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Cristina de Luca

O TSE tem muito a esclarecer sobre o combate às fake news

Cristina De Luca

12/10/2018 14h36

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou nesta quinta-feira (11/10) uma página na internet para ajudar a esclarecer o eleitorado brasileiro acerca das informações falsas e falaciosas que vêm sendo disseminadas pelas redes sociais. No entendimento da Justiça Eleitoral, a divulgação de informações corretas, apuradas com rigor e seriedade, é a melhor maneira de enfrentar e combater a desinformação.

Pelo link Esclarecimentos sobre informações falsas, qualquer pessoa pode ter acesso a informações que desconstroem boatos ou veiculações que buscam confundir os eleitores brasileiros, segundo o TSE.

"Diante das inúmeras afirmações que tentam macular a higidez do processo eleitoral nacional, nessa página o TSE apresenta links para esclarecimentos oriundos de agências de checagem de conteúdo, alertando para os riscos da desinformação e clamando pelo compartilhamento consciente e responsável de mensagens nas redes sociais", afirma o tribunal no texto de divulgação da iniciativa.

Fui conferir, e preciso revelar aqui toda a minha decepção. Curiosamente, não há lá qualquer informação sobre a onda desinformação que inundou o WhatsApp a respeito das duas candidaturas presidenciais que estarão no segundo turno. Apenas 4 notícias falsas sobre notícias fraudulentas envolvendo o próprio TSE e o processo eleitoral.

Não consta no site nem mesmo a fundamentação da determinação do ministro Carlos Horbach para que o Facebook remova, no prazo de 48 horas, conteúdo falso que associa o candidato Fernando Haddad (PT) ao planejamento de estratégia de desinformação contra seu adversário na disputa ao cargo de presidente da República.

Ao deferir parcialmente o pedido de liminar, o ministro Carlos Horbach considerou que apenas uma das 222 (!!!!) postagens questionadas pela coligação liderada pelo PT tinha informação inverídica e potencial lesivo à honra de Haddad. A grande maioria, na opinião do ministro, expressava opinião de eleitores sobre os candidatos, reproduzia matérias jornalísticas, fazia especulações sobre as conexões políticas dos candidatos, relacionando documentário histórico à ideologia de partido integrante da coligação ou criticando os mecanismos eletrônicos de votação.

O ministro explicou que é importante observar que a internet é um espaço democrático por excelência, pois possibilita que se estabeleça o contraditório no âmbito da própria plataforma que hospeda o conteúdo, no espaço reservado a comentários, o que efetivamente tem sido feito em muitas das postagens impugnadas.

"Tal circunstância esvazia o potencial lesivo dessas postagens, o que igualmente recomenda a preservação da liberdade de expressão no âmbito da internet", pontuou.

A liberdade de expressão do eleitor vem sendo usada pelos técnicos e ministros do TSE como principal argumento para evitar punições em relação à distribuição de fake news. Inclusive sobre a onda de desinformação que tomou conta do WhatsApp.  E esse comportamento do tribunal, na prática, tem levado a um excesso de circulação de fake news entre grupos de WhatsApp.

Entre os especialistas há os que já tenham, identificado mais de 100 mil grupos públicos apenas no WhatsApp, estruturados na forma de pirâmide, para "impulsionar" gratuitamente conteúdos de campanha, inclusive aqueles 100% fabricados com o objetivo de causar dano, espalhar desinformação e confundir o eleitor.

Na coletiva de imprensa logo após a tardia reunião do conselho consultivo criado pelo TSE para tratar do tema, três dias após a realização do 1º turno, o posicionamento do grupo foi o de que o estrago das fakes news (e foram muitas) foi menor do que o imaginado. Questionados por jornalistas sobre os parâmetros para esta avaliação, os representantes presentes não souberam, ou não quiseram detalhar. Disseram apenas que essa avaliação teve como base as análises dos especialistas integrantes do grupo. E, principalmente, os conteúdos veiculados no Facebook e no Twitter.

