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Cristina de Luca

A Inteligência Artificial pode tirar empregos; o que o Brasil deve fazer?

Cristina De Luca

26/02/2019 20h00

A corrida para se tornar líder global em Inteligência Artificial (IA) começou oficialmente. Nos últimos quinze meses, Canadá, China, Dinamarca, Comissão da UE, Finlândia, França, Índia, Itália, Japão, México, a região formada pelos países nórdicos e bálticos, Cingapura, Coréia do Sul, Suécia, Taiwan, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido divulgaram suas estratégias para promover o uso e o desenvolvimento da IA.

Não há duas estratégias iguais. Cada nação foca em diferentes aspectos da política de IA: pesquisa científica, desenvolvimento de talentos, habilidades e educação, adoção do setor público e privado, ética e inclusão, padrões e regulamentos e infraestrutura digital e de dados. De acordo com a organização canadense CIFAR, nove dessas iniciativas são "totalmente financiadas e descrevem políticas específicas", enquanto as outras são "documentos orientadores que apresentam objetivos para orientar a formulação de políticas futuras".

No último dia 11 de fevereiro foi a vez de o presidente Donald Trump assinar um memorando ordenando que o governo dos EUA priorize a Inteligência Artificial em seus gastos com pesquisa e desenvolvimento. Sua preocupação como chefe de estado é assegurar que a IA se desenvolva de maneira refletir os valores dos EUA e impulsionar o treinamento da futura força de trabalho digital. Líderes da indústria de tecnologia também têm pressionado a administração Trump por fundos adicionais de P&D e por uma estratégia de educação mais focada nos impactos que a IA terá na força de trabalho.

A ação do governo americano segue os movimentos da China para estabelecer o domínio de uma tecnologia com implicações de longo alcance para a segurança nacional. O governo chinês fez da produção de IA uma prioridade nacional para os próximos anos, e muitas empresas estão implantando sistemas de aprendizado de máquina para atualizar serviços bancários, identificar rostos em multidões e controlar drones.

Em qualquer lugar do mundo, os impactos da IA já podem ser visto em residências, empresas e na gestão pública. Já conversou com um chatbot inteligente? Usou os atalhos do correio eletrônico e dos aplicativos de mensageria? Pediu para o celular para te dizer algo ou apontar um caminho?

Incorporados aos robôs, em breve os sistemas de Inteligência Artificial estarão dirigindo carros, auxiliando em cirurgias, gerenciando armazéns e linhas de produção e cuidando dos jovens e idosos.

Mas, se mal usada, a IA pode nos colocar diante de de desafios desagradáveis, como algoritmos inescrutáveis, decisões automatizadas pouco transparentes, uso antiético de dados e destruir empregos.Muitas profissões existentes hoje deixarão de existir.  Outras serão criadas. E os novos empregos não serão necessariamente ocupados pelas pessoas que perderam os seus antigos trabalhos.

Por isso, governos, setor privado, a sociedade civil, a academia e todas as partes interessadas em seu uso precisarão cada vez mais se debruçar sobre os princípios, diretrizes e objetivos que nortearão a adoção da IA nacional e globalmente.

No Brasil, a IBM e alguns outros associados da Brasscom (Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação) iniciaram 2019 dispostos a debater entre si, e com o governo, a necessidade de o Brasil ingressar no rol de países que já contam com uma estratégia para lidar com a tecnologia e seus impactos e lançar, ainda este ano, as bases para uma Política Nacional de Inteligência Artificial que assegure o nosso desenvolvimento econômico e social.

Há consenso entre membros do legislativo e do executivo, bem com entre algumas empresas, de que não podemos olhar a Inteligência Artificial como uma ameaça. Pelo contrário. Ela é um fator de desenvolvimento para os próximos anos, e como tal deve ser tratada.

Em um vídeo disponibilizado nesta terça-feira, 26/2, no YouTube, Fabio Rua, diretor de Relações Governamentais da IBM, aborda quatro eixos que ele julga essenciais para o desenvolvimento de um plano robusto, ambicioso e com ações concretas para o avanço da Inteligência Artificial no Brasil, considerando o avanço da tecnologia no país, a integração e reestruturação de ações do setor público, a qualificação profissional e a privacidade dos cidadãos. Vale assistir.

