A disputa pelo domínio .Amazon vai além de questões jurídicas ou comerciais
Quais são os possíveis desdobramentos do parecer do Painel de Revisões Independentes (IRP, na sigla em inglês) da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN) a favor da gigante do comércio eletrônico Amazon Inc, na recente disputa com países da região Amazônica, como Brasil e Peru, pelo domínio genérico de primeiro nível (gTLDs) . AMAZON?
Foi tentando responder a esta pergunta que conversei rapidamente, por telefone, com o embaixador Benedicto Fonseca Filho, diretor do Departamento de Temas Científicos e Tecnológicos do Itamaraty e representante do Brasil no Government Advisory Committee (GAC), comitê por meio do qual os governos podem participar do processo de desenvolvimento de políticas pela ICANN.
"Ainda não li detalhadamente o parecer. Vamos examiná-lo com muita atenção, na semana que vem, para definir qual será a nossa estratégia, a nossa reação, porque a decisão não me parece algo aceitável, com todo respeito aos julgadores", disse ele. "Precisamos avaliar se é o momento de voltarmos a nos manifestar a respeito junto ao board da ICANN", completou.
No seu entender, a questão em torno do domínio .AMAZON não se esgota no parecer do Painel de Revisões Independentes.
"Estamos falando de um parecer de três julgadores que se contrapõe a um entendimento unânime do conselho de governos. Nós entendemos que o board da ICANN deve pesar todos os argumentos, antes de tomar uma decisão, não apenas os argumentos comerciais, o que está na legislação de propriedade intelectual ou os argumentos jurídicos", explicou o embaixador.
"A participação de governos não se resume só a verificar está tudo de acordo com alguma legislação internacional", ponderou. " Te dou um exemplo. Recentemente, foi pedido o registro do domínio .AFRICA por parte de uma empresa. Não há nenhuma legislação internacional que impeça que seja delegado. Mas, ainda assim, a delegação foi negada, porque os governos entenderam, de forma unânime, que deveriam recomendar à ICANN que ele não fosse delegado à empresa solicitante, por dizer respeito a uma região geográfica e não a uma empresa qualquer".
Trocando em miúdos, foi usado para .AFRICA o mesmo princípio usado para recomendar que a delegação do domínio .AMAZON fossse negada à Amazon Inc.
E é aí que está o "x" da questão. Na opinião dos três integrantes do IRP que redigiram o parecer determinando à ICANN a revisão da decisão em relação ao domínio .AMAZON, falta fundamentação à alegação de interesse público feita pelos membros do GAC em recomendações como essas.
Benedicto Fonseca Filho vai além. Para ele, o que está em jogo é o tratamento dado às áreas geográficas nas análises para concessão de registros de domínios. "A decisão final sobre o .AMAZON pode criar uma espécie de jurisprudência sobre como tratar nomes relacionados a regiões geográficas", explicou o embaixador. "Qual é o limite razoável para a autorização do registro de nomes de regiões geográficas como domínios. É algo meramente comercial? É algo político? Esse é um debate que precisa acontecer em um contexto mais amplo. E hoje não há mecanismos que permitam essa discussão internamente, entre todos os atores. Isso é algo que nos preocupa muito", reafirmou Benedicto.
Na sua opinião, a maneira como decisões desse tipo serão tomadas será crucial para garantir o sucesso do modelo multisetorial. "A ICANN é uma entidade multisetorial, e como tal deve buscar tomar decisões equilibradas, levando em conta não somente os interesses do setor privado, mas também os interesses das organizações da sociedade civil [as ONGs] e dos governos", ponderou. Para isso é preciso que tenha sistemas nos quais todos os atores se sintam confortáveis, e as decisões sejam tomadas a partir de critérios bem definidos, não apenas baseadas na preferência de determinados setores.
_____
Como avançar na questão dos nomes geográficos em domínios? A quem caberia a condução desse debate? São todos assuntos que movimentaram para valer o último encontro da ICANN, realizado no mês passado em Joanesburgo.
Na prática, o GDD (Global Domains Division), responsável pela delegação dos novos domínios, obedece às determinações do board da ICANN, que pode delegar seguindo interesses políticos, ou econômicos segundo os mais críticos. O board pode, inclusive, não seguir as normas do GNSO (Generic Names Supporting Organization), do GAC, ou de qualquer outra instância da estrutura que compõem a ICANN.
Inicialmente, o board da ICANN ouviu o GAC em relação aos domínios .AMAZON, . PATAGONIA e .AFRICA, esse último concedido recentemente como um domínio de nível superior continental para uso de organizações, empresas e indivíduos com orientação de agências africanas responsáveis pela governança da Internet na região.
Na maioria das situações, as recomendações do GAC dependem de boa vontade do Conselho Diretor da ICANN.
O que reforça a tese de que, embora a ICANN não seja uma instituição intergovernamental, há de se pensar de fato em um sistema que otimize o papel dos governos dentro do previsto em um modelo de governança multisetorial.
_____
Outra controvérsia que tem movimentando os países envolve a recente liberação de registros de códigos de duas letras no segundo nível domínios (BB.br ou RJ.br), incluindo a possibilidade de nomes completos de países e territórios no mesmo nível. Já pensou topar com um site por aí chamado br.sex?
O entendimento do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) é o de que uso de duas letras no segundo nível afeta a percepção a respeito do valor dos sufixos de países. Em maio, uma resolução do CGI a respeito deste assunto foi encaminhada ao secretariado da ICANN.
_____
Não dá para negar que os novos domínios genéricos de primeiro nível se transformaram em um grande negócio para a ICANN. O que, para muitos críticos, tem feito a entidade se concentrar na expansão dos rentáveis domínios genéricos, em detrimento da missão original de cuidar da raiz e dos nomes, números e protocolos. É nesse cenário que toda a discussão está posta.
A ver.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.