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Cristina de Luca

A nova missão do Facebook? Mudar a narrativa e o comportamento online

Cristina De Luca

22/06/2017 21h05

O objetivo, seguramente, está nas entrelinhas do texto oficial de "dar às pessoas o poder de criar comunidades e aproximar o mundo". E pode ser menos nobre, também.

Vejamos. Ao se transformar em uma das maiores empresas de mídia do planeta, o Facebook fracassou no propósito inicial para o que diz ter sido construído: "realizar a missão social de tornar o mundo mais aberto e conectado".

A rede, dita social, passou a ser usada com propósitos bastante questionáveis. E seus administradores começaram a ser taxados de negligentes, por não agirem com presteza para restringir adequadamente na plataforma a propagação de notícias falsas, discursos de ódio, atividades extremistas e até pedofilia.

Foi preciso que a bolha de filtros revelasse seu lado mais perverso, em dois momentos chave para as sociedades britânica e norte-americana, para que Mark Zuckerberg reconhecesse publicamente que o Facebook havia falhado em seus esforços de ampliar a diversidade de opiniões ao simplesmente conectar e dar voz às pessoas.

"Temos a responsabilidade de fazer mais, não apenas para conectar o mundo, mas para aproximar o mundo", disse ele na tarde desta quinta-feira, 22 de junho, ao abrir o primeiro Facebook Communities Summit, realizado em Chicago, EUA.

Ora, se o Facebook se tornou uma câmara de eco que nos previne de sermos confrontados por opiniões com as quais não concordamos e se a troca mais rica de informação acontece nos grupos e não nas timelines, porque não olhar com outros olhos para este tesouro e torná-lo um indutor de geração de conteúdo positivo, aglutinador de interesses genuinamente fraternos.

A missão, então, é usar os grupos para refrear o aumento da polarização na rede, que alimenta e é alimentado pela propagação de notícias falsas e o reforço de bolhas de filtro.

Não por acaso, Mark quer "ajudar as pessoas a construírem comunidades e se exporem a novas pessoas e novas perspectivas". Não por acaso, muitas das ferramentas para gerenciamento de grupos lançadas hoje caem como luva nesse propósito.

São cinco:

  • Insights de Grupo: para que os administradores possam ter um melhor entendimento do que está acontecendo em seus grupos a partir de métricas em tempo real sobre crescimento, engajamento e integrantes – como números de posts e quais horários os membros do grupo estão mais engajados. Vai ficar mais fácil saber quem são os membros e como eles estão usando o grupo;
  • Filtro para pedidos de associação: para que os administradores possam ordenar e filtrar requisições, facilmente, por categorias como gênero e localização, e decidir se aceitam ou negam todos os pedidos de uma vez só;
  • Remoção de membros: para ajudar a manter as comunidades livres de membros mal intencionados. O recurso permite remover não só a pessoas, como todo o conteúdo criado por ela dentro do grupo, incluindo publicações, comentários e ainda outras pessoas que foram adicionadas por eles, de uma única vez;
  • Publicações agendadas: que permite aos administradores e moderadores de grupos criar publicações a qualquer momento e agendar sua publicação no dia e hora mais convenientes;
  • Recomendações de Grupos: ainda em fase de teste, a ideia é facilitar a conexão de entre grupos, ou seja, deixar que administradores recomendem outros grupos similares e relacionados aos membros de seu próprio grupo. Uma forma inicial de fazer com que grupos afins e complementares possam se aproximar pela plataforma.

Além disso, com esses novos recursos, a equipe do Facebook acredita que conseguirá aumentar a participação nos grupos, já que muitas dessas ferramentas removem alguns obstáculos existentes hoje.

Segundo o próprio Mark Zuckerberg, cerca metade dos usuários do Facebook faz parte de grupos, hoje, mas apenas 100 milhões são membros de grupos que podem ser considerados "significativos". Cada usuário da rede social participa de 30 grupos, em média. Mas a maioria dos grupos é informal.

