Quando teremos de fato a Autoridade Nacional de Proteção de Dados?
Cadê a Autoridade Nacional de Proteção de Dados? Quando a ANPD sairá do papel?
Essas são perguntas que não querem calar. E que estão por trás de toda a celeuma sobre a data de vigência da Lei Geral de Proteção de dados, a LGPD.
Estão por trás também das articulações da Frente Empresarial em Defesa da LGPD e da Segurança Jurídica, entidade que reúne mais de 70 associações empresariais, lá em Brasília.
"Estamos pressionando forte o governo pela ANPD, e o congresso pela PEC 17 e pela MP 959", me disse um dos articuladores do movimento. "Há muito trabalho de engajamento por fazer. Mas toda essa movimentação está sendo muito boa. O setor privado está entendendo (e abraçando) a importância da ANPD e da PEC17, que são os principais fatores para trazer a segurança jurídica para o cidadão e para as organizações públicas e privadas", completou.
Mas é uma batalha dura, diz ele. É preciso que as autoridades vejam o tema da perspectiva do país e não como alguns enxergam, a partir do prisma da polarização política entre Executivo e Legislativo ou entre governo e oposição.
"É preciso ir além disso. Olhar para o Brasil do século XXI. Para o futuro do desenvolvimento econômico e social movido a dados. Essa é a maior dificuldade. Sobre a ANPD, tivemos reuniões duras com a Presidência essa semana. Não dá mais para esperar", completou.
Na verdade, a frente esteve reunida com várias lideranças na última semana. Ontem, a reunião foi com o líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), para discutir a tramitação da MP 959, que trata do adiamento da vigência da LGPD para maio de 2021. Ouviram dele que para convencer a oposição de que o adiamento não trará riscos à agenda de proteção de dados pessoais, o Congresso firmará acordo para que seja aprovada e promulgada nas próximas semanas a PEC 17/2019, que inclui na Constituição Federal a proteção de dados como direito fundamental, fixando competência privativa da União para legislar sobre o assunto.
Também ouviram do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), uma das principais lideranças no Congresso sobre o tema, que ele continuará trabalhando nos bastidores para que a MP 959 não seja aprovada, e a lei possa passar a vigorar já agora, em agosto de 2020. O argumento do deputado é o de que, uma vez adiada a lei, o governo trabalhará para enviar uma nova MP, no ano que vem, jogando a vigência para 2022. Portanto, é preciso assegurar a vigência agora, e obrigar o governo a estruturar a ANPD, aprovando rapidamente a PEC 17.
"Tenho todos os motivos de acreditar que há uma tentativa do governo de obstruir a implementação da lei. Manter a coleta de dados das pessoas da maneira que está hoje, inclusive, para manejo político, à sombra de qualquer regra. Falo isso com muita tristeza. E considero [o adiamento] uma desmoralização para o país", disse o deputado em uma live organizada pelo Instituto Data Privacy Brasil.
Ontem, a LGPD completou dois anos. Foi sancionada em 14 de agosto de 2018. Também ontem, a lei deveria ter entrado em vigor, não fossem as muitas manobras para o adiamento da vigência, realizadas em meio a pandemia de Covid-19.
Aprovada pelo Congresso e sancionada em junho, a Lei 1.179/20, que estabelece um Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET) para tratar de vários problemas de Direito Privado, decorrentes da pandemia do Coronavírus, jogou a aplicação das sanções administrativas previstas na LGPD (multas, principalmente) para agosto de 2021. E, ainda dentro da validade, a Medida Provisória 959 jogou o início da vigência do restante da lei para Maio de 2021. Mas a MP caduca em 26 de agosto. Se não for apreciada até lá, termos a LGPD vigente agora e as sanções, só em 2021.
A importância da Autoridade
Nos muitos debates realizados esta semana, em comemoração aos dois anos da LGPD, um ponto ficou bastante claro: realmente não dá mais para esperar pela boa vontade do governo em estruturar a ANPD, órgão responsável pela regulamentação e aplicação da Lei. A ANPD já deveria estar em pleno funcionamento.
A ANPD é essencial para a efetiva aplicação das normas de privacidade e proteção de dados. Sua atuação vai além da fiscalização e aplicação das sanções. Cabe a ela editar os regulamentos e procedimentos que balizarão a aplicação da LGPD. E, ainda mais importante, promover na população o conhecimento das normas e das políticas públicas sobre proteção de dados pessoais.
Na opinião de Marcel Leonardi, da 3L – Leonardi Legal Learning, o risco da lei entrar em vigor sem a ANPD é a formação de uma jurisprudência _ seja pelo Judiciário, seja por parte de órgão administrativos de defesa do consumidor e afins _ que depois coloque a autoridade contra a parede.
"A própria legislação fala que a ANPD é o órgão central de interpretação da LGPD. Imagine um cenário em que a ANPD ainda não exista, e o Judiciário comece a emitir diversas decisões, ou o próprio Procon ou outros órgãos reguladores a adotar posturas e posicionamentos. Cria-se, a partir daí, um cabedal de jurisprudência sobre a LGPD que vai ter que ser validado pela ANPD mais tarde?" – questionou o advogado durante a live realizada pela 3L .
O deputado Orlando Silva pretende levar ao Supremo Tribunal Federal o debate acerca do descumprimento da lei por parte da Presidência da República, ao não tirar a ANPD do papel. A Frente Empresarial também já começou a aumentar a pressão pela rápida instauração da Autoridade, porque o Judiciário já está usando a LGPD como parâmetro, "sem ouvir a sociedade e os setores regulados, sem análise de impacto regulatório".
"Toda essa pressão política entorno dessa questão deve ter algum impacto. É bem provável que nas próximas semanas, ou até o fim do ano, a gente possa ter notícias muito boas sobre a ANPD", disse o advogado Fabrício da Mota Alves, também durante o debate da 3L.
Fabrício está otimista. O pessoal da Frente Empresaria; também.
Os próximos dias prometem ser de fortes emoções.
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