Ter uma autoridade de proteção de dados é preciso. Mas como? Temer vetará?
É consenso de que a nova Lei Geral de Proteção de Dados será letra morta sem a existência de um órgão fiscalizador. Por isso, o anteprojeto do Poder Executivo enviado para Congresso ainda no governo Dilma, previa a existência da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (APD). Após muitos debates na Câmara e no Senado, os revisores do projeto de lei decidiram ampliar os artigos a respeito do órgão, definindo sua criação e suas atribuições. Agora, diferentes correntes dentro do governo Temer tentam influenciá-lo sobre como lidar com essa questão, uma vez que a criação de um "órgão integrante da administração pública federal indireta, submetido a regime autárquico especial e vinculado ao Ministério da Justiça", conforme especificado no artigo 55 da lei, é prerrogativa do Poder Executivo.
A Lei Geral de Proteção de Dados ainda não chegou ao Planalto. Após recebê-la, Temer terá 15 dias para sancioná-la.
A Secretaria de Políticas Digitais (Sepod), ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC), já deixou claro que vai recomendar ao presidente que vete a criação da ANPD.
O veto já era uma predisposição da Casa Civil durante as negociações que determinaram o célere trâmite do PLC 53/2018 na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. E a possibilidade de que ocorra é grande.
Muitos técnicos do governo consideram os artigos que criam a ANPD inconstitucionais. Discordam da tese, prevalente até aqui, de que a prerrogativa do executivo é somente a definição da estrutura desse órgão, sua dotação orçamentária, etc. E argumentam que, como está, o texto legal contém um"vício de origem", uma vez que o texto do projeto de lei enviado pelo Poder Executivo ao Congresso, ainda no governo Dilma, limitava-se a mencionar apenas a existência de um órgão competente com atribuições para zelar pela implementação e fiscalização da aplicação da lei.
Em declaração ao jornal Valor Econômico, o deputado Orlando Silva, autor do texto aprovado pelo Congresso, discorda do vício de origem. Diz que apenas aprimorou o texto do Executivo. Estudiosos do tema vão na mesma linha, e ressaltam ainda que, apesar de dizer "fica criado o órgão competente", a lei aprovada não cria nenhum cargo, não cria nenhuma despesa direta e sequer impede que o órgão seja criado através do remanejamento de funcionários públicos, por exemplo.
Insegurança jurídica
Fato é que muita gente considera que a mera alegação de vício de origem pode ser um empecilho para a imputação de multas, uma vez que os infratores poderiam se valer dela para questionar a legitimidade da ANPD.
Para evitar esse problema, bastaria o governo vetar os artigos que versam sobre a criação da ANPD e criar uma medida provisória que os restabeleça.
O argumento dos que defendem uma solução via medida provisória é o de que não haveria desgaste do governo no Congresso se ela apenas reproduzisse o texto já aprovado pelos deputados e senadores. A Presidência estaria apenas fazendo um ajuste formal. Seria a saída mais rápida para evitar a arguição de inconstitucionalidade e ainda complementar o que falta no texto legal para pleno funcionamento da ANPD após os 18 meses de vacatio legis.
Outra opção seria o envio de projeto de lei complementar, de tramitação mais lenta.
Há ainda no governo os que se preocupem com a criação de uma autarquia agora, já que a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe o governante de criar despesas novas por mais de dois anos sem apontar sua fonte de receita ou sem diminuir outras despesas existentes. O contra argumento é o de que não há necessidade grandes gastos iniciais. Como a lei só estará em vigência em 18 meses, nenhum gasto precisa ser feito imediatamente, esse ano.
O que não pode acontecer agora, de forma alguma, é o governo se escorar em argumentos técnicos, como o vício de origem, para esvaziar uma lei amplamente apoiada pela sociedade.
Todos os aspectos levantados aqui são passíveis de serem equalizados. É só querer.
Quem acompanha de perto a elaboração da lei nesses últimos 10 anos, ainda como anteprojeto do Ministério da Justiça, considera que o momento político é favorável a uma solução que contemple a criação da ANPD. Há apoio de toda a sociedade, que entende que muitos negócios estão represados pela falta de uma legislação geral de proteção de dados no país.
Independência é importante
A experiência internacional mostra que somente mediante a criação das ANPDs foi possível alcançar a tutela efetiva da privacidade dos cidadãos, e a segurança jurídica na aplicação da lei, tanto para o setor público quanto para o setor privado.
Em vários outros países onde existem, as autoridades de proteção de dados são autoridades públicas independentes que controlam, através de poderes de investigação e de correção, a aplicação da legislação relativa à proteção de dados. Prestam aconselhamento especializado sobre questões de proteção de dados e tratam reclamações apresentadas contra violações da lei. São dotadas de independência financeira e operacional e formadas por corpo técnico especializado.
Para especialistas, justamente por ter que fiscalizar o setor público, é imprescindível que não haja qualquer subordinação do órgão regulador à administração pública direta ou indireta.
Em junho desse ano, dezenas de organizações multisetoriais chegaram até a publicar uma carta aberta em defesa da criação de uma ANPD independente.
Mas, aludindo a questões orçamentárias, membros do governo Temer defendem que a autoridade não seja um órgão autônomo, e nasça vinculada a uma estrutura de governo já existente, como o Comitê de Estratégia Digital. É outra questão que ocupará os técnicos da Casa Civil. Todas as possibilidades estão na mesa. Imagino que o time técnico da Cava Civil siga hoje buscando uma resposta para saber qual a melhor opção à mão.
"A ANPD pode até começar pequena. mas ela tem começar da forma correta, com as prerrogativas certas de independência e autonomia. Colocá-la embaixo de qualquer órgão já existente é ruim. É necessário criar uma cultura administrativa institucional de proteção de dados e, para isso, a independência do corpo administrativo é essencial", pondera Danilo Doneda, advogado e professor na UERJ e do Instituto Brasiliense de Direito Público.
Alea jacta est!
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