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Cristina de Luca

Diversificação de receitas é a chave para a sustentabilidade da nova mídia digital na América Latina

Cristina De Luca

24/07/2017 13h54

A quantidade de veículos nativos digitais na América Latina que vem construindo negócios sustentáveis em torno do jornalismo de qualidade cresceu dramaticamente desde que os primeiros empreendimentos foram lançados, em 1998. E os empreendedores por trás dessas iniciativas estão otimistas em relação ao futuro, segundo o estudo "Ponto de Inflexão – Impacto, Ameaças e Sustentabilidade: Um estudo dos Empreendedores Digitiais Latino-Americanos". A maioria deles projetou crescimento de receita de pelo menos 30% em 2017.

Realizado pela SembraMedia, com o apoio da Omidyar Network, o estudo analisou 100 startups de notícias digitais, em quatro países: Argentina, Brasil, Colômbia e México. Foram entrevistados os fundadores e diretores de 25 veículos de cada país.

Embora positivo em muitos aspectos, como o impacto social do trabalho que fazem e o otimismo para este ano, os resultados do estudo  revelam uma enorme fragilidade nos atuais modelos negócio, que em muitos casos repetem o modelo da grande mídia.

O desafio cotidiano de encontrar fontes de financiamento que garantam a sustentabilidade e, por consequência, a independência editorial, ainda limita muito a atuação de vários desses veículos. O que, na opinião do jornalista e professor Sérgio Lüdtke, da Interatores, responsável pela pesquisa no Brasil, torna "inevitável e inadiável a tarefa de discutir a criação de um fundo público e privado que fomente o surgimento de novas organizações de mídia, que apoie e ajude a dar sustentabilidade para aquelas que já estão operando, e que financie novos projetos, reforçando o ecossistema do jornalismo digital".

Umas das recomendações do estudo é justamente a possibilidade de criação de uma organização que negocie em nome dos empreendedores digitais com os grandes players de publicidade digital, por exemplo.  As outras são construir pontes e alianças para expandir e conhecer melhor as audiências, e investir no fortalecimento das equipes e na diversificação de receita.

Saúde financeira
De acordo com o estudo, a publicidade é o principal meio de remuneração, geralmente complementada por outras fontes de receita como consultoria, treinamento e subvenções. Ao todo, foram encontradas mais de 15 oportunidades de geração de receita, incluindo eventos, assinaturas, financiamento coletivo e conteúdo patrocinado.

Entre os 90 participantes que responderam a todas as perguntas sobre finança, cerca de 65% dos afirmaram que tinham pelo menos três fontes de receita.

Para entender melhor os modelos de negócios emergentes entre os veículos, os organizadores do estudo os dividiram em quatro níveis e  analisaram as melhores fontes de receita em cada nível com base em fontes de receita, níveis de tráfego, mix de conteúdos e tamanho  equipe de vendas.

No primeiro nível, onde está a maioria dos que geraram mais receita, o mix de cobertura de entretenimento e de política é usado para atrair milhões de visitantes (a mediana foi de 3,7 milhões de sessões por mês).

A principal fontes de receita desses veículos é a  publicidade (56%).  E eles demonstram uso sofisticado de tecnologias de monetização do tráfego, como mídia programáticas e intercâmbios de anúncios nativos, e de plataformas de otimização de receita e análise.

Nesse grupo,  vale destacar ainda que os três principais geradores de receita tinham mais de 5 milhões de sessões por mês e estavam aproveitando as últimas tendências em publicidade (mídia programática e publicidade nativa).

Entre os que usavam anúncios programáticos, a maioria participava de até 23 diferentes ad exchanges.  Descoberta que foi  considerada pelos autores do estudo como especialmente significativa, por promover a geração de receitas com o tráfego proveniente de fora dos países de origem _ em especial, dos  Estados Unidos.

Na segunda camada,  o modelo de receita é mais diversificado, combinando banners com consultoria, treinamento e subsídios. Os conteúdos produzidos também variam bastante. Além das notícias gerais e da cobertura política, cobrem também um tanto de cultura, ciência, meio ambiente e direitos humanos.

No terceira nível, o valor recebido de publicidade diminui significativamente, aumentando a dependência de receitas não relacionadas à publicidade. Nesse nível são encontrados mais  jornalistas focados em direitos humanos, questões ambientais, populações indígenas, gênero e  comunidade LGBTQIA.

No quarto nível estão organizações muito pequenas, com um tamanho médio de seis membros na equipe, dedicando 82% de seus gastos à produção de conteúdo.  A idade média neste grupo era de 2 anos e a renda média em 2016 foi de US$ 7,4 mil. Os números de tráfego também foram os mais baixos: a maioria vem tendo menos de 10 mil sessões por mês no ano.

Publicidade nativa em alta
De acordo com o estudo, a publicidade nativa se destaca como uma importante fonte de receita nos quatro níveis de maturidade. Seu crescimento está sendo impulsionada graças a uma série de problemas com banners – de fraude de cliques a cegueira de faixa a bloqueadores de anúncios. E ela fornecer uma das melhores oportunidades de crescimento de receita em pequenos e grandes sites.

No geral, 28% dos empreendimentos estudados relataram que a publicidade nativa é uma das suas três principais fontes de receita.

Subsídios
Apenas 14 dos meios nativos digitais estudados relataram ter recebido subsídios como uma das principais fontes de receita entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2016. No primeiro nível, apenas um deles recebeu receita de financiamento. No segundo nível, quatro subvenções foram relatadas como sua principal fonte de receita, no terceiro nível, cinco dependem principalmente de fundos de financiamento, e no quarto nível, quatro receberam subsídios. Dez desses 14 também relataram ter recebido subsídios em anos anteriores.

As fontes mais comuns de concessão e de investimento filantrópico foram a Open Society Foundation e a Ford Foundation. Outras fontes de financiamento incluem: European Union, Google, HacksLab, Hivos International, ICCO International, International Center for Journalists, Media Development Investment Fund, Omidyar Network, e Oxfam.

Audiência
Ainda segundo o estudo, muitos dos empreendedores de mídia digital participantes parecem estar negligenciando a necessidade básica de qualquer negócio: atrair e manter o maior número de "clientes" possível.

A  maioria não investe o suficiente em vendas e marketing, mesmo quando têm tráfego suficiente para atrair receita publicitária significativa.

Na opinião dos organizadores do estudo, a chave da sustentabilidade dos veículos passa por compreender melhor a sua audiência e a jornada digital de seus leitores, para os diferentes pontos de contato (mobile, redes sociais, newsletters, etc) como forma de fidelizá-la e transformá-la em fonte de renda.

É preciso também  investir em equipes de vendas que possam tirar do fundador a tarefa de buscar receita. Muitos dos veículos participantes do estudo reclamam que não têm dinheiro para contratar um profissional de vendas, mas aqueles que o fazem estão colhendo os benefícios.

Quando comparada a receita média  daqueles que têm uma equipe de vendas com a receita daqueles que não têm, a diferença é dramática. Aqueles com ao menos um profissional de vendas reportaram mais de US$ 117 mil em receitas anuais; aqueles com nenhum profissional de vendas declararam menos de US$ 3,9 mil.

 

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.