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Cristina de Luca

Balanço do 9º Fórum da Internet é preocupante. São muitas as indefinições

Cristina De Luca

05/10/2019 21h25

Terminou nessa sexta-feira o 9º Fórum da Internet no Brasil, marcado por polêmicas e muitas reivindicações quanto aos rumos que o país vem tomando em relação à expansão e desenvolvimento da infraestrutura de conectividade, à inclusão digital, à proteção dos dados pessoais e à gestão dos órgãos da administração pública encarregados de tomar decisões que afetarão a todos nós, brasileiros, inseridos na nova economia digital.

As incertezas são muitas nesse primeiro ano de um novo governo, no qual "enfrentamos um cenário de reelaboração do Estado", como chegou a afirmar em um dos debates o representante do Ministério da Economia para a área de desburocratização e digitalização, José Antonio Ziebarth. Elas ganham maior peso diante da quantidade de profundas mudanças que estão para acontecer em áreas interdisciplinares e sensíveis, como a de provimento de acesso à Internet no país e a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados.

Construída de forma colaborativa a partir de uma chamada pública de propostas, a programação do 9º Fórum da Internet contou com workshops e debates sobre privacidade, economia das plataformas, estratégias para a massificação da banda larga e melhoria do acesso em áreas remotas, uso da IA em políticas públicas e muito mais. Afinal, a economia digital é uma realidade, e ela precisa de tudo isso para funcionar bem.

Mas foram mesmo as dúvidas em relação ao novo ambiente legislativo e de governança que acabaram ecoando alto.

Logo no primeiro dia, em um painel sobre os impactos da LGPD na rotina do provedor de acesso de pequeno porte, Flavia Lefrève, do Intervozes e conselheira do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), fez questão de lembrar que o decreto que regulamentou o Marco Civil da Internet estabeleceu uma série de atribuições ao CGI em relação à definição de diretrizes técnicas e de arbitragem de questões de interesse público com relação à rede. Portanto, precisamos valorizar a existência do CGI.br como instrumento para a garantira do funcionamento da Internet.

"Mas este ano já tivemos uma ameaça de extinção do CGI. E, infelizmente, apesar do mandato dos conselheiros da sociedade civil terminar em maio de 2020, ainda não iniciamos o processo eleitoral. Algo que deveria ter sido feito em maio. Isso causa certa apreensão, porque a eleição dos representantes da sociedade civil é etapa fundamental para a garantia da eficácia plena das atribuições estabelecidas pelo decreto", disse Flávia.

Não por acaso, a Coalizão Direitos na Rede, formada por mais de 35 entidades do terceiro setor, aproveitou o 9º Fórum da Internet para divulgar uma carta aberta endereçada ao CGI manifestando sua preocupação com o atraso no cronograma de instauração do processo eleitoral.

Vale ressaltar que, nos últimos meses, o conselho do Comitê Gestor vêm debatendo mudanças no edital de eleições quanto aos critérios para reeleição dos membros e para validação das organizações que irão compor o colégio eleitoral (debate-se a proposta de só permitir a participação de entidades com mais de 3 anos de existência). Por conta dessas mudanças propostas no edital, ele foi encaminhado para apreciação da AGU.

Vale lembrar que nas últimas 5 eleições foram homologadas 620 entidades (em todos os setores), das quais 39 participaram nos cinco processos eleitorais, 50 em 4 processos, 137 em 3 processos, 68 em 2 processos, 326 em um único processo. Uma análise desses números indica que no processo com maior número de entidades participantes, quase 80% das entidades do terceiro setor foram de um único estado. As mudanças viriam tentar evitar distorções desse tipo.

"As fases do processo de formação dos colégios eleitorais de cada setor representado no CGI.br, bem como a indicação dos respectivos candidatos e o processo de votação, são etapas complexas e que demandam bastante trabalho burocrático por parte do NIC.br [o braço executivo do Comitê Gestor]. A demora injustificada na instauração das eleições causa prejuízos tanto para os atores da sociedade civil, quanto para o funcionamento do CGI.br, cujas atividades correm risco de paralisação a partir de junho de 2020", ressalta a Coalizão Direitos da Rede em sua carta aberta.

O texto propõe que o processo eleitoral comece já e ressalta que sua vinculação à publicação de uma portaria do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) "não encontra respaldo legal e submete o funcionamento do Comitê a interesses políticos e governamentais, que não deveriam contaminar o funcionamento do CGI.br".

Indefinições também em outra áreas

Preocupam também as indefinições em outras áreas, como proteção de dados e infraestrutura de telecomunicações.

Estamos há 10 meses da vigência da Lei Geral de Proteção de dados e a Autoridade Nacional de proteção de Dados (ANDP) e seu conselho continuam só existindo no papel. Em um momento crítico de adequação e implantação da Lei, a gente já deveria ter um órgão instituído, com seus diretores nomeados e com o conselho multisetorial atuante, garantindo ampla participação da sociedade para definir diretrizes para a própria atuação desse órgão e a regulamentação da aplicação da Lei.