A coletiva pós reunião acabou girando em torno da proposta feita dias antes pelo Ministério Público de se instituir direito de resposta também no WhatsApp. No Facebook e no Twitter, o direito de resposta já havia sido instituído previamente pela Justiça Eleitoral, para ser veiculado aos usuários atingidos pelas publicações fraudulentas. No Whatsapp, no entanto, apesar dos inúmeros alertas dos especialistas (e até mesmo da imprensa, como esse blog) não se chegou a debater o assunto. E muito menos, a existência da possibilidade técnica de viabilidade de implementação da medida.

Sabe-se que, agora, com o próprio TSE como alvo das fake news distribuídas por WhatsApp, o TSE acionou seus representantes para uma reunião a respeito. O encontro ainda não tem data marcada. O WhatsApp já haveria sinalizado o interesse em debater o assunto.

"Não compete ao conselho, nem o Tribunal, dizer como isso [o direito de resposta no WhatsApp] vai funcionar. Mas na nossa reunião houve preocupação de que hoje conseguimos alcançar direito de resposta em várias plataformas e precisamos tratar esse direito de resposta de modo uniforme entre as plataformas. Nem todos estão no mesmo nível de acessibilidade para gente fazer o melhor trabalho possível", disse o secretário-geral da presidência da Corte, Estevão André Waterloo.

Questionado sobre que providências seriam tomadas pelo conselho para enfrentar o problema da disseminação de mensagens falsas, o Waterloo disse que conselho e TSE possuem papéis diferentes. Segundo ele, a corte age quando provocado por candidatos ou pessoas atingidas por conteúdos enganosos. Nestes casos, estão sendo tomadas medidas como retirada de conteúdo e direito de resposta. Em uma das decisões, o ministro Sérgio Banhos determinou a retirada de 33 fake news contra a candidata a vice-presidente Manuela D'Ávila (PCdoB). Em setembro, a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) obteve a remoção de um conteúdo considerado falso. Antes da campanha oficial, Marina Silva também (REDE) conseguiu no Tribunal a retirada de posts que apontavam a candidata como envolvida em esquemas de corrupção.

"Essa iniciativa do TSE de criar um conselho não se confunde com as atribuições do tribunal. O que o TSE está fazendo em termos de notícias falsas? Ele é provocado mediante denúncias de propaganda irregular. Das 29 representações por propaganda irregular, 27 já foram julgadas", registrou o jornalista Jonas Valente, da Agência Brasil.

"Na linha tênue entre controle ou não, regulação ou não [de notícias falsas], nós vamos sempre privilegiar a liberdade de expressão", ressaltou Waterloo, assinalando que fake news se contesta com informação verdadeira e fidedigna.

A reportagem da EBC reconhece que a disputa do 1º turno foi marcada por diversas notícias falsas. Agências, sites e projetos de checagem produziram milhares de desmentidos. Só a candidatura de Fernando Haddad (PT) apresentou ao tribunal 92 páginas de denúncias recebidas, tendo obtido duas decisões favoráveis, com a remoção de 68 publicações em redes sociais como Facebook e YouTube.

No tocante às suspeitas levantadas contra a Justiça Eleitoral, Waterloo disse à EBC que não cabe ao TSE responder por seus canais de comunicação, enquanto no plano judicial essa representação tem que ser feita pela Advocacia-Geral da União e pelo Ministério Público Eleitoral. Sobre as denúncias, ele destacou que não houve comprovação de fraude, mas disse que a Corte estuda um aplicativo próprio para receber esse tipo de reclamação. Mas não soube informar se tal canal estará disponível no 2º turno.

A presidente do TSE, ministra Rosa Weber, anunciou que um grupo, composto por servidores do TSE, atuará no segundo turno do pleito deste ano para identificar as notícias falsas que buscam atingir a imagem da Justiça Eleitoral.

Já nos TREs….
Se o TSE parece estar lavando as mãos em relação à possibilidade de manipulações do resultado dos pleitos, escondendo-se atrás do argumento da liberdade de expressão do eleitores, o mesmo não se pode dizer de alguns tribunais regionais.  A Assessoria de Comunicação do TRE de Santa Catarina informa, em nota publicada no site do tribunal regional, que o presidente do órgão acionou a Polícia Federal para investigar fake news.