O que Mark deseja? Ter 1 bilhão de pessoas participando de grupos realmente "significativos" que se tornem uma parte vital de suas vidas cotidianas e atividades comunitárias do mundo real. Na sua opinião, as comunidades online tornam nossas comunidades físicas mais fortes, e vice-versa.

Bom, quanto mais grupos e mais participantes, maior o engajamento no Facebook, que tem como ambição se tornar o centro diário para todas as atividades online de todas as pessoas conectadas. E quanto mais pessoas usando o Facebook, mais a empresa ganha com publicidade, cada vez mais personalizada.  E nesse ponto, a participação em grupos pode ser um caminho para que as pessoas compartilhem seus interesses de maneiras mais específicas. O algoritmo agradece…

De onde veio a inspiração para a nova missão?
O desafio pessoal anual de Zuckerberg para 2017 foi visitar e conhecer novas pessoas em todos os estados dos EUA. Nessa viagem, ele procurou saber como a rede social afetava realmente a  vida das pessoas.  Acabou descobrindo uma queda acentuada de relevância de grupos e líderes comunitários e, consequentemente, de participação das pessoas na comunidade.

"Queremos ajudar um bilhão de pessoas a se juntarem a comunidades significativas. Se pudermos fazer isso, isso não só reverterá o declínio total da associação comunitária que vimos em todo o mundo … mas também fortalecerá nosso tecido social", disse ele. E se fortalece o tecido social, fortalece o Facebook.

"Muito do que podemos fazer é ajudar a criar um debate mais civilizado e produtivo sobre algumas das maiores questões também", disse Zuckerberg à CNN Tech.

Será que dando maior poder aos grupos, abertos e fechados, o Facebook conseguirá mudar a narrativa e o comportamento online de seus usuários, fazendo com que eles conversem mais?

E, no futuro, reconquistada a confiança na rede, será que já não estará nos planos transformar os próprios grupos em uma nova fonte de renda? Qual marca não gostaria de participar da conversa em torno de temas afins, caso haja interesse do próprio grupo em angariar mantenedores? Se o modo encontrado para fazer isso for transparente…

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Ah… Você realmente acredita que o objetivo principal do Facebook é social?

Então vale reler hoje a carta publicada pelo CEO do Facebook em fevereiro, estabelecendo os princípios centrais do Facebook: suporte, segurança, informação, envolvimento cívico e inclusão.

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Espera aí,  facilitar que pessoas se reúnam em tornos de grupos fechados não seria um convite à criação de grupos focados em bullying, racismo, até ideologia extremista e terrorismo? Ao USA Today, Mark Zuckerberg garantiu que não. Que o Facebook terá que impedir "coisas ruins". A própria ferramenta de remoção de membros e suas contribuições para o grupo vai nessa linha. Seria muito bom para outras iniciativas de remoção de páginas, perfis e de conteúdos do Facebook se seu algoritmo e seus moderadores pudessem contar com a opinião de membros de uma comunidade sobre uma determinada pessoa, não seria? Hum…. A ver.

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Em tempo: o evento em Chicago reuniu 3 administradores de Grupos. Entre eles estavam o "Lady Bikers of California", iniciado por Terri Hendricks para reunir mulheres que andam de moto para se conhecer e apoiar uma às outras, e o "Affected by Addiction Support Group", criado pelo viciado em recuperação Matthew Mendoza para apoiar pessoas afetadas por algum tipo de vício. Outro exemplo é o grupo "Bethel Original Free Will Baptist Church", administrado pelo pastor Kenneth Goodwin e que compartilha informações sobre eventos e horários de encontros para o grupo de pastores, além de exibir sermões ao vivo pelo Live.

O Facebook pretende promover mais encontros de administradores de grupos como o de Chicago em diferentes regiões, como parte dos esforços para aproximar ainda mais as comunidades.

Nos próximos dias, segundo Zuckerberg, também ouviremos mais sobre a pesquisa feita pelo Facebook a respeito do que torna as comunidades significativas. E sobre os planos para futuros lançamentos dirigidos às comunidades.

 

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.