Durante o painel "LGPD e a estrutura de fiscalização brasileira: como garantir a implementação da lei", José Antonio Ziebarth disse que o governo pretende publicar um decreto de estrutura da ANPD sem mais demora. "Temos trabalhado para que o processo dessas indicações transcorra da forma mais aberta e mais célere possível. A nossa preocupação é a de que as regras do jogo precisam ser estabelecidas o quanto antes, uma vez que a legislação não faz um detalhamento operacional da sua aplicação", disse.

Na visão do Ministério da Economia a ANPD atuará em três frentes, particularmente nos primeiros dois a três anos: na normatização, no diálogo institucional e na parte educativa.

O maior desafio está justamente no diálogo com todos os setores e, principalmente, dentro do próprio governo, não só por conta de ações normativas paralelas, como as já em curso na Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça. Há um clamor da sociedade para que o perfil dos diretores da ANPD seja técnico. Em Brasília há rumores de que uma parte do governo gostaria de ver a ANPD comandada por um militar. Especialmente por conta da confusão muito comum de que a proteção de dados é uma política de segurança da informação, somente.

Já na visão da sociedade, caberá à ANPD regulamentar a lei, fiscalizar sua aplicação e, eventualmente, aplicar sanções. Por isso, a autoridade precisa atuar com razoabilidade, propiciando segurança jurídica para as atividades de tratamento de dados pessoais no país, e seu conselho diretor ser plural e eclético, com experiência para analisar os mais diversos aspectos de aplicabilidade e cumprimento da lei.

"Há grandes desafios para a autoridade. O primeiro deles é que ela precisa criar confiança social de que o sistema vai funcionar em prol da dialética direitos fundamentais e desenvolvimento econômico. Ela também tem uma responsabilidade de indução econômica. E terceiro, ela precisa modular essa lei, especialmente para tratar as startups e as pequenas e médias empresa", disse Sérgio Paulo Galindo, presidente-executivo da Brasscom.

Os pequenos provedores de acesso à Internet, por exemplo, estão particularmente preocupados com a assimetria regulatória. "Até que haja uma modulação, a lei vai ser aplicada da mesma forma para o pequeno provedor e para o Google", argumenta a advogada Ana Claudia Gerdemann.

Contexto do novo marco legal para telecom

Outra grande preocupação dos  provedores é com a regulamentação da Lei 13.879/2019, que altera o marco legal das Telecomunicações e estabelece que as operadoras assumam compromissos de investimentos em três frentes: implantação de redes de fibra óptica em cidades carentes dessa infraestrutura; expansão da banda larga móvel para municípios do interior e áreas rurais; e expansão da banda larga fixa nas cidades considerando a cobertura das escolas urbanas.

Há quantos anos essas três frentes são prioritárias? Já perdi a conta!

Na opinião do setor acadêmico _ que sempre teve papel ativo nos programas de inclusão digital, especialmente no interior do país _ os termos da  Lei 13.879/2019 são insuficientes para garantir a aplicação de recursos em políticas de universalização do acesso. Cristiana Gonzalez, do LAVITS, defendeu que as políticas nacionais e a regulação do setor deveriam levar em consideração as necessidades de conectividade das redes comunitárias, como as coordenadas pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa.

Os pequenos provedores questionam a alteração no conceito dos provedores de acesso à Internet (empresas com até 1 milhão de clientes passaram a ser classificadas como de pequeno porte), e pedem que a regulamentação da lei neutralize a diferença entre grandes e pequenos grupos econômicos.

"O futuro do setor não depende de alterações na LGT, mas da regulamentação eficiente que contemple as operações de grandes grupos econômicos e de pequenas prestadoras de serviços de telecomunicações", disse a Associação Brasileira de Internet (Abranet) em um comunicado no qual defende também a equiparação do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) ao Serviço Móvel Pessoal (SMP).

Um dos pontos mais importantes na regulamentação, na opinião do pequenos provedores, é garantir condições de competição caso as contrapartidas de investimentos das grandes operadoras nesse novo modelo sejam aplicadas em áreas onde eles já atuam. Ninguém esquece a luta da Associação Brasileira dos Provedores de Internet e Telecomunicações (ABRINT) para mudar a seleção de cidades previstas para receber investimentos por conta do termo de ajustamento de conduta (TAC) da Telefônica.

De acordo com dados da Anatel, os provedores regionais se tornaram o segundo maior grupo de banda larga fixa no país, com participação de 27% do mercado.

Um decreto presidencial definirá os compromissos de investimento das operadoras, estabelecer prazos, critérios e garantias para o cumprimento desses investimentos.

A ver.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.