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Cristina de Luca

Precisamos falar mais das fake news e da publicidade digital nas eleições

Cristina De Luca

30/06/2018 13h34

São dois fenômenos, muitas vezes indissociáveis: o início da propagação das fakes news e a publicidade digital nas mas mídias sociais. Como jornalistas, estamos bastante preocupados com o primeiro. E, me arrisco a dizer, descuidando um pouco do segundo.

Esta semana, durante o 13º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, desenvolvido pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), um grupo de 24 veículos de imprensa lançou oficialmente o projeto Comprova, inspirado no projeto francês CrossCheck, para investigar a desinformação online durante as eleições de 2018.

A iniciativa do Comprova é do projeto First Draft, do Shorenstein Center da Universidade Harvard, e além da adesão dos 24 veículos brasileiros conta também com o apoio da Abraji e do Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo) e financiamento do Google e do Facebook, que também esta semana, assinaram um acordo com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) comprometendo-se a prevenir e combater a desinformação gerada por terceiros, além de apoiar o tribunal em projetos de fomento à educação digital e iniciativas de promoção do jornalismo de qualidade.

Quem conhece as tratativas desse acordo entre as plataformas e o TSE garante que ele custou a sair por conta de impasses em relação às cláusulas que, na primeira versão, seriam mais específicas em relação, principalmente, no combate à propagação das fakes news.

O projeto Comprova vai ao cerne de uma das questões mais agudas do fenômeno das fakes news: a de que o melhor antídoto contra elas é a produção de notícias.

O projeto entrará no ar em 6 de agosto de 2018, data a partir da qual as redações dos 24 veículos passarão a escrutinar as redes sociais e checar se alguns dos posts, vídeos e fotos mais compartilhados são inverídicos, distorcidos ou descontextualizados. Cada informação suspeita terá de ser avaliada por checadores de duas redações diferentes. Após a checagem, os resultados serão publicados no site Comprova e poderão ser divulgados pelos veículos parceiros, além de serem distribuídos em redes sociais.

Há riscos a serem evitados, para que o projeto tenha a credibilidade necessária. Primeiro, o de se debruçar sobre notícias fraudulentas que ainda não tenham tido um grande alcance viral, para não ajudar uma versão ou um boato ainda fraco a ganhar fôlego. E segundo, o de evitar o viés que todo veículo de imprensa imprime ao noticiário ao fazer a sua leitura dos fatos.

Não por  acaso, todos os que se dedicam ao fact-checking consideram que sua eficácia é muito maior ao lidar com dados objetivos (como números e estatística geralmente exagerados ou distorcidos por políticos em campanha). Porém, é mais delicado quando a tarefa de checagem das informações lida com questões mais objetivas.  Nos dois casos, reza a cartilha do bom jornalismo que a análise parta da checagem da fonte. De saber se as informações  foram obtida por meio de fontes confiáveis e avaliar se foram distorcidas ou não.

Não por acaso, em recente participação no programa Globo News Painel, o jornalista Eugênio Bucci define fake news como uma notícia falsificada ou fraudulenta, criada e espalhada com a intenção de lesar alguém a partir da distorção, do exagero e da manipulação dos fatos.

De fato, há uma intencionalidade no erro malicioso, às vezes muito fácil de distinguir, às vezes não, especialmente quando a própria imprensa é induzida ao erro pela fonte primária, quando privilegiamos o jornalismo declaratório e esquecemos voluntária (ou involuntariamente) a investigação, que deveria ser o motor de qualquer notícia/reportagem.

A própria diretora da organização First Draft, Claire Wardle, afirma que a perda de credibilidade dos veículos profissionais de jornalismo potencializa a veiculação de notícias falsas.

A ideia de que contrapor opiniões, por si só, garante uma informação imparcial (como se isso pudesse existir) e, principalmente, a própria intenção dos veículos de comunicação de dar voz a alguns personagens eleitos como protagonistas de determinada área, são, a meu ver, ingredientes perigosos nessa batalha entre a construção da notícia de qualidade e as fakes news, especialmente em período eleitoral.

Em 2014, em um artigo publicado pelo Observatório da Imprensa, Raul Ramalho alertava que, na política, o protagonismo direcionado e o jornalismo declaratório são bastante notórios. "A mídia dá voz a determinadas figuras e tudo o que elas dizem são manchetes automáticas", disse ele. Ato contínuo, a imprensa chamada alternativa inicia a batalha de narrativas, em prol do que acredita ser a verdade. É desse caldo de versões que os criadores das notícias fraudulentas se alimentam. E que, dependendo dos interesses, muitas coisas são taxadas de fake news sem o ser de fato.

Não podemos esquecer que o termo fake news foi apropriado, principalmente por políticos, para injuriar organizações jornalísticas cujas coberturas são consideradas negativas e até reprimir a liberdade de imprensa.

A equação na qual o projeto Comprova se encaixa é complexa: identificar as fakes news, desmenti-las,  punir os seus autores e evitar sua rápida propagação sem, com isso, ferir a liberdade de expressão e o direito dos eleitores à informação, para que formem o seu juízo.

A responsabilidade do Comprova é enorme! E seu êxito pode torná-lo o contraponto para, como bem definiu Bucci, a presunção das autoridades constituídas (TSE e cia, incluindo ABIN e Exército, principalmente) de serem, elas, o critério a separar o que é verdade e o que é mentira no caldo informacional.

