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Cristina de Luca

Fake news: TSE ouve FBI dia 5 de março, prazo final para editar resoluções

Cristina De Luca

03/03/2018 09h00

Termina nessa segunda-feira, 5 de março, o prazo para que o Tribunal Superior Eleitoral publique todas as resoluções que deverão reger a campanha política de 2018. Também  foi convocada para essa segunda-feira a reunião do conselho consultivo criado para tratar questões relativas à Internet na propaganda política, incluindo fake news, para ouvir o que representantes do FBI têm a dizer a respeito. A pauta da reunião é bem clara: "Experiência do FBI – combate às fake news".  O tribunal montou uma força-tarefa junto com a PF (Polícia Federal) para tentar inibir a divulgação de notícias falsas durante a eleição e quer ouvir os gringos .

A corrida contra o tempo é grande. Nessa sexta-feira, 2 de março, terminou o prazo para que os integrantes do conselho consultivo do Tribunal enviassem suas colaborações para elaboração das resoluções que devem tratar do impulsionamento de propaganda nas redes sociais e criar mecanismos para tentar coibir fake news.

Conversei, por telefone, com o presidente da Safernet, Thiago Tavares. Segundo ele, o entendimento da maioria segue sendo o de que o TSE deverá agir bem mais na origem do problema fake news, para tentar reduzir as denúncias que certamente surgirão. E tratá-las sempre publicamente. "Cheguei a propor que o tribunal crie uma espécie de catálogo virtual com todos as denúncias recebidas, para facilitar o trabalho da imprensa e dos serviços de fact checking, nos moldes do mantido sobre fraudes cibernéticas pelo CAIS, da RNP", comenta ele.

"Cabe ao tribunal garantir que o debate político flua na sociedade sem constrangimentos, como em qualquer sociedade democrática", diz ele. Mas é lógico que o TSE continua bastante preocupado em evitar que esse debate seja manipulado.

"A questão aqui é como, já que o remédio pode matar o doente. É preciso encontrar a dose certa, para mitigar os riscos sem atingir órgãos vitais para a liberdade de expressão", afirma Tavares.

Segundo ele, já estaria descartada a possibilidade de a própria comissão atuar como uma espécie de classificadora de fake news. "A avaliação do que é ou deixa de ser uma notícia falsa é dos juízes eleitoral", diz o executivo.

As contribuições enviadas ontem pela Safernet ao TSE (disponíveis no fim deste artigo) tocam nos três pontos críticos que preocupam a todos em relação às regras que devem regular as Eleições de 2018: as formas de coibir a propagação de desinformação e conteúdo veiculado de forma intencional para tentar manipular a vontade do eleitor; os meios para assegurar a transparência no financiamento das campanhas, já que o impulsionamento da propaganda está liberado; e a agilidade no cumprimento de ordens judiciais para remoção de conteúdos, que vem sendo objetivo de praticamente todos os projetos de lei em debate no Congresso para criminalizar a prática.

"Nós, na Safernet, estudamos profundamente tudo o que aconteceu na eleição americana e concluímos que seria possível minimizar muito o problema das fake news impedindo que práticas usadas pelos propagadores lá não pudessem ser usadas aqui, como a questão de impulsionamento de material com conotação política. Reconhecido como tal, esse material só pode ser pago por cartão de crédito e transferência bancária, nunca por boleto, para facilitar a rastreabilidade", diz ele.

Projetos de Lei tentam calar os críticos
Tavares acredita que muitos desses projetos lei em tramitação no Congresso, incluindo o que deve ser debatido na próxima segunda-feira pelo Conselho de Comunicação Social, podem, sem exceção, ter efeitos colaterais danosos para a liberdade de expressão e outros princípios constitucionais. Em comentário no Facebook, Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS), diz que todos os PLs apresentados, com exceção da minuta do que, em tese, será debatido no CCS, têm implicação diretas também no trabalho jornalístico e  na liberdade de imprensa.

