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Cristina de Luca

Senador muda PL contra fake news previsto para ser votado nesta terça, 2/6

Cristina De Luca

01/06/2020 21h45

Nesta segunda-feira, durante os webinars realizados no Congresso Nacional pelo Senado e pela Frente Digital da Câmara, os participantes foram surpreendidos com a notícia de que o Senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) já havia enviado mudanças no texto do (PL 2.630/2020) para o relator, senador Angelo Coronel (PSD-BA).

Entre elas, a supressão de pontos polêmicos do PL que diziam respeito à intervenção das plataformas sobre conteúdos identificados como desinformação. A proposta original previa que as empresas seriam encorajadas a contratar verificadores independentes de conteúdo para identificar e interromper a promoção artificial de fake news.

A nova versão, segundo a Agência Câmara, proíbe expressamente que as plataformas removam conteúdo sob a alegação de fake news. A ação das plataformas ficará restrita a intervir sobre contas e perfis considerados inautênticos e sobre a distribuição de conteúdo impulsionado em massa ou mediante pagamento. Em todos os casos, o usuário responsável pelo material deverá ser notificado pela plataforma e ter meios para recorrer.

Em paralelo, o Comitê Gestor da Internet deverá trabalhar na elaboração de mecanismos para lidar com conteúdos falsos. A expectativa é que, em até um ano, o órgão desenvolva um projeto de lei sobre o tema e uma proposta de código de conduta para as empresas e usuários.

Também determina que as plataformas solicitem identidade dos usuários antes da criação de contas; limitem o número de contas por usuário; e identifiquem as contas automatizadas (que usem "robôs").

Além disso, proíbe o uso de ferramentas de compartilhamento de mensagens em sites e aplicativos que não sejam certificados pelas plataformas. Determina a obrigatoriedade de permissão dos usuários para o recebimento de conteúdo compartilhado de forma coletiva, ou a sua inclusão a grupos de conversa. E a identificação obrigatória de operadores e administradores de contas e perfis ligados ao poder público.

Tem mais. O uso de recursos públicos em condutas que violem a Lei passa a ser considerado improbidade administrativa (Lei 8.429, de 1992). Grupos por trás da criação ou operação de contas inautênticas, contas automatizadas não identificadas ou redes de distribuição artificial não identificadas passam a ser considerados organizações criminosas (Lei 12.850, de 2013). E as ações que envolverem a criação ou operação de contas inautênticas, contas automatizadas não identificadas ou redes de distribuição artificial não identificadas através da prática de ilícitos passam a ser enquadradas como lavagem de dinheiro, sujeitas a penas previstas na Lei 9.613, de 1998.

O senador Alessandro Vieira acreditava que essas mudanças seriam suficientes para não "tumultuar" a discussão e limitar a votação aos pontos, consensuais, políticos e técnicos. Mas não foi o que aconteceu. Elas acabaram por tumultuar ainda mais o processo legislativo, dando pouco tempo aos especialistas que preparavam emendas para analisar o novo texto e sugerir ajustes.

Entidades da sociedade civil, entre elas a Coalizão Direitos na Rede, têm se manifestado contrárias à votação imediata do projeto, nesta terça-feira, 02 de junho, e pedido mais tempo para debates que resultem em aprimoramentos da lei, de modo o remédio proposto para combater as fakes news não cause mais problemas que a própria doença. E hoje ganharam o apoio do Deputado Orlando Silva (PCdB-SP), que defendeu a elaboração de uma lei principiológica para atacar a questão, a exemplo do que já aconteceu com a aprovação do Marco Civil da Internet e da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), da qual foi relator na Câmara.

"Marcos regulatórios eficientes nesse campo exigem minimalismo. A lógica que nós perseguimos na LGPD partiu da perspectiva da criação de uma lei principiológica, conceitual, que permitisse ter uma atualização em relação à dinâmica típica da economia digital", disse o deputado durante o webinar da Frente Digital.

"Nós precisamos pensar em medidas mais estruturais para enfrentar o fenômeno da desinformação. Ir devagar, porque é tudo muito sensível quando se fala em liberdade de expressão. Então eu vou lutar até amanhã para que não votem. Eu acho um erro o Senado votar. E se for votado mesmo amanhã, eu vou lutar para que acha um debate mais cuidadoso na Câmara", afirmou.

Na opinião do professor Carlos Affonso, do ITS-RIO, o PL como está parte do pressuposto de um salvacionismo tecnológico ruim. Nem sempre a tecnologia tem condições de oferecer a solução para a resolução de problemas criados pela própria tecnologia. "Para encontrar uma saída para os problemas da desinformação e das fake news a gente precisa juntar um componente tecnológico, um componente econômico, para entender quem é que lucra, ou seja, qual a engenharia financeira que coloca o edifício de desinformação de pé, um componente jurídico, para entender o ecossistema jurídico já existente e por fim um componente social, de educação digital", argumenta ele.

Ainda segundo o professor, a nova versão do texto tem um dispositivo sobre robôs que vai bater lá na LGPD. "Ele diz que os provedores de aplicação devem requerer dos usuários e responsáveis pelas contas que confirmem sua identificação e localização, inclusive por meio da apresentação de documento de identificação válido. Acho que essa novidade que apareceu aos 40 do segundo tempo é preocupante", explicou Carlos Affonso, durante o webinar da Frente Digital.

Outras organizações também estão manifestando preocupação com a votação amanhã (2 de junho), em um cenário em que o relator do PL foi designado apenas hoje (1 de junho) e ainda não tornou público seu relatório. Além de comprometer todos os esforços realizados para melhorar o projeto, essa pressa traz insegurança jurídica para um tema de suma importância hoje.

"O projeto original interfere indevidamente nas características dos serviços tecnológicos oferecidos pelos provedores – notadamente nas redes sociais e mensageria privada – podendo inibir a inovação e, ao favorecer os produtos de algumas empresas em detrimento de outras, a competição nesses mercados", diz uma nota publicada pela Abranet, associação dos provedores de acesso.

O novo PL? Pouca gente viu. E o texto que será votado amanhã, menos ainda.

Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.