O que mais preocupa a imprensa hoje é a censura disfarçada de combate às fake news. Não podemos esquecer que, durante a revisão da legislação eleitoral no Congresso Nacional, deputados e senadores autorizaram a remoção de conteúdo da internet sem a necessidade de autorização judicial. Artigo posteriormente vetado pela Presidência da República depois de muito barulho da opinião pública.

"A pior coisa que pode acontecer é o estado aparecer, como no livro de George Orwell, com um Ministério da Verdade encarregado de separar o que é verdade do que é mentira. A autoridade não pode fazer isso", afirma Bucci.

Por princípio, as pessoas precisam ter acesso a tudo o que está sendo publicado para que possam formar livremente a sua opinião. Nos cabe educá-las a conseguir separar os fatos das versões. A informação, da desinformação. Como fazer isso? Um dos caminhos é o jornalismo de qualidade, sem dúvida.

Como bem disse Bucci (foto) no Globo News painel, "o primeiro passo para entender o que é uma fake news é entender o que é news", disse ele.

Todo o esforço do Comprova tem a oportunidade, ímpar, de educar a população sobre o que é uma notícia, resultado da prática da reportagem. O material jornalístico por excelência é a reportagem, que consiste na coleta de dados, descrição e narração, sempre procurando explicitar o contexto em que tais fatos ocorrem. Como bem ressaltou a diretora do First Draft no palco do congresso da Abraji, em tempos de redes sociais, onde todas as pessoas têm a presunção de ser protagonistas da narrativa, "a mídia tem a missão de ensinar as pessoas como o jornalismo funciona".

Só o jornalismo de qualidade é capaz de educar o leitor a identificar o que é uma notícia, resultado do processo produtivo de informações compromissado com a veracidade, objetividade, honestidade, exatidão e credibilidade, fruto do exercício do jornalismo, da apuração, seleção e organização de informações transformadas em notícia num processo recheado de critérios e procedimentos padrão.

Nesse momento, explicitar os critérios e os procedimentos tornou-se algo imprescindível para a chamada educação midiática!

Espero que o Comprova deixe bem claro seus critérios e procedimentos.

E a propaganda digital?
Está claro que conceito de fake news tem zonas cinzentas e devemos continuar discutindo a respeito. Mas um fenômeno tão importante quanto, e muitas vezes indissociável a elas, é o da propaganda digital, especialmente durante o período eleitoral.

No Brasil, é grande a expectativa para que o TSE ainda aprimore a resolução que estabelece as regras da propaganda eleitoral no que tange ao impulsionamento de conteúdo por parte de candidatos e partidos. Ainda há tempo para isso. Uma das mudanças, por exemplo, é exigir o pagamento do impulsionamento através de meios que facilitem a identificação de quem pagou por ele.

O fato é que a publicidade digital _ e o impulsionamento de conteúdos inserido nela _ emergiu claramente como o meio preferido para candidatos para entrar em contato com seus eleitores.

A tecnologia de publicidade digital vem avançando quase tão rapidamente quanto a paisagem política, oferecendo campanhas com mais opções do que nunca para alcançar efetivamente seu público.

No entanto, é mandatório que os estrategistas de campanha não só mantenham um olhar atento sobre o ambiente regulatório _ à medida que os reguladores resolvam as possíveis preocupações trazidas à luz no ciclo eleitoral de 2016, nos Estados Unidos, quando ficou comprovado que segmentar mensagens para os eleitores certos, no momento certo, pode ter consequências para toda a sociedade _ como se comprometam, de fato, com condutas éticas como as propostas por movimentos como o "Não Vale Tudo" e o código de conduta da Associação Brasileira dos Agentes Digitais (ABRADi), que até aqui vêm tendo pouquíssima exposição na grande mídia.

As plataformas também precisam fazer a sua parte, e suas iniciativas também precisam ser bem divulgadas. Por exemplo, o Facebook acabou de fazer algumas alterações adicionais em seus termos e políticas.  Os usuários que desejarem, agora podem ver todos os anúncios que uma Página está veiculando na própria rede social, no Instagram, no Messenger e na rede de parceiros da empresa, mesmo que esses anúncios não sejam exibidos especificamente para esses usuários. Já ajuda, desde que a população saiba como usar essa ferramenta a seu favor.

Precisamos debater mais como os algoritmos que irão impulsionar as propagandas funcionam. No limite dos segredos comerciais, as plataformas precisam ser provocadas a revelar como a propaganda eleitoral e o direito de resposta funcionarão. Dar toda a transparência possível ao processo algoritmico. Até para mostrar que todos os partidos tiveram aceso às mesmas condições de impulsionamento. Que cada real investido teve o mesmo peso, independente do candidato ou partido. Um candidato com mais poder financeiro pode até aparecer mais, desde que invista mais.O valor da visibilidade não pode variar demais… E sabemos que, no atual modelo, isso é quase impossível.

Como cada plataforma tratará a publicidade política é algo que elas precisam tornar mais claro, tanto para seus clientes (partidos, candidatos e as agências por eles contratadas), quanto para os eleitores em geral.

Mais uma vez estamos diante da questão de transparência de critérios e procedimentos. Do Marketing Político, agora.

O leitor/eleitor não precisa de tutela. O que ele precisa é conhecer bem as regras de cada lance do jogo político.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.