No jornal O Globo de hoje, o presidente do Senado diz que não dará prosseguimento ao anteprojeto da CCS, por que o órgão não tem competência para propor PLs. Mas, pensando bem, mantido o debate, o CCS poderá validar muitos dos PLs já em tramitação. A minuta é muito similar ao que muitos deles já propõem, em termos de mudanças do Código Penal, principalmente. Inova justamente em um de seus pontos mais polêmicos: a definição de fake news (imagem abaixo).

Todos os estudiosos da Internet se preocupam com agora com a clara cooptação do medo sobre os efeitos da propagação de fake news durante o período eleitoral para tornar legítimos mecanismos que autorizem a retirada de conteúdo da internet sem ordem judicial.

Definir fake news é muito difícil. Mais difícil ainda é delegar ao Estado o papel de árbitro da verdade. "Essa definição fala em veracidade do fato. Quem vai ser o árbitro dessa veracidade? Quem vai ser o árbitro da verdade?", questiona Thiago Tavares.

Essa é a grande questão, sobre a qual muitas nações se debruçam hoje. Nos Estados Unidos, no Reino Unido, Alemanha, na França, em toda a Comunidade europeia, o assunto está na pauta do dia.

Volto a frisar: Não é tema para ser resolvido no calor dos acontecimentos.  Thiago Tavares concorda. "Se a eleição fosse a maior preocupação, deveriam ter tratado de olhar para a lei eleitoral, que já criminaliza a propagação de calúnias e notícias falsas", diz ele.

Fui olhar o Código eleitoral. De fato, os artigos 324, 325 e 326 tratam dessa questão, mas em relação à calunia, difamação e injúria na propaganda eleitoral.

Perguntinha básica: se nossos doutos congressistas não trataram do assunto na revisão da legislação eleitoral, poderia o TSE agora definir que fake news é um dos tipos de propaganda eleitoral? Nesse caso, já estaríamos criminalizando a prática durante a eleição.

Aí, restaria saber como fiscalizar e atuar nos casos de violação. Algo sobre a qual os integrantes do Conselho Consultivo devem ter se debruçado em suas contribuições.

O dever de casa da Safernet tem várias proposições bastante interessantes, a meu ver. Mas deixo que cada um de vocês chegue às suas próprias conclusões.

À Sua Excelência
Ministro Luiz Fux
Presidente do TSE
Ref: contribuição para o aperfeiçoamento das resoluções do TSE sobre as eleições de 2018

Exmo. Senhor Ministro
A SaferNet Brasil, associação civil sem fins lucrativos e econômicos, sem qualquer vinculação político-partidária, ideológica ou religiosa, com atuação em todo o território nacional, tem a elevada satisfação em oferecer as seguintes sugestões para o aperfeiçoamento das resoluções que tratem da utilização da Internet durante as Eleições de 2018, objeto de discussões no Conselho Consultivo instituído pela Portaria-TSE nº 949, de 7.12.2017, do qual estes signatários têm a honra de serem membros.

Os subsídios apresentados nesta contribuição são fruto de estudos independentes e levam em consideração os debates travados no Conselho Consultivo do TSE, como também algumas lições apreendidas com a experiência internacional dos signatários no estudo da matéria. As sugestões apresentadas são também fruto do diálogo com diversas instituições da sociedade civil interessadas no assunto.

As sugestões que ora apresentamos destinam-se, especificamente, a contribuir para as resoluções do TSE que tratem da utilização da Internet durante as Eleições de 2018.

1) transparência e accountability
• Publicização de lista contendo informações referentes à publicidade e impulsionamento de conteúdo, relacionando qual o conteúdo impulsionado, dados sobre o financiador do impulsionamento, valores envolvidos e especificações do impulsionamento, incluindo, ao menos, duração e critérios estabelecidos pelo financiador para definição do público-alvo;

• Identificação clara e ostensiva do conteúdo eleitoral impulsionado ou divulgado como publicidade para usuários de plataformas, permitindo acesso à informações acerca do financiador do impulsionamento, valores envolvidos e especificações do impulsionamento para os usuários que visualizarem o referido conteúdo;

