma análise lógica. Foi assim, por exemplo, que os autores do livro abordaram o papel cada vez maior dos "assistentes pessoais virtuais" (como o Alexa, a Cortana e o Google Assistant) em nossas vidas. Se olharmos para o Amazon Echo, hoje, veremos que muitas das escolhas de compra dos consumidores americanos já são feitas pelo assistente Alexa, o que significa que as marcas terão de se adaptar para chegar aos consumidores mais rápido do que previam.

Esta edição de Cannes  está deixando bem claro que o uso de algoritmos _ para a captura e processamento de dados de clientes, transformados em recomendações ou ofertas _ só faz crescer. O cenário atual já começa a ser predominantemente alimentado por Machine Learning (56%), que sustenta o uso de IA para visão computacional, processamento de linguagem natural, assistentes virtuais, robótica e veículos autônomos.

Não por acaso, ao falar na edição 2017 do Think with Google, realizada em São Paulo no fim de maio, o evangelista de Marketing Digital e Diretor do Google Américas, Avinash Kaushik, se mostrou particularmente entusiasmado com os com os avanços de Machine Learning para smart bidding e campnhas de Smart Display. Você define os resultados desejados (CPAs alvo, ROAS, CPC aprimorado, etc) e deixa a inteligência ajudá-lo a atingir seus objetivos – sem intervenção humana. "Assim levamos a mensagem certa para a pessoa certa no momento certo, de verdade", disse.

De acordo com Kaushik, a maioria das campanhas segmentadas manualmente, ou mesmo através de alguma ferramenta atual, leva em conta três ou quatro sinais : palavra-chave, data e  hora, localização e interesses. Mesmo as abordagens mais "automatizadas" acabam usando um punhado a mais de parâmetros. Com Machine Learning, segundo ele,  passa a ser possível usar centenas de sinais que o Google ou o Facebook têm sobre os consumidores, para entregar a eles os anúncios mais pertinentes. "E falar em centenas não é uma metáfora",  ressaltou o executivo.

Mas tudo isso passa por uma gestão consciente de dado por parte das marcas, das plataformas e dos próprios consumidores.

Só com uma estratégia de dados robusta será possível para qualquer marca atingir seus consumidores de forma personalizada e em escala, respeitando sua privacidade e sua segurança, conforme alertou  Astrid Boutaud em Cannes.

É esta estratégia, aliada à Inteligência Artificial (especialmente, ao Machine Learning), que fará com que as marcas se tornem mais presentes, relevantes e convenientes em cada momento da jornada do consumidor, respondendo cada vez mais rápido às intenções imediatas de consumo e, até mesmo, antecipando suas necessidades.

Portanto, fazer bom uso da IA (o que inclui o uso ético dos sistemas e dos dados) é imperativo. Chegaremos lá?

Ah! Também este ano, começaram a surgir em Cannes algumas abordagens para o uso interno da Inteligência Artificial por parte das agências. Na prática, elas planejam mover-se internamente a partir da exploração do mesmo tipo de IA que já alimenta as interações das marcas com os consumidores.

Engenheiros da Publicis Groupe, por exemplo, estão trabalhando na criação de um assistente virtual, chamado Marcel, que permitirá a construção de equipes formadas por profissionais com habilidades e experiências mais adequadas para trabalhar em projetos específicos. A ideia é permitir a formação de equipes perfeitas, explorando a tecnologia adquirida da SapientNitro. A plataforma será lançada em junho de 2018 na Viva Technology, em Paris.

A ver.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.