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Cristina de Luca

O velho mundo está nos passando a perna em termos de e-gov?

Cristina De Luca

03/12/2017 11h30

Não é só em relação à proteção de dados, com a implantação do Regulamento Geral (o GDPR), que o velho mundo vem nos dando lições de uso das modernas tecnologias digitais. O estudo pan-europeu e-Government Benchmark 2017, realizado por um consórcio liderado pela Capgemini, revela que três em cada cinco serviços públicos europeus já estão online e que mais da metade deles (54%) é "mobile friendly". A Europa continua a amadurecer nas práticas de "governo eletrônico": os serviços públicos migrados para os dispositivos móveis estão aumentando, e a prestação de serviços públicos pela Internet segue avançando. O foco é na ampliação da transparência e no investimento em facilitadores digitais chave – tais como a identificação eletrônica –, que são agora cruciais para o fortalecimento do e-Government e para a criação de um Digital Single Market (ou Mercado Digital Único) nos próximos anos.

O Digital Single Market pode contribuir com 415 bilhões de euros ao ano para a economia europeia, criando empregos e melhorando significativamente os serviços públicos. As descobertas do eGov Benchmark deste ano revelam que a visão do Digital Single Market está tomando forma. O abismo entre a prestação de serviços para usuários nacionais e estrangeiros está se tornando cada vez menor, já que 60% ou três entre cinco serviços online estão, agora, disponíveis em todas as fronteiras do país. A facilidade de utilização dos serviços cross-border também melhorou (em 78%).  Ou seja, tanto os cidadãos quanto as empresas dispõem de acesso a funcionalidades avançadas de ajuda, suporte e reclamações online. A continuidade no compartilhamento das melhores práticas permite que as autoridades públicas em toda a Europa continuem aprimorando seus serviços online.

estratégia do mercado único digital foi adotada em 6 de Maio de 2015 e inclui 16 iniciativas específicas que foram entregues pela Comissão até Janeiro de 2017. As propostas legislativas são agora discutidas pelo co-legislador, pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho.

Voltando ao e-Government Benchmark 2017, este ano o relatório pesquisou mais de 10 mil websites nos países que compõem a EU28+ (conjunto de portais que agregam informações de todos os 28 países europeus associados) e avaliou a quantidade e a qualidade dos serviços digitais com base em quatro importantes eventos de vida: começar um negócio, perder e encontrar um emprego, estudar e vida familiar.

Os resultados revelam que o setor público europeu continua a oferecer mais serviços pela Internet. Se por um lado os países aumentaram quantitativamente a disponibilidade online de seus serviços públicos, por outro ainda são necessárias medidas qualitativas, como procedimentos de entrega mais transparentes e formulários online pré-preenchidos com dados pessoais, para melhorar a experiência geral do serviço digital.

Um bom progresso foi feito na dimensão da mobilidade, com mais da metade dos serviços (54%) já sendo amigáveis para os dispositivos móveis – contra 27% em 2015. Já o foco no usuário dos serviços públicos europeus atingiu a média de 85%, o que indica um nível maduro de disponibilidade online dos serviços, de interação e das possibilidades de resposta entre cidadãos e administrações públicas. E a implementação ampliada da Diretiva eIDAS provavelmente aumentará ainda mais a disponibilidade de informações e serviços para os cidadãos da União Europeia quando abrirem uma empresa ou decidirem estudar no exterior.

Para o próximo passo, as medidas de transparência e os investimentos em facilitadores digitais chave, tais como a identificação eletrônica (eID) e autenticação das fontes para reutilizar dados são prioridades. Em termos de transparência, as autoridades públicas precisam recuperar o atraso na divulgação de informações sobre o processo de entrega de serviços, suas próprias responsabilidades e desempenho, bem como sobre o uso de dados pessoais.

Além da transparência, o uso de precondições tecnológicas (facilitadores-chave) como eID e autenticação das fontes ainda tem espaço para acelerar. Melhorias foram observadas em 2016 em relação à disponibilidade de cada um deles. No entanto, o progresso ainda é modesto, dado o prazo de 2 anos entre as medidas. Como exemplos, o uso da identificação eletrônica só foi possível em um entre cada dois serviços públicos europeus (52%), assim como o preenchimento prévio de formulários online com dados que o governo já detém sobre o usuário está em 47%.


Em artigo publicado recentemente, Mauro Herson, sócio-fundador da RSI Redes, ressalta que o governo eletrônico estimula o diálogo do governo com ele próprio (G2G), com o mundo dos negócios (G2B) e com o cidadão (G2C). Pregões eletrônicos, sistemas integrados (ex: SIAF – Sistema de Administração Financeira) e Portais de Transparência constituem algumas das diversas soluções que propiciam redução de custo, qualidade da informação e melhoria da transparência. Diversas outras soluções inovadoras têm sido incorporadas, visando sempre maior transparência da máquina pública.

O site http://transparency.globalvoicesonline.org exemplifica algumas. Novas tecnologias estão sendo empregadas em soluções inovadoras, como a utilização de blockchain para permitir identificar, em tempo real, doações de candidatos a partir do acompanhamento de transações financeiras, por exemplo, ou o uso de Inteligência Artificial para identificar casos suspeitos de má administração de gasto público.

Enquanto isso, no Brasil….
A evolução do e.Gov anda a passos lentos.


Para tentar dar um empurrão na modernização da administração pública, o governo federal criou, este ano, o Conselho Nacional de Desburocratização – Brasil Eficiente. O objetivo é expandir os serviços eletrônicos oferecidos à população, reduzir o uso de papel, diminuir custos e aumentar a eficiência, nas diversas esferas de governo.