• Deverão ser disponibilizados relatórios periódicos no qual esteja demonstrado o resultado das operações de anúncio e impulsionamento de conteúdo, incluindo o volume de usuários atingidos por anúncio e respectiva ação de impulsionamento;

• Vedação à utilização como critérios para impulsionamento características do público-alvo relacionadas a atributos sensíveis como origem racial ou étnica, convicções religiosas, a filiação a sindicatos ou organizações de caráter religioso, dados referentes à saúde ou à vida sexual;

• Vedação aos chamamos "hidden posts" ou "dark posts" 1 (sic), postagens pagas direcionadas a um público específico que o resto da população não consegue ver;

• Vedação do pagamento de anúncios e impulsionamento de conteúdo político em moeda estrangeira, como também através de boleto bancário ou qualquer outra modalidade de pagamento que impeça ou dificulte a rastreabilidade da origem dos recursos;

• Deverá ser criado um painel de informações (dashboard), atualizado em tempo real, com indicadores sobre decisões judiciais cumpridas e não cumpridas, tempo de resposta das plataformas, número de páginas e itens de conteúdo removidos, número de quebras de sigilo deferidas e respectivo número de usuários afetados, e outros indicadores de interesse da sociedade, candidatos, partidos e coligações.

2) isonomia econômica (na precificação dos anúncios)
• Devem ser tomadas as medidas necessárias ao estabelecimento de precificação  equilibrada em relação a anúncios e impulsionamento realizados por diferentes candidatos e coligações, de forma a que critérios de precificação diferenciada não ensejem o favorecimento de determinado candidato ou coligação em relação a
outra;

• As plataformas deverão disponibilizar ao TSE as medidas tomadas e critérios de precificação a serem aplicados aos anúncios e impulsionamento de conteúdo por candidatos e coligações até 60 dias antes do início da veiculação dos mesmos.

3) media literacy, fact-checking e jornalismo colaborativo
• Devem ser estimuladas iniciativas educativas com foco na conscientização do eleitor para reconhecer e não compartilhar conteúdos fraudulentos e desinformação;

• Deve ser estimulado o engajamento do TSE nas iniciativas multisetoriais voltadas a promover a checagem em tempo real de informações (fact-checking) como também de jornalismo colaborativo, a exemplo das iniciativas First Draft2 e Election 3Land, que se revelaram muito bem sucedidas em eleições recentes nos EUA, Reino Unido, França e Alemanha.

• Deverá ser criado um catálogo público4 online com conteúdos alegadamente fraudulentos, que tenham sido reportados por candidatos, partidos, coligações e entidades credenciadas da sociedade civil, de modo a facilitar o trabalho de verificação e checagem pelos veículos de imprensa tradicionais e pelas agências de checagem de dados/fatos.

4) Acompanhamento e atualização
• Será formado um grupo de caráter consultivo com a função de, a partir da implementação da normativa eleitoral, avaliar seu impacto e sugerir soluções.

Consideramos que implementação eficaz das medidas acima elencadas teria os predicados de garantir a higidez do ambiente de debate e do fluxo de informações na Internet durante o período de campanha eleitoral, podendo inclusive serem aplicadas de forma dinâmica, sem que incida nos problemas colaterais de alternativas que derivam
para a criminalização de determinadas condutas.

Estas últimas alternativas (de caráter criminal), além de apresentarem grave potencial de restringir liberdades fundamentais que são tanto mais importantes no momento do debate político democrático, quais sejam a liberdade de expressão e de informação, apresentam o risco de serem potencialmente ineficazes para serem aplicadas à dinâmica da Internet, dada a necessidade de atuação veloz e que se balize pela prevenção e não pela atuação a posteriori (uma vez que o debate eleitoral já tenha sido afetado, a criminalização de condutas pretéritas em nada modificará os resultados já obtidos).

São estas as sugestões que submetemos à elevada apreciação de Vossa Excelência e demais Ministros deste Egrégio Tribunal Superior Eleitoral.

Sem mais para o momento, aproveitamos a oportunidade para renovar nossos votos de elevada estima e distinta consideração.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.