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Cristina de Luca

Projeto documenta trajetória da proteção de dados no Brasil

Cristina De Luca

31/01/2020 07h52

O Data Privacy Brasil lança hoje, 31 de janeiro, o Observatório da Privacidade e Proteção de Dados no Brasil. Iniciativa que busca documentar os processos de criação e instauração da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), e monitorar todo o debate em torno de pontos chave sobre o tema, no Brasil e no mundo.

"A gente percebeu uma efervescência de discussão, muitos materiais sendo compartilhados o tempo todo, e achou que seria legal ter alguma plataforma de monitoramento desses debates", explicou Mariana Rielli, pesquisadora do Data Privacy Brasil e líder do projeto.

O site do projeto já está no ar, com um rico conteúdo multimídia que reconstrói toda a jornada da sociedade brasileira até à aprovação da LGPD, com destaque maior para toda a articulação política necessária para a construção da lei. Essa memória está organizada no formato de uma linha do tempo entremeada de pequenos vídeos, de no máximo 2 minutos, onde 18 pessoas que tiveram participação fundamental no processo prestam o seu depoimento.

Por exemplo, você sabia que a primeira tentativa de se ter uma legislação de proteção de dados no país data dos anos 70? E que esse debate ficou adormecido até 2005, quando organismos internacionais dos quais o Brasil faz parte começaram a pressionar o governo pela necessidade de criação de uma lei específica? Principalmente após a Argentina pressionar, no âmbito do Mercosul, para que os países-membros adotassem um regulamento comum para proteção de dados.

O debate seguiu interno, entre órgãos do governo brasileiro, até que em 2010 o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) promoveu o 1º Seminário de Proteção à Privacidade e aos Dados Pessoais, ainda hoje um importante fórum de discussões sobre os temas privacidade e proteção de dados. Logo após esse primeiro debate, no dia 30 de novembro de 2010, o Ministério da Justiça (MJ) abriu a 1ª Consulta Pública sobre o Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais. O texto foi escrito a quatro mãos por Laura Schertel e Danilo Doneda, referências nesse debate no país.

O processo parou novamente, até que em meados de 2013 vieram à tona as revelações de Edward Snowden, ex-administrador de sistemas da CIA e ex-analista da NSA, mostrando a magnitude da ciber espionagem feita pelo governo norte-americano. Meses depois, em janeiro de 2015, o Ministério da Justiça abriu uma 2ª Consulta Pública sobre o texto legal, que foi enviado ao Congresso no último dia do mandato da presidente Dilma Rousseff, em maio de 2016, e passou a tramitar na Câmara. Nessa ocasião, outros projetos de lei sobre o tema já tramitavam no Senado, sob relatoria do então senador Aloysio Nunes.

Daí em diante a história é mais conhecida. Esse blog mesmo acompanhou cada passo da movimentação dos dois projetos de lei, o da Câmara e o do Senado, que resultaram no texto da atual LGPD.

"Uma das motivações de documentar essa memória foi tentar fazer com que um processo legislativo rico, complexo e completo como foi o da LGPD, se perdesse, e ficasse registrado só nos anais da Câmara", comenta Mariana. Em especial, a evolução dos debates multissetoriais. "O processo legislativo permitiu que atores muitas vezes com interesses antagônicos, como ONGs e empresas privadas e de tecnologia, colaborassem e fizessem contribuições para o texto da lei, opinando diretamente artigo a artigo, inciso a inciso", diz Mariana.

A construção de um texto consensuado permitiu que, a certa altura, tanto a sociedade civil quanto o setor privado começassem a trabalhar juntos para tornar a pauta da proteção de dados pessoais mais conhecida e palatável para o público geral. E para defender a aprovação da lei.

"Olhar para o que aconteceu e cada dispositivo da lei foi sendo construído, quais foram as intenções do legislador, quais foram os atores que incidiram para que determinados dispositivos saíssem de um jeito ou de outro, é relevante para o debate como ele está acontecendo hoje", pondera Mariana.

Além da memória, o Observatório tem também um boletim informativo, em formato de newsletter quinzenal, e um blog com entrevistas e artigos de maior fôlego sobre temas específicos.

O boletim trará notícias sobre os temas proteção de dados e privacidade no mundo, a partir de fontes primárias. Por exemplo, a edição mais recente, de 30/1, traz uma série de informações sobre os reguladores europeus, que têm servido até esse momento, na falta da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, de referência para aplicação de dispositivos legais.

A intenção do observatório é fazer uma curadoria do que é mais importante em termos de normas e documentos emitidos por todas as autoridades de proteção de dados já em funcionamento e de artigos acadêmicos. Além disso, também acompanhará os casos em tramitação no judiciário brasileiro e os projetos de lei ainda em tramitação no legislativo. Um acordo com a startup SigaLei permitirá esse acompanhamento do legislativo em tempo em real.

Os próximos anos serão decisivos para a construção de uma cultura de proteção de dados pessoais no país, não só pela entrada em vigor da LGPD, mas, também, pela atividade regulatória do tema junto aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, ao mercado e à sociedade civil.

"Diante desse cenário, o Observatório deseja contribuir para a qualificação da pauta", diz Bruno Bioni, um dos fundadores do Data Privacy Brasil e coordenador da iniciativa.

De fato, os próximos meses prometem…

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.