A IBM vem inclusive assessorando o deputado Professor Israel Batista (PV-DF) em sua iniciativa de criação de uma Frente Parlamentar de Inteligência Artificial que trabalhe na elaboração de um plano nacional de educação para Inteligência Artificial. Nesse momento o deputado ainda colhe assinaturas para a formalização da frente na Câmara dos Deputados.

Já na Brasscom, os debates internos com os associados e as articulações junto ao governo federal também estão em andamento, segundo André Echevarría, diretor de Inovação e Transformação Digital da entidade.

"Nossa intenção é construir uma primeira abordagem internamente, com nossos associados, e a partir daí amadurecer a construção de um documento com as sugestões da entidade. Esse documento, quase sempre, é apresentado a outras associações que tenham interesse no tema,  para colher mais subsídios e angariar apoios e, depois, entregue ao governo federal para auxiliá-lo na proposição de uma política pública", explica André.

"A elaboração de uma política desse tipo deve ser uma construção coletiva", diz ele.

O trabalho agora é de sensibilização para que a necessidade de uma Política Nacional de Inteligência Artificial entre na agenda do executivo e do legislativo, para que ambos os poderes enxerguem os riscos inerentes da IA como geradores de vantagem competitiva para o país.

"Quanto mais domínio tecnológico os brasileiros tiverem sobre a IA, maior poderá ser o nosso apetite ao risco, capaz de gerar vantagem competitiva", comenta André, lembrando que uma estratégia que aceita certos elementos do risco –em vez de apenas fugir deles – pode não apenas transformar os desafios e as crises em oportunidades, mas ser fundamental para o crescimento de longo prazo. Um bom gerenciamento de riscos maximiza a chance de crescimento bem-sucedido, sustentável.  Não por acaso, o Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial deste ano identifica como tecnologias que necessitam de maior nível de governança a nível global a Inteligência Artificial e a robótica, a biotecnologia e a neurotecnologia. Todas interdependentes. Será que estamos lidando com essas tecnologia de forma apropriada?

"Ainda dá tempo de escolher o que nós queremos da Inteligência Artificial", diz André.

Sua fala me fez lembrar da participação do então diretor do Departamento de Políticas e Programas de Apoio à Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações,Jorge Mario Campagnolo, em uma audiência pública realizada em outubro do ano passado para discutir as implicações legais da adoção de recurso da Inteligência Artificial no setor produtivo.

Campagnolo foi muito feliz em enumerar as razões pelas quais uma estratégia nacional de Inteligência Artificial não deve contemplar somente uma regulação. E que essa regulação, embora necessária, também não deve ser restritiva em excesso. Ele não poderia ter sido mais claro:

"Quanto à evolução tecnológica, queremos uma legislação que possibilite a sua rápida adequação.

Quanto à inovação tecnológica, queremos uma legislação que não seja obstáculo à inovação tecnológica.

Quanto ao emprego, queremos uma legislação que valorize a inteligência artificial como elemento indutor da qualificação do trabalhador e da melhor relação empregador-empregado.

Quanto à responsabilização, queremos uma legislação que responsabilize os fornecedores de soluções de inteligência artificial incorporadas a produtos e serviços. Questões técnicas. Segurança cibernética. Estas também são preocupações que temos.

Precisamos de uma legislação que garanta a segurança e a proteção de dados e informações na aplicação da inteligência artificial.

Quanto à interface homem-máquina, queremos uma legislação na qual o uso da inteligência artificial não seja obstáculo da interação homem-máquina no ambiente produtivo.

Quanto aos direitos autorais, queremos uma legislação que assegure o direito da propriedade intelectual das soluções de inteligência artificial incorporadas a produtos e serviços".

É bem por aí.

A recente enxurrada de estratégias de IA sinaliza um crescente interesse entre os formuladores de políticas em todo o mundo nos potenciais benefícios e custos da IA.

Vale ressaltar que pelas estimativas da Brasscom, o mercado Brasileiro de IA movimentará R$ 1,1 bilhão até 2021. Isso sem contar toda a IA utilizada em outros segmentos como Internet das Coisas, Segurança, Big Data e Analytics.

Os próximos meses prometem ser movimentados.

Como bem lembra Andriei Gutierrez coordenador do "Movimento Brasil, País Digital", em artigo recente, "progressos  na economia e na sociedade necessitam de avanços mais céleres. Precisamos que o Brasil avance ao ritmo digital, exponencial. Demandas não faltam: desburocratização, transparência, abertura e interoperabilidade de dados, conectividade, atualização regulatória e, por que não, uma estratégia nacional para Inteligência Artificial."

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.