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Cristina de Luca

Regulador americano anuncia regras para acabar com a neutralidade de rede

Cristina De Luca

21/11/2017 17h51

De nada adiantou toda a mobilização feita em julho pelos gigantes da internet, Google e Facebook, e pelas entidades da sociedade civil americana, como a Electronic Frontier Foundation (EFF) e a Fight For The Future, em defesa  da neutralidade da rede nos Estados Unidos _  o princípio de que os provedores de serviços de Internet (ISPs) devem tratar todos os dados que viajam em suas redes de forma justa, sem discriminação inadequada que favoreçam aplicativos, sites ou serviços comerciais específicos.

Hoje, a Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês para o órgão regulador das telecomunicações nos Estados Unidos) anunciou que vai desmantelar regulamentos históricos a respeito, abrindo o caminho para as operadoras cobrarem mais  por determinados serviços, além de bloquear o acesso a alguns sites.

De acordo com notícia publicada pelo New York Times, a proposta apresentada pelo presidente da FCC, Ajit Pai, revoga as regras estabelecidas pela administração Obama que proibia os provedores de serviços de internet de alta velocidade de bloquear ou degradar o tráfego para determinados sites ou cobrar taxas adicionais para melhorar a qualidade de transmissão e dar acesso a outros serviços de internet para seus assinantes.

Era tudo o que gigantes de telecomunicações como a AT & T e a Comcast queriam. De acordo com a proposta, elas terão mais controle sobre as experiências online dos consumidores americanos.  A FCC exigirá apenas que os provedores de serviços de internet sejam transparentes sobre suas práticas para que os consumidores possam comprar o plano de serviços que melhor convier e os empresários e outras pequenas empresas possam ter as informações técnicas necessárias para inovar.

Pai espera que a proposta seja aprovada durante uma reunião da FCC marcada para o dia 14 de dezembro. Mas talvez tenha que rever a data, em função da pronta reação da Comissária Jessica Rosenworcel, que enviou um memorando à FCC criticando a medida e lembrando que havia solicitado a realização de audiências públicas antes de qualquer alteração das regras, o que não aconteceu.

Com três comissários republicanos e dois democratas, não há certeza de que o movimento seja aprovado.

"A Internet foi construída com base nos princípios da neutralidade da rede, e não podemos abandoná-los agora, permitindo que os provedores de serviços de banda larga se tornem gatekeepers da Internet", vinha alertando a EFF.

Um dos principais argumentos que o presidente da Comissão Federal de Comunicações  tem usado a favor do fim da neutralidade, no entanto, é o retorno dos investimentos da infraestrutura de rede.

"Por quase vinte anos, a Internet prosperou sob a abordagem regulatória leve estabelecida pelo presidente Clinton e um congresso republicano. Este quadro bipartidário levou o setor privado para investir US$ 1,5 trilhão em redes de comunicações em todos os Estados. E nos deu uma economia da Internet que se tornou invejável no mundo", disse Pai no moemorando de hoje. "Mas em 2015, a FCC se curvou à pressão do presidente Obama. Ele impôs regulamentos pesados ​​e de estilo utilitário na internet. Essa decisão foi um erro. Está deprimido o investimento na construção e na expansão de redes de banda larga e impedindo a inovação", completou.

"A FCC não fará mais a microgerência de modelos de negócios, proibindo de forma preventiva serviços, aplicativos e produtos que poderiam ser pró-competitivos", disse Pai em entrevista à Reuters, acrescentando que o governo Obama procurou escolher vencedores e perdedores e exercer um regulamento "pesado" sobre a internet.

O interessante na disputa que acorre agora nos EUA é que a FCC propõe voltar a classificar a banda larga como um "serviço de informação" em vez de um "serviço de telecomunicações", para derrubar o princípio de neutralidade de rede. Lá, os "serviços de telecomunicações" estão sujeitos a requisitos de não discriminação – como regras de neutralidade. Já os "serviços de informação" (como os de TV a cabo), não.

Ah! É bom lembrar que o presidente Trump mostrou oposição à neutralidade da rede em 2014 antes da regulamentação ter sido implementada.

No Brasil…
Por aqui, a neutralidade de rede é um dos princípios fundamentais do Marco Civil da Internet, em vigor desde 2014. A discriminação ou degradação do tráfego só é permitida em duas hipóteses excepcionais: requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações, ou priorização de serviços de emergência.

Cabe à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel, equivalente brasileira à FCC) a responsabilidade de fiscalizar e apurar as infrações relacionadas às exceções à neutralidade de rede, consideradas as diretrizes estabelecidas pelo Comitê Gestor da Internet (o CGI.br).

Portanto, aqui a neutralidade é defendida por uma legislação própria.

Além disso, a Internet é tratada como um serviço de valor adicionado, não como um serviço de telecomunicações. Há uma separação clara entre as camadas física e lógica da rede. E o Marco Civil diz respeito à camada lógica. Mas há nas operadoras de telefonia e na própria Anatel (a nossa FCC) quem defenda a equiparação  da Internet a um serviço de telecomunicações, regulado pela agência. Ou defendia…

Com a possibilidade de exploração da Internet das Coisas, já se vê as  operadoras defendendo que a IoT seja desregulamentada, como é a Internet. "Precisamos de liberdade na regulamentação, pois os custos tributários não podem ser maiores que o valor do serviço prestado", vem repetindo insistentemente o presidente do Grupo Algar,  e da Telebrasil, Luiz Alexandre Garcia.  "Vamos ter muita experiência. É um mercado de muitas incertezas. Não há porque regulamentar antes de saber como o ecossistema vai funcionar", disse o executivo, em outubro, em entrevista ao portal Convergência Digital.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.