Um dos fatores que atrapalha o avanço do setor público brasileiro na implantação de serviços digitais é a dificuldade de implantar mudanças na rapidez esperada pela sociedade. Parte dela, ocasionada pela falta de continuidade nas ações planejadas no setor público.  O Portal e.Gov , por exemplo, avisa no topo de sua página principal que está sendo adaptado, mais uma vez. Agora para o conteúdo da tal Estratégia do Governança Digital (Decreto Nº 8.638, de 2016), que institui a Política de Governança Digital no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, além de prever 51 iniciativas estratégicas para cumprir seus objetivos estratégicos (tabela abaixo).

No papel, tudo lindo. Na prática, quem de fato está cobrando, na sociedade, as metas estabelecidas? Quantos de nós, cidadãos, conhecemos ao menos algumas delas?

Até o fim deste ano, por exemplo, mais da metade da população (60%) deveria ter acesso e fazer uso dos serviços digitais. Será que chegamos lá? Em relação à Receita Federal, com certeza! Já em relação a outros serviços, tenho minhas dúvidas.

Outra meta diz que, também este ano, 25% dos órgãos e entidades que compõem o governo devem estar aptos a compartilhar dados, processos, sistemas de informação, serviços e infraestrutura tecnológica, de forma a reduzir custos e desperdícios e evitar esforços desnecessários e perda de dados e informações. Bom, em relação à identificação biométrica do cidadão,  o compartilhamento e a integração de dados entre os diversos órgãos também vem andando rápido.

Por exemplo, o TSE e a Polícia Federal já estão compartilhando um banco de dados das impressões digitais de cada eleitor e cidadão. Na prática, o TSE poderá utilizar a base de dados da Polícia Federal no processo de identificar os eleitores por meio da impressão digital, enquanto a Polícia Federal poderá utilizar os dados do TSE para pesquisa de fragmentos de digitais, no caso de investigações criminais.  O que o cidadão ganha? Segundo o TSE, o cidadão que tiver as digitais cadastradas no tribunal poderá tirar o passaporte  mais rápido, uma vez que as digitais não precisarão mais serem recolhidas também na PF.

O Serpro também está bem adiantado quanto a essa meta.  Por atender diversos órgão governamentais, inclusive os estaduais, de trânsito, vem trabalhando em um banco de imagens montado a partir das fotografias existentes nas habilitações dos motoristas, que alimenta o sistema de validação de identificação DataValid. Esses sistema oferece aos seus usuários (privados inclusive, como bancos) um índice de probabilidade de que a pessoa é quem realmente diz ser, com base no cruzamento do reconhecimento facial da habilitação com outros dados cadastrais de governo como CPF, filiação, renda informada, e até a base de biometria do TSE. Muitas dessas informações serão usadas, com certeza, na criação da nova carteira de identidade, sucessora do RIC (Registro Único de Identificação Civil), no âmbito do projeto Brasil Cidadão. O Serpro já tem praticamente pronta a arquitetura da Identidade Digital do Cidadão.

E tem muito mais a caminho. Vale dar uma olhada no documento. Segundo a própria Estratégia de Governança Digital reconhece,  só no que diz respeito ao Governo Federal os principais desafios a serem enfrentados para aprimorar a efetividade das ações de governança digital são:

• ampliar os canais de relacionamento entre a sociedade e o Estado;
• levar ao conhecimento de cidadãos e empresas a estrutura organizacional e o
funcionamento do governo, a fim de facilitar o acesso a serviços digitais e canais de
participação social;
• coordenar investimentos em TIC, aumentando a eficiência na aplicação dos recursos
públicos;
• integrar processos, sistemas e serviços, reduzindo iniciativas de busca de soluções em silos;
• ampliar o compartilhamento de sistemas, serviços e dados, estimulando a integração
e a interoperabilidade entre sistemas transversais e sistemas de informações do
governo;
• aprimorar a qualificação do corpo gerencial e técnico em competências como gestão
e fiscalização de contratos e metodologias e ferramentas de governança e gestão de
TIC;
• reduzir riscos em projetos de TIC, muitas vezes de longa duração e com poucos
entregáveis até sua conclusão, e caros, levando muito tempo para percepção de
retorno do investimento;
• orquestrar o reuso de sistemas administrativos, reduzindo a duplicidade de esforços
e a geração de informações fragmentadas e não-padronizadas e, consequentemente,
de desperdício de recursos e tempo;
• otimizar o compartilhamento da infraestrutura governamental de TIC;
• acelerar a execução e reduzir os riscos dos processos de aquisições de TIC;
• ampliar (ou incentivar) o aproveitamento do potencial de tecnologias emergentes;
• incrementar a capacidade de gestão, governança e inovação;
• mitigar as vulnerabilidades de segurança nos sistemas de informação governamentais;
• democratizar o acesso aos serviços públicos prestados por meios digitais (e-serviços);
• coordenar as políticas de governo digital e de inclusão social e digital;
• garantir a convergência dos direcionamentos estratégicos dos órgãos e entidades;
• eliminar a pulverização dos fóruns deliberativos de TIC do governo (Comissão de
Coordenação do SISP, ePING, eMAG, INDA), a fim de garantir o compartilhamento do
conhecimento gerado em cada um deles;
• criar de mecanismos de acompanhamento, avaliação e incentivo à implementação da
Carta de Serviço ao Cidadão;
• sensibilizar os gestores de alto nível do Governo em relação a governança digital;
• convergir iniciativas de governo e de democracia digital; e
• reformular o Programa Gespública.

Não falta trabalho. Só espero que as iniciativas possam reverter em benefício do cidadão, de fato, mais do que servir aos interesses do estado controlador e arrecadador.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.