A LGPD chegou! Mas a ANPD ainda é um arremedo. E agora?!
Diz o ditado popular que não devemos colocar o carro adiante dos bois. Mas é exatamente o que está acontecendo com a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). A lógica, prevista no próprio texto da LGPD, era a ANPD estar operacional antes da vigência, justamente para regulamentar a lei, balizar a sua interpretação e, principalmente, educar o mercado. Mas o debate político atropelou tudo.
Os acontecimentos dessa semana deixam isso bem evidente. Primeiro, a Câmara votou a MP 959 aprovando um destaque, fruto de um acordo de líderes na base governista, alterando a data da entrada da lei em vigor para 31 de dezembro. No dia seguinte, o Senado retirou esse artigo do projeto de lei conversão derivado da MP, retornando a vigência para o momento de sua sanção, retroativa, a confirmar, a 16 de agosto deste ano, data definida no texto da própria LGPD.
Ato contínuo, após a decisão do Senado, o governo publicou um decreto (o de número 10.474), definindo a estrutura regimental e o quadro dos cargos da ANPD, mas ainda sem nomeações. O que, na prática, não muda muita coisa, ainda que revele como a Casa Civil e a Presidência da República estão encarando o problema.
A sensação de algumas pessoas diante do decreto foi a de que o governo correu para se antecipar à possível aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) 17, que inclui a proteção de dados pessoais na Constituição como direito fundamental, e a ANPD como uma entidade independente, com regime autárquico especial, não mais vinculada à Presidência. Não quer abrir mão de controlar a ANPD. De quebra, escapou de qualquer contestação no Supremo Tribunal Federal, como chegou a dizer que faria o deputado Orlando Silva (PCdB-SP).
No acordo que garantiu a mudança da data da vigência na Câmara, os deputados se comprometeram a votar a proposta de emenda constitucional (PEC) 17. A votação deve ocorrer "nos próximos dias", segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
O decreto foi percebido também como uma resposta à pressão que a sociedade, em geral, e mais especificamente a Frente Empresarial em Defesa da LGPD, têm feito pela entrada da ANPD em operação. O problema é que o governo continua travando as nomeações para o órgão. Então, atendeu o pleito de estruturação, mas não o de torná-la operacional.
"A politização só atrapalha", me disse uma fonte próxima ao assunto.
"Acreditar que é possível obrigar o presidente a fazer algo é meio fora da realidade. Vamos supor que a PEC passe. Ele seja obrigado, por dever constitucional, a indicar a diretoria. Se ele nomear pessoas sem conhecimento técnico, e o Congresso vetar, ele vai lavar as mãos, deixar para lá, e a autoridade vai continuar inoperante. Ele já fez isso com outros assuntos", completou.
Outras fontes acreditam que o governo já tem os nomes definidos e correrá para fazer as indicações antes das eleições. Essas indicações podem até já entrar na megassabatina que o Senado estudo promover no fim de setembro. Tudo vai depender da votação da PEC 17.
Alguns pontos do decreto também chamaram atenção de vários estudiosos do tema. "Há nele uma evidente concentração de poder nas mãos do presidente da república, especialmente em relação à nomeação dos representantes que deverão compor o futuro Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD), órgão de aconselhamento da ANPD", alertou um advogado.
Causou incômodo a ela também o artigo do decreto que proíbe o corpo diretor da ANPD de se "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos, em obras técnicas ou no exercício do magistério". Na prática, o Diretor da ANPD não poderá manifestar opinião sobre feito judicial em curso, nem criticar decisões judiciais
"O Fabrício foi preciso. Parece que o decreto fez cut and paste da LOMAN [Lei Orgânica da Magistratura Nacional]. Não faz o menor sentido. Não é a ANPD que tem que ajudar o Judiciário a interpretar a lei?", criticou.
O citado, Fabrício da Mota Alves, sócio do Garcia de Souza Advogados e representante do Senado no CNPD, comentou sobre a LOMAN em um post no LinkedIn, no qual também destaca o fato de o decreto ter se preocupado em detalhar o funcionamento do conselho. E o fato de o Presidente da República ter a apalavra final sobre os nomes da sociedade no CNPD, após filtro prévio do Conselho Diretor.
Danilo Doneda, professor no IDP e representante da Câmara dos Deputados no CNDP foi direto: "Como está o decreto parece querer tirar o peso e amordaçar do Conselho. Essa história de se reunir três vezes ao ano, de preferência de forma virtual, em um momento no que a sociedade vai precisar muito de interlocução junto à ANPD para definir as regulamentações, é ruim. Além disso, a lista tríplice tira representatividade. São pontos que precisarão ser contestados", comenta.
"Tem muita politização e polarização em torno do tema, sim", me disse o representante de uma das entidades integrante da Frente Empresarial em Defesa da LGPD. Já tem candidato aproveitando para radicalizar nos discursos em ritmo de campanha eleitoral. Isso é muito ruim para buscar consensos. Precisamos de consensos. E a gente vem exatamente tentar fazer esse meio de campo e ajudar a buscar o diálogo entre executivo e legislativo, governo e oposição. Trabalho redobrado", comentou.
"Sinceramente, entendo o cenário político, entendo a defesa da entrega em vigor já, especialmente como garantia dos direitos do cidadão, e não saberia dizer o que é pior, o risco que exista de postergação da LGPD ad infinitum, ou a entrada dela em vigor sem a autoridade", argumenta Rony Vainzof, sócio do Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados.
"Com muito pesar, digo que é um risco a LGPD entrar em vigor agora, sem a autoridade. Temos muitos pontos da LGPD, muitos relevantes, que carecem de regulamentação, como o esclarecimento sobre determinados prazos para o cumprimento dos direitos dos titulares, ou de notificação no caso de vazamentos", pondera.
Apesar das sanções administrativas previstas na LGPD (como as multas) só serem aplicáveis a partir de agosto de 2021, há uma série de questões que podem fundamentar decisões de outros órgãos reguladores setoriais (Senacom, Procons, Bacen, Susep, etc) e do Judiciário. Entre elas, alguns direitos dos titulares dos dados, a nomeação de um DPO, requisitos do tratamento, finalidade, adequação, segurança, prestação de contas, não discriminação, abusiva, livre acesso, consentimento qualificado, categorização de dos dados (sensível, não sensível, anonimizado), responsabilidade civil.
Em uma live marcada para esta sexta, 28/08, às 13h, no Youtube, o Data Privacy Brasil vai reunir profissionais que já realizaram projetos de adequação nos mais diversos setores para contar como esse processo funcionou.
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