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Cristina de Luca

Ontem na história: 40 anos de BBS

Cristina De Luca

17/02/2018 18h51

16 de fevereiro de 1978! Nascia, em Chicago, o primeiro Bulletin Board System, o BBS, por iniciativa de Ward Christensen e Randy Suess.  Mas só um ano depois o sistema de troca de mensagens foi aberto para o público em geral, criando a primeira comunidade virtual de uso civil, já que a ArpaNet era restrita ao uso de acadêmicos e militares que trabalhavam no setor de defesa.

Os BBSs dominaram o cenário das comunicações digitais na década de 80, não só nos Estados Unidos, como em muitos outros países, incluindo o Brasil. Começaram a cair em desuso com a popularização da Internet, mais notadamente da Web, em meados da década de 90.

No Brasil, o primeiro BBS data de 1984.  Foi criado por Paulo Sérgio Pinto, no Rio de Janeiro, usando um TRS-80 modelo I, um modem manual e um software de comunicação desenvolvido em Fortran por ele mesmo.

Paulo Sérgio Pinto fazia parte de um animado grupo de usuários de TRS-80 do Rio de Janeiro. Comprou um modem para usar o micro como terminal do computador da Control Data, empresa onde trabalhava. Entusiasmado com o trabalho remoto, convenceu os amigos "micreiros" a comprarem um modem para facilitar a troca de informações entre eles.

Como o modem do BBS do Pinto era manual, o serviço funcionava das 20h às 24h. Era preciso estar atento ao ruído do modem para acionar a chave on/off a cada chamada. Por isso não durou muito. Apenas o suficiente para criar uma comunidade participativa e assídua, absorvida meses depois pelo Fórum-80, criado por Henrique Pechman e Sylvain Rothstein, primeiro a funcionar 24 horas por dia com modem de resposta automática.

O meu envolvimento com os BBS começou logo depois, quando Henrique Faulhaber, hoje conselheiro do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) montou  o Correio Info, na Revista Info, então uma publicação da Editora JB, braço de revistas  do Jornal  do Brasil, onde eu era repórter e ele era colunista e editor técnico.

O Correio Info funcionava somente com uma linha telefônica que vivia ocupada. Durou dois anos _ o suficiente para o nome manchar a tela do monitor e fósforo verde, legível mesmo com ele apagado. E  foi pioneiro ao trazer para o país a Rede Fidonet que interligava os BBS do Brasil ao resto do mundo.

A Fidonet foi, para muitos de nós, BBSzeiros, a primeira porta de entrada para a Bitnet e outras redes internacionais, para troca de e-mails.  No fim da década de 80 já era possível enviar mensagens para todos os continentes e quase todos os países, com mais de 9 mil BBSs  interligados. Uma proeza para a época!

Em setembro de 1989, um outro BBS carioca, o Hot-Line (depois chamado Inside), conseguiu um número de node (estação) temporário da FidoNet International BBS Network: 4:4/999. Depois passou a ser o sistema principal de uma "net" (a FidoNet e' dividida em "zonas", "regiões", "nets" e "nodes"). Na ocasião, o Rio BBS ja' estava interligado ao Hot-Line e outros Sysops ja' estavam instalando os "mailers", programas que gerenciam o recebimento e envio de mensagens e arquivos pela rede. Rapidamente o sistema passou de "net" ao status de "região".

Não é exagero dizer que o Hot-Line, administrado por Charles Miranda,  inaugurou o acesso não acadêmico à Fidonet, trafegando dados pela Argentina.

Nosso e-mail internacional era através dos muitos BBSs que usávamos. Sim. Porque ninguém se conectava a apenas um, em função dos serviços oferecidos. Cada BBS tinha vida e personalidade próprias, que refletiam a personalidade de seus sysops (abreviatura da expressão inglesa system operator, termo com que eram designados os administradores e responsáveis pelos serviços). Uns eram pródigos na oferta de programas para download. Outros em grupos de interesse (usados como hoje usamos hoje os grupos do LinkedIn ou do Facebook).

Em junho de 1987, auge da reserva de mercado, o Brasil ostentava a impressionante marca de dois mil "BBSzeiros", segundo reportagem da Revista Info. Praticamente todas as famílias de microcomputadores da época, dos MSXs aos PCs, suportavam os recursos necessários para acessar um dos sete BBSs em operação no país (Sampa, Sampa-Sul, Fórum-80, Sampinha/São Paulo, Sampinha/Rio, Master Link e Cirandão, este último, uma evolução do projeto Ciranda, da Embratel, mais tarde transformado no STM-400). Precisam apenas de uma porta RS232para conexão do modem e um software de comunicação.

Achou dois mil pouco? Pois fique sabendo que neste mesmo ano, a rede americana Compuserve, considerada então a maior do mundo, tinha 15 mil usuários registrados. E apenas quatro mil acessos por mês.

