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Cristina de Luca

Google vai parar de verificar o conteúdo do Gmail para uso publicitário. A troco de quê?

Cristina De Luca

26/06/2017 23h53

O Google está sendo elogiado em todo o mundo pela decisão de suspender o escaneamento de mensagens do Gmail para a oferta de anúncios, embora não tenha deixado claro a partir de quando o fará. Apenas que será no fim deste ano.

Para quem não está familiarizado com assunto, o Gmail gratuito possui um algoritmo capaz de identificar os caracteres digitados nos emails enviados por seus usuários para, sempre que oportuno, direcionar a esses usuários conteúdo publicitário personalizado.

No post oficial em que anuncia a decisão, a empresa informa que como o Gmail pago, do pacote G Suite, não é usado para personalização de anúncios, achou por bem estender esta mesma abordagem para o serviço gratuito, dirigido aos usuários finais.

Mas será que foi essa mesmo a motivação para a mudança?

O debate já tomou conta da Internet.

"O Google está apenas alinhando os termos de serviço para tornar mais fácil para os clientes entenderem o que estão compartilhando. Termos e Condições (T&C) mais simples significam uma melhor confiança dos consumidores no Gmail",argumenta Matt McGowan, ex-executivo do Google e presidente da Adestra, em entrevista para Ray Schultz, colunista, do Email Insider.

Segundo o próprio Google, o uso do G Suite mais que dobrou no ano passado entre os grandes clientes comerciais. Hoje, existem mais de 3 milhões de empresas pagadoras que usam os produtos G Suite. Já o Gmail tem mais de 1,2 bilhão de usuários, considerando contas gratuitas e pagas.

Para Laurie Sullivan, do MediaPost, no entanto, "o Google pode estar promovendo a mudança porque seus algoritmos de Machine Learning já têm dados suficientes para segmentar anúncios por outros meios, como a busca, ou usando o Google AdWords Match Match, que serve anúncios ao combinar o endereço de e-mail com outros dados dos clientes". Neste caso, o tão questionado escaneamento das mensagens do Gmail já não seria mais necessário.

Mas há muita gente que prefere acreditar que o Google decidiu fazer foi pôr um ponto final em uma série de questionamentos na Justiça relacionados à privacidade dos usuários do Gmail.

Desde 2013 o Google é acusado de usar o Gmail como uma máquina secreta de mineração de dados, ao interceptar, armazenar e utilizar sem consentimento os pensamentos e ideias privados de milhões de usuários desprevenidos.

Em dezembro do ano passado, a empresa chegou a fechar um acordo com os autores da ação coletiva aberta no Tribunal Distrital de San Jose, na Califórnia, anulado em março deste ano pela juíza Lucy Koh, que considerou não existirem garantias de que, através dele, o Google passaria a ficar de fato em conformidade com as Leis de privacidade estaduais e federais.  Segundo ela, o acordo não revelava claramente as mudanças técnicas que o Google pretendia fazer. Nem se a empresa ainda poderia extrair dados para o "propósito duplo" de criar anúncios segmentados e detectar spam e malware.

Sinceramente, o festejado anúncio deste fim de semana é tão nebuloso quanto.

De acordo com a Cnet, a mudança anunciada não significa que os usuários deixarão de ver anúncios no Gmail. A diferença é que os anúncios serão baseados nas configurações do usuário. A Bloomberg afirma que os anúncios continuarão a aparecer dentro da versão gratuita do Gmail, como mensagens promovidas. Já o New York Times afirma que o Google continuará escaneando o Gmail para coibir potenciais ataques de spam ou phishing e para fornecer sugestões para respostas de email automatizadas.

Só o tempo revelará as verdadeiras intenções da empresa. Mas não há motivos para duvidar de que ela não esteja realmente interessada em suspender a leitura das mensagens por seu algoritmo para a exibição de publicidade.

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A prática de escanear as mensagens de usuários do Gmail tem sido controversa até no Brasil, onde em novembro de 2016  o Ministério Público do Piauí ajuizou ação civil pública contra o Google por descumprimento de normas de proteção de dados ao analisar o conteúdo dos e-mails enviados através do Gmail com objetivos comerciais.

Na opinião do procurador da República, Alexandre Assunção e Silva, o escaneamento requer o consentimento expresso e destacado do usuário para tratamento de seus dados pessoais. Sem a permissão do usuário, o Google estaria descumprindo o Marco Civil da Internet.

A alegação do Google Brasil é a de que os usuários concordam com esse escaneamento ao aceitarem expressamente os Termos de Serviço e a Política de Privacidade do serviço, durante a criação das contas do Gmail.

Na ação, o procurador pedia ao juiz o deferimento de tutela de urgência ou evidência, determinando que o réu suspendesse a análise (escaneamento) do conteúdo dos e-mails dos usuários do Gmail, em todo o território nacional, enquanto não fosse acolhido o consentimento prévio, expresso e destacado do titular da conta de e-mail, inclusive para o envio de publicidade comportamental, sob pena de multa diária no valor de R$ 100 mil".

Pedido este indeferido pelo juiz  Felipe Gonçalves Pinto, em despacho datado de 23 de junho agora, conforme publica o site Observatório do Marco Civil da Internet. O juiz também marcou data para uma audiência de conciliação: 6 de setembro . E ainda intimou o MP a apresentar réplica, e a União, através da Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça (SENACON/MJ), a manifestar-se em relação ao caso. Ambos têm prazo de 15 dias para fazê-lo.

Será que até setembro o Gmail já terá suspendido o escaneamento das mensagens do Gmail para fins publicitários?

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.