E aí Casa Civil, o Comitê Gestor da Internet acabou? Vai acabar? Ou não?
Desde a manhã a sexta-feira, 12 de abril de 2019, a apreensão tomou conta do Ministério de Ciência Tecnologia Inovações e Comunicações (MCTIC), do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e de toda a comunidade internacional – externadas por membros do Lacnic (Latin America and Caribbean Network Information Centre) e da Icann (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers) – sobre o destino do Comitê Gestor da Internet, após a publicação do Decreto 9.759/2019, assinado pelo Presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, extinguindo automaticamente colegiados (conselhos, comitês, grupos, mesas, câmaras etc) da administração pública direta, autarquias e fundações.
Até o fim da sexta-feira persistiam as dúvidas sobre o alcance da medida. Afinal de contas, o CGI está ou não entre os colegiados extintos? Se estiver, será recriado? Se não estiver, não seria o caso da Casa Civil, instada pelo MCTIC vir a público o quanto antes deixar isso o mais claro possível?
O entendimento da maioria dos conselheiros do CGI.br, e de membros do MCTIC e do Ministério da Economia, é o de que o CGI.br não foi afetado pela canetada presidencial. Muitos indícios confirmariam essa hipótese. Entre eles, o fato de o CGI ter passado por mudanças em sua composição em fevereiro deste ano, com a nomeação de dois novos representantes da Anatel, através de portaria conjunta assinada pelo próprio ministro chefe da Casa Civil e o ministro da Ciência Tecnologia Inovações e Comunicações. Há quem entenda que essa nomeação enquadraria o CGI no parágrafo único do artigo quinto do Decreto 9.759/2019, que diz que a extinção dos colegiados a partir de 28 de junho de 2019 não se aplica a aqueles criados ou alterados por ato publicado a partir de 1º de janeiro de 2019.
Há ainda uma portaria do Ministério das Relações Exteriores (MRE), publicada a poucos, dias que também reforça a hipótese de continuidade do CGI. Ela diz que cabe ao Departamento de Promoção Tecnológica (DCT) do MRE "acompanhar e coordenar a participação do Ministério nas reuniões do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), do Fórum do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (Fórum SBTVD), bem como nos demais órgãos colegiados em temas de sua responsabilidade".
Ambos, porém, não têm o mesmo peso do decreto que modificou o Comitê Gestor da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – CG ICP-Brasil, ligado ao Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI, antes do "revogaço" dos colegiados. Parece que a Casa Civil e a Presidência da República não tiveram o mesmo cuidado com o CGI, que tem uma importância igual ou maior pra estabilidade, resiliência e segurança da rede no Brasil.
O CGI.br é responsável pelo .br e pelo IX, duas infraestruturas críticas para o funcionamento da rede no país. O domínio .br completa 30 anos no próximo dia 18 de abril. Tem embaixo dele mais de 120 subdomínios e 4 milhões de nomes de domínios registrados.
Nos últimos dois anos, debates em torno da reestruturação da composição do CGI.br intensificaram-se. A sociedade clama por maior representatividade de atores da nova economia digital e do próprio governo na entidade, responsável por estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da Internet no Brasil e diretrizes para a execução do registro de Nomes de Domínio e alocação de Endereço IP (Internet Protocol), entre outras atribuições.
Uma definição clara das atribuições da entidade, bem como da sua composição, é importante para estabelecer o peso de sua atuação e proporcionar segurança e confiança em suas decisões.
O Marco Civil da Internet, por exemplo, atribui ao CGI.br e à Anatel a responsabilidade de definir os critérios para a regulamentação da discriminação ou degradação do tráfego que caracterizem violações do princípio de neutralidade de rede.
Há ainda quem sustente que o CGI não é um órgão da administração direta, autárquica e fundacional e não receba 1 centavo do orçamento. "Ao contrário, até ajudamos a pagar participações…", me disse um conselheiro. O que faria com que o CGI não se enquadrasse no decreto.
Hoje a atuação do CGI.br é viabilizada pelos recursos gerados pelo NIC.br, uma associação privada, sem fins lucrativos, responsável pela gestão do domínio .br no sistema de nomes de domínio na Internet.
Ao site Convergência Digital, o integrante por notório saber do Comitê Gestor, Demi Getschko sustentou essa tese: "Além de não gerar despesa no orçamento, [o CGI] não tem ônus, só ganhos", afirmou.
Já em entrevista ao site Telesíntese, o professor da escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), Carlos Ari Sundfeld foi categórico: "Com relação ao CGI.br, não é estatal de fato. Não é atingido pelo decreto". Sundfeld é autor, junto com André Rosilho, de artigo acadêmico que consolidou o entendimento de que o CGI faz parte de um sistema global, e portanto, não é governado pela administração pública.
Quem ganha com a extinção do CGI? Só as teles!
Em novembro de 2017, quando chegou ao fim a consulta pública sobre a reformulação do CGI.br, a maioria das contribuições recebidas recomendou que as atuais atribuições do CGI fossem mantidas, e que sua composição multissetorial fosse modificada de modo a manter a paridade entre os quatro setores, preservando o número de 21 membros, porém com cinco cadeiras para cada um deles (governo, terceiro setor, segmento empresarial e comunidade científica e tecnológica), e uma para um representante do NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR).
A exceção ficou por conta das propostas apresentadas pelos representantes das operadoras, a Febratel (Federação Brasileira de Telecomunicações) e o SindiTelebrasil (Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviços Móvel Celular e Pessoal), que recomendaram que o papel do CGI.br fosse apenas o de um organismo de assessoramento técnico do governo, tendo suas atribuições repassadas à Anatel.
"As atribuições do CGI não devem se confundir com os de uma agência reguladora. A responsabilidade pelas atividades de fiscalização e regulamentação, quando aplicável ou necessária ao ecossistema da internet, deve ser do estado brasileiro, por meio de uma agência reguladora com a criação de uma superintendência específica", pregaram as operadoras na ocasião.
Será?
O processo iniciado em 2017 parou. O documento com diretrizes e recomendações do CGI, que deveria ser analisado em conjunto com as contribuições recebidas na primeira rodada da consulta pública, aberta pelo próprio MCTIC, caiu no vazio. Havia a expectativa de que todo esse material embasasse a criação de um decreto presidencial.
E aí Casa Civil? É esta a carta que está na manga?
Dada a relevância do modelo de governança para o conjunto da sociedade brasileira, é fundamental que o governo submeta qualquer proposta de Decreto à consulta pública. Esse foi outro consenso da audiência promovida em 2017. E se o governo se interessar por ouvir os diferentes setores integrantes do novíssimo ecossistema da economia digital, deve continuar sendo esse o desejo da maioria, me arrisco a dizer.
A agitação da última sexta-feira deixou claro a preocupação de muitos, em diversos setores, com a possibilidade de extinção do CGI. Seria um baita retrocesso para a Internet no país, e mais um revés para a imagem do Brasil no exterior. Nosso modelo de governança da Internet é tido como paradigma de sucesso em todo o mundo, com exceção dos países totalitários.
Por tudo isso, convém ao governo, especialmente na figura dos ministros da Casa Civil e da Ciência Tecnologia Inovações e Comunicações, jogar luzes ao processo e emitir uma nota conjunta dizendo exatamente o que acontece com o CGI.br após a publicação do Decreto 9.759/2019. Transparência e canja de galinha não fazem mal a ninguém!
E já que amanhã é segunda-feira….
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