Manter um computador no ar 24 horas, os sete dias da semana, com discos rígidos de grande capacidade e um modem extremamente complexo, capaz de receber várias chamadas ao mesmo tempo, enviar sinais sonoros de comunicação e trabalhar com diferentes velocidades de conexão (entre 300 e 2.4Kbps) custava caro. Não era para qualquer um. A esses pioneiros, devemos boa parte do gosto dos micreiros brasileiros pelas comunidades eletrônicas.

Outro BBS muito importante para a história da Internet no Brasil, foi o Alternex, do Ibase. Comandado pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, o Ibase  iniciou conexões experimentais com BBS internacionais em 1984. Em 1987 começou a montar seu próprio BBS, ainda de uso restrito.  No dia 18 de julho de 1989, graças ao apoio de entidades  internacionais  e da ONU, o Ibase ativou o primeiro servidor Unix conectado à Internet nos EUA pelo protocolo UUCP e abriu o acesso a esse servidor para uso das entidades civis.

"Esta é, para mim, a data simbólica de nascimento da Internet no Brasil", afirma Carlos
Afonso, na época coordenador técnico do Ibase e hoje conselheiro do CGI.br.

Logo depois do Alternex, nasceu, em São Paulo, o BBS Mandic. como muitos outros BBSs brasileiros, começou como um hobby, em 22 de abril de 1990, no quatro de hóspedes da casa de Aleksander Mandic. Em dois anos chegou a ter 400 usuários.

Em 1992, Mandic pediu demissão da Siemens e passou a fazer tudo no BBS, da manutenção ao gerenciamento do negócio, que já rendia US$80 por dia.

Foi neste contexto, com as universidades ainda tateando no uso da Rede Nacional de Pesquisa e os BBS se tornando mania no país, que duas iniciativas independentes, paralelas _a RNP e o AlterNex, do IBASE _ acabaram se juntando em um esforço comum para viabilizar as comunicações, via Internet, da UNCED 92, mais tarde conhecida como ECO-92.

Depois da ECO-92, houve uma corrida de filiação à ONG Associação para o Progresso das Comunicações (APC), especialmente entre jornalistas e BBSzeiros, para obtenção de uma conexão Internet.

Foi ao Alternex que recorri quando, em 1994, entrevistando John Perry Barlow, fundador da Eletronic Frontier Fundation (EFF), falecido na semana passada, ele me intimou a ter um e-mail pessoal conectado à BitNet e um acesso discado à Internet, antes mesmo da Web aportar por aqui.

Entre os veteranos no uso da Internet no Brasil, há muitos que ainda se orgulham de ter tido o primeiro endereço de e-mail com o sufixo @ax.apc.org.

Após a Eco 92, reportagens sobre a Internet espalharam-se pelas páginas dos jornais brasileiros, extrapolando o espaço dos cadernos especializados em informática, onde os BBSs e as listas de discussão já eram citados em profusão.

Quando em 1995, influenciado por Betinho e por Tadao Takahashi, então coordenador da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), o Ministro das Comunicações, Sérgio Motta, decidiu que o acesso à Internet não seria monopólio da Embratel, os BBSs foram instados a ser os primeiros provedores de acesso comercial à rede.

Com difícil acesso à Embratel e às teles locais, os BBBs que se aventuram no negócio de provimento de acesso tiveram que utilizar todas as armas possíveis para conseguir um "lugar ao sol". Foram dias difíceis. Tudo era muito incipiente. Até porque o negócio era extremamente caro e a tecnologia ia surgindo e mudando praticamente a cada mês, gerando
diferenciais competitivos extremamente difíceis de acompanhar.

Em São Paulo, por exemplo, uma única linha telefônica chegava a custar até U$ 5 mil. Isso claro, quando se conseguia comprar uma, já que a operadora local, a Telesp, mantinha o discurso padrão: falta de linha em função do início da migração do serviço analógico para o digital.

Nessa luta para superar as adversidades ligadas à tecnologia – à parte das linhas telefônicas, o custo da montagem da infraestrutura necessária para suportar a operação, entre roteadores e servidores, também era extremamente elevado – os provedores de acesso existentes tentavam impulsionar o mercado e disputavam os poucos usuários existentes. De cara, estabeleceram uma política parecida para venda do serviço. A média de preço adotada pelo mercado era de R$ 35,00 por 10 horas de acesso, como lembra Antonio Alberto Valente Tavares, primeiro presidente da Associação Brasileira dos Provedores de Acesso à Internet (Abranet), fundada em 7 de novembro de 1996.

Deu certo. Rapidamente os pioneiros começaram a assistir à proliferação de novos usuários, solicitações de registros e lançamentos de serviços dos mais variados sabores.

De lá para cá, a história é bem conhecida. E, aos poucos, os BBSs deixaram de existir, deixando saudades.

Havia um senso de comunidade local nos BBSs que a vasta Internet jamais foi capaz de suprir, na minha opinião. mesmo depois do surgimento das redes sociais. Os BBSs foram grandes agregadores. Não sei se podemos falar o mesmo das redes sociais.

Se você foi BBSzeiro, sabe bem do que estou falando. Se não foi, não sabe o que perdeu!

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.