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Cristina de Luca

Surpresa: o Facebook não usará a Libra para impulsionar publicidade

Cristina De Luca

18/06/2019 11h51

Havia uma enorme expectativa no ar em relação à nova criptomoeda do Facebook. Parte dela começou a desaparecer na manhã de hoje, conforme o previsto, com a publicação do paper que descreve os planos da rede social para a… Libra!

Para gerenciar seus próprios esforços de uso da Libra em seus produtos, o Facebook criou uma subsidiária chamada Calibra, que conta com mais de 100 funcionários e é liderada pelo ex-presidente do PayPal, David Marcus. A Calibra está desenvolvendo uma carteira digital para armazenar e usar a Libra, que também estará disponível no Messenger, WhatsApp e como um aplicativo independente. A moeda digital será usada para pagar produtos ou serviços no Facebook e suas subsidiárias, Instagram e WhatsApp.

Mas ao menos em um aspecto, o anúncio decepcionou algumas pessoas, embora tenha tranquilizada outras: a rede social não pretende usar a Libra para impulsionar seus negócios de anúncios. Em outra palavras, o Facebook promete não usar dados coletados por meio de transações de Libra para segmentar anúncios para consumidores ou acoplar essa atividade de pagamento a informações que coletar sobre eles em outro lugar.

Antes do anúncio oficial, a aposta era a de que a indústria de publicidade e marketing digital seria uma das maiores interessadas em usar a criptomoeda apoiada por um consórcio de parceiros financeiros e transacionais, incluindo Mastercard, PayPal, Uber, Visa e outros membros da The Libra Association (o Facebook espera ter aproximadamente 100 membros na associação na data do lançamento oficial da criptomoeda, previsto para o primeiro semestre de 2020).

Especialmente por que, segundo o Mediapost, 60% dos usuários do Facebook vêm de mercados emergentes, onde a publicidade e outras formas de monetização provavelmente não serão significativas por anos. Permitir que os usuários nesses mercados utilizassem um sistema de pagamentos sem atritos poderia ajudar a ultrapassar o comércio em algumas nações subdesenvolvidas com infraestruturas financeiras instáveis.

Outra surpresa; o Facebook espera que a rede blockchain de suporte à sua criptomoeda caminhe para deixar de ser uma rede permissionada.  "Não acreditamos que exista uma solução comprovada capaz de fornecer a escala, a estabilidade e a segurança necessárias para suportar bilhões de pessoas e transações em todo o mundo por meio de uma rede permissionada Uma das diretrizes da associação será trabalhar com a comunidade para pesquisar e implementar essa transição, que começará dentro de cinco anos após o lançamento público do Libra Blockchain e do ecossistema", diz o paper.

"Qualquer consumidor, desenvolvedor ou empresa pode usar a rede Libra, construir produtos sobre ela e agregar valor através de seus serviços. O acesso aberto garante baixas barreiras à entrada e à inovação e incentiva uma concorrência saudável que beneficia os consumidores. Isso é fundamental para o objetivo de construir opções financeiras mais inclusivas para o mundo", completa o texto.

A ver.

Preocupações crescentes
Por ora, persistem as desconfianças em relação à possibilidade de o Facebook vir a se tornar o maior banco central internacional do mundo.

Na opinião de analistas da Binance Research, com a entrada da rede social no mercado de criptoativos, um novo conjunto de gatekeepers pode emergir no mundo digital, o que ameaçaria o posicionamento existente dos bancos como "facilitadores de pagamento".

Não por acaso, como bem pontuam os analistas do site The Information, uma das maneiras pelas quais o Facebook se vê ganhando dinheiro com a Libra é criando produtos financeiros que os usuários possam adquirir através de seus aplicativos. Esses produtos poderiam, um dia, incluir empréstimos.

Mais uma vez, os mercados emergentes parecem oferecer a maior oportunidade para a Libra. Globalmente, 1,7 bilhão de pessoas não têm acesso a contas bancárias, segundo dados do Banco Mundial citados no paper publicado hoje. Enquanto isso, 70% das pequenas empresas nos países em desenvolvimento não têm acesso ao crédito. Essa escassez de infraestrutura financeira fornece uma enorme lacuna para o Facebook preencher. São mercados onde a empresa pode, inclusive, ter pontos físicos que permitam aos usuários comprar Libras.

Além disso, para incentivar a adoção da Libra, os membros da associação que o supervisionam poderão conceder descontos e outros incentivos às pessoas que pagarem usando o token, graças à economia em dinheiro que a Libra por representar para as empresas reduzindo as taxas de processamento de pagamentos por meio de sistemas de pagamento tradicionais. Os clientes que viajam a passeio, por exemplo, poderiam receber o dinheiro de volta pagando por passeios com Libra. Será?

Uma coisa é certa: apoiada por uma cesta de ativos em seu lançamento inicial (USD, EUR, JPY e GBP), a Libra representa uma primeira tentativa de criar uma moeda mundial, de uso diário por bilhões de indivíduos e instituições em todo o mundo.

Muito do sucesso da nova criptomoeda dependerá de como o consórcio liderado pela Facebook convencerá reguladores e instituições financeiras a colaborar com o estabelecimento de uma estrutura ágil que satisfaça a necessidade de governança descentralizada , respeitando as regulamentações nacionais e internacionais existentes.

O ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire, levantou preocupações sobre lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, e pediu aos ministros das Finanças do G7 que preparassem um relatório sobre Libra para julho. Até o Banco da Inglaterra, geralmente mais condescendentes com as inovações no mercado financeiro, acrescentou que a Libra precisará estar sujeita aos "mais altos padrões" de regulação. 

Próximos passos
Em 2019, a Libra será testada através de uma testnet. Essa sandbox ativa permitirá que desenvolvedores de terceiros e qualquer instituição existente experimentem contratos de gravação e se familiarizem com esse novo blockchain e sua interface de contrato inteligente.

Esse período será fundamental, na opinião do pessoal da Binance Research, para resolver algumas questões ainda pendentes, como:

1 – Se instituições financeiras participarão ao não do consórcio; a falta de bancos entre os membros da The Libra Association  gera uma incerteza regulatória que pode se tornar um problema no futuro;

2 – Fornecimento de detalhes sobre as recompensas e os custos de participação;

3 – Como o Facebook pode tentar utilizar este projeto em conjunto com sua iniciativa Internet.org para permitir o acesso à rede Libra sem acesso à Internet;

4 – Que apps ou ferramentas poderão ser construídos ou incentivados para serem construídos em Libra;

5 – Como a rede poderá fornecer solução prioritária para transações peer-to-peer geradas por pessoas sobre contratos inteligentes que podem congestionar ou inundar a rede.

Para mais detalhes, leia o artigo técnico sobre o Libra Blockchain. O Facebook  também forneceu informações detalhadas sobre a linguagem de programação Move e sobre o protocolo de consenso LibraBFT.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.