A Justiça Eleitoral já identificou elementos e fontes produtoras e disseminadoras de notícias falsas, inclusive fora do estado de Santa Catarina, que foram repassados à Polícia Federal, com vistas à apuração das condutas apontadas e à identificação dos responsáveis.

"Os produtores e disseminadores de fake news, inclusive de outros estados, que atacam com mentiras a Justiça Eleitoral e o processo eletrônico de votação, serão investigados pela Polícia Federal", afirmou o presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, desembargador Ricardo Roesler, na tarde desta quarta-feira (10), ao requisitar abertura de inquérito à PF.

A iniciativa partiu da preocupação com a maciça disseminação e divulgação de notícias falsas (fake news) nas eleições gerais de 2018, em especial em relação à confiabilidade do sistema eleitoral, com o intuito de gerar tumulto no processo eleitoral.

"O mundo vive um déficit de confiança que vem alimentando intolerância, ódio, polarização e populismo, fatos que se refletem neste momento. O direito de manifestação não é absoluto, e não pode servir de instrumento à desestabilização social", asseverou o presidente no ofício encaminhado à superintendente regional da Polícia Federal em Santa Catarina, Paula Dora Aostri Morales.

Além disso, o dirigente do TRE catarinense demonstrou indignação com as tentativas de descrédito por meio da distorção da verdade. "Precisamos atuar firmemente, a fim de coibir essas nefastas práticas que ofendem não apenas a Justiça Eleitoral, mas, sobretudo, o Estado Democrático de Direito, que está sendo lesado. É preciso agir para restabelecer a paz social, que se viu, e se vê, ameaçada por ações irresponsáveis daqueles que imaginam que seus atos não terão consequências, divulgando, sem checar as fontes e a veracidade das notícias, imagens e áudios", afirmou o magistrado.

Proposta
Há uma proposta na mesa de que  o conselho consultivo de combate às fake news do TSE tenha caráter permanente em razão das eleições futuras e se reúna a cada 30 dias.

Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE

O Conselho Consultivo é formado por 14 integrantes. No colegiado, há representantes da Justiça Eleitoral, do Ministério Público, do Ministério da Defesa, do Ministério da Justiça, do Departamento de Polícia Federal, do Ministério da Ciência e Tecnologia, entre outros órgãos públicos, e da sociedade civil.

De acordo com a portaria que o criou, as atribuições do Conselho Consultivo são: desenvolver pesquisas e estudos sobre as regras eleitorais e a influência da internet nas eleições, em especial o risco das fake news e o uso de robôs na disseminação das informações; opinar sobre as matérias que lhe sejam submetidas pela Presidência do TSE; e propor ações e metas voltadas ao aperfeiçoamento das normas.

Faria bem o conselho se se debruçasse sobre questões já apontadas por alguns de seus membros… Está claro que, pesquisando em fontes abertas sobre as estratégias das campanhas políticas para espalhar desinformação, as mais comuns (e de certa forma óbvias) são as seguintes:

1) Web-based services. Exemplos: http://www.fusionlabs.com.br/whatsapp-marketing/ e https://popularnasredes.com (desenvolveram até uma API)

2) Scripts de spam bombing (existem dezenas disponíveis gratuitamente no GitHub)

3) SIM Cards Farms que buscam contornar a solução anti-spam usada pelo WhatsApp, e que está bem descrita no pedido de patente registrado no USPTO: https://patents.google.com/patent/US8918473B1/en…

Além disso, "a pergunta mais relevante continua sem respostas: quem financia a operação das fábricas de fake news e as fazendas de robôs usados para amplificar desinformação?", ressalta o integrante do conselho e presidente da ONG Safernet, Tiago Tavares.

"O mais importante é investigar onde estão sendo produzidas essas notícias falsas, quem está pagando isso. Há difusão espontânea, mas há sinais claros de algum tipo de coordenação entre as fábricas de notícias falsas e a distribuição", disse ele ao jornalista da Agência Brasil.

O futuro da nossa cambaleante democracia depende cada vez mais dessa resposta.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.