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Cristina de Luca

A neutralidade de rede foi ferida gravemente, mas ainda não morreu

Cristina De Luca

14/12/2017 18h55

A Comissão Federal de Comunicações  (FCC, na sigla em inglês), equivalente à nossa Anatel, derrubou hoje, por 3 votos a 2, as regras criadas pelo governo Obama que garantiam o princípio da neutralidade de rede, ou seja, que garantia que as operadoras americanas não pudessem dar prioridade ou excluir determinados produtos de seus planos de banda larga.

Do ponto de vista jurídico, as novas regras deixam de tratar a internet como um serviço de utilidade pública, passando a classificá-la como um serviço de informação, semelhante ao tratamento dado aos serviços de TV a cabo. A supervisão das atividades dos provedores (ISPs) deixará de ser feita pela FCC e passará a ser responsabilidade da Comissão Federal de Comércio (FTC, na sigla em inglês), que focará sua atenção em práticas desleais de comércio.

Na prática, a decisão fere gravemente a neutralidade. É uma sentença de morte. Que para ser executada, ainda  precisa da aprovação do Congresso americano. Razão pela qual os protestos já começaram, em todo os Estados Unidos, online e nas ruas. Os americanos pressionam os congressistas a derrubarem a decisão da FCC.  Contam inclusive com a mudança de posição de boa parte da bancada Republicana.

Os defensores da neutralidade da rede acusam Pai e a FCC de terem tomado uma decisão arbitrária e caprichosa para desfazer o trabalho de seus predecessores – e se recusar a ouvir o apelo de milhões de americanos que instaram a agência a reconsiderar seus planos.

Uma pesquisa recente da Universidade de Maryland revelou que 83 por cento dos eleitores em todo o país – incluindo 75 por cento dos republicanos –  afirmaram preferir que as regras de neutralidade definidas em 2015  fossem mantidas.

A defesa da neutralidade reúne consumidores, independentemente da afiliação política, com muitos expressando receios de que o seu fim atenue a liberdade de expressão, gere custos mais elevados  e permita que os ISP controlem os serviços que vamos usar na rede.

O procurador-geral da Nova York, Eric Schneiderman, um democrata, afirmou em um comunicado que liderará um processo judicial para tentar reverter a decisão.

"A luta para salvar a internet acabou de começar", disse Chip Pickering, líder do Incompas, um grupo de negócios que representa empresas como Amazon, Facebook e Google. "Vamos lutar nos tribunais, no Congresso e em todos os cantos do nosso país, até que uma internet livre e aberta seja devolvida ao povo americano".

Se a decisão de hoje for referendada pelo Congresso americano, ela realmente tem poder para mudar radicalmente a maneira como a Internet funciona. Os provedores de banda larga estarão livres para cobrar um "pedágio" de serviços como a Netflix e Snapchat pelo privilégio de serem entregues aos clientes sem degradação da velocidade da conexão, por exemplo.

O presidente da FCC, Ajit Pai, que já foi advogado da Verizon, contesta essa visão.

Ao abrir a votação, Pai fez um longo discurso no qual afirmou que mesmo antes de 2015, portanto antes do regulamento impondo a neutralidade de rede, os EUA já tinham uma internet gratuita e aberta, e que ela continuará assim após as mudanças propostas , mas sob uma abordagem leve, baseada no mercado. "Os consumidores se beneficiarão, os empresários se beneficiarão. Todo mundo na economia da internet ficará melhor com uma abordagem baseada no mercado", afirmou. "Após o voto de hoje, os americanos ainda poderão acessar os sites que eles querem visitar. Eles ainda poderão desfrutar dos serviços que desejarem desfrutar", completou, rebatendo as críticas mais frequentes.

Procurada para comentar a decisão, a  Comcast, empresa-mãe da NBC News, manteve o mesmo tom, ao comemorar a decisão.

"A ação de hoje não marca o fim da Internet como a conhecemos,  em vez disso, anuncia em uma nova era de regulação que beneficiará os consumidores ", disse David L. Cohen, vice-presidente executivo sênior e diretor de diversidade da Comcast.

Não é o que pensam pioneiros  da Internet, nem as duas representantes democratas na FCC, que votaram contra as mudanças.

"Confiar nos provedores de acesso criando as suas próprias regras  é ruim para os consumidores", disse Michael Beckerman, presidente da Internet Association, que tem as grandes empresas de internet entre seus associados.  "A luta não acabou. Estamos avaliando nossas opções legais para entrarmos com uma ação judicial contra a decisão  de hoje",completou o executivo.

Vai ser uma batalha dura.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.