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O que vai acontecer com o Comitê Gestor da Internet no Brasil?

Cristina De Luca

20/11/2017 22h57

Terminou neste domingo, 19/11, a consulta pública aberta pelo Comitê Gestor da Internet para coletar sugestões para sua remodelação, proposta em agosto pelo governo federal. Todas as 136 contribuições recebidas pela Web serão consolidadas, junto com as cerca de 138 encaminhadas presencialmente, durante a audiência pública promovida no sexta-feira, 17/11, último dia do VII Fórum da Internet no Brasil, em um documento contendo diretrizes e recomendações para o aperfeiçoamento da estrutura de governança da Internet no país. Esse documento será  encaminhado, no início de dezembro (salvo mudanças de última hora), ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

A julgar pela ouvido e visto durante a audiência pública, há consenso sobre a necessidade de algumas mudanças com relação às competências, composição  eleições, mandatos e transparência do Comitê, e  divergências profundas sobre como executá-las.

Vale lembrar que o  Comitê Gestor da Internet é uma das principais autoridades no Brasil para assuntos de governança da Internet. Por isso, uma definição clara das atribuições da entidade, bem como da sua composição,  é importante para estabelecer o peso de sua atuação e proporcionar segurança e confiança em suas decisões.

Hoje, entre as diversas atribuições e responsabilidades do CGI.br destacam-se:

  • o estabelecimento de diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da Internet no Brasil;
  • o estabelecimento de diretrizes para a administração do registro de Nomes de Domínio usando o ccTLD .br e de alocação de endereços Internet (IPs);
  • a promoção de estudos e padrões técnicos para a segurança das redes e serviços de Internet;
  • a recomendação de procedimentos, normas e padrões técnicos operacionais para a Internet no Brasil;
  • a promoção de programas de pesquisa e desenvolvimento relacionados à Internet, incluindo indicadores e estatísticas, estimulando sua disseminação em todo território nacional.
  • desenvolvimento de projetos de capacitação (por exemplo, a Escola de Governança da internet no país) e organização de eventos para discussão e divulgação de questões relacionadas ao tema (como o Seminário de Privacidade e a edição anual do Fórum da Internet no Brasil).

A maioria das propostas apresentadas na audiência pública recomendou que essas atribuições fossem mantidas. A  exceção ficou por conta das propostas apresentadas pelos representantes das operadoras, a Febratel (Federação Brasileira de Telecomunicações) e o SindiTelebrasil (Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviços Móvel Celular e Pessoal), que recomendaram que o papel do CGI.br seja apenas o de um organismo de assessoramento técnico do governo, esse sim, responsável pelas decisões, com a administração dos domínios passando a ser atribuição de uma agência reguladora (sem, contundo, citar nominalmente a Anatel).

"As atribuições do CGI não devem se confundir com os de uma agência reguladora. A responsabilidade pelas atividades de fiscalização e regulamentação, quando aplicável ou necessária ao ecossistema da internet, deve ser do estado brasileiro, por meio de uma agência reguladora com a criação de uma superintendência específica", pregam as operadoras.

A Coalizão Direitos na Rede se opõe à ideia de uma única agência regulando comunicações e Internet. O argumento do terceiro setor é o de que cabe ao CGI estabelecer não apenas questões técnicas, mas também estratégicas relacionadas às políticas públicas de acesso à internet.

Para a maioria dos participantes do terceiro setor e da comunidade científica e tecnológica, o CGI deve estabelecer normas e procedimentos relativos à regulamentação das atividades inerentes à Internet ou que funcionem necessariamente sobre a, ou através da rede. Essas atribuições já estariam asseguradas hoje pelo Marco Civil da Internet e pelo Decreto 8.771/2016 . Portanto, além de não ser necessário acrescentarem-se novas competências, não se deve reduzir nenhumas das atribuições já em vigor.

Em relação à composição multissetorial do CGI.br, foram registradas diversas manifestações sobre a paridade entre os quatro setores, preservando o número de 21 membros, porém com cinco cadeiras para cada um deles (governo, terceiro setor, segmento empresarial e comunidade científica e tecnológica), e uma para um representante do NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR), sem substituição à ocupada atualmente por um membro de notório saber.

Além disso, alguns representantes do terceiro setor propuseram que o cargo de coordenador do CGI.br passasse a ser definido por meio de eleição entre os pares e rotativo entre os quatro setores, em vez de ser ocupado exclusivamente pelo governo e por indicação, como hoje. Pelas regras vigentes, cabe ao MCTIC coordenar as ações desse grupo plural de atores.

Houve ainda manifestações sobre a criação de instâncias de participação para que entidades e indivíduos possam acompanhar e contribuir com a governança da Internet no Brasil. Nesse sentido, registrou-se a proposta de formação de conselhos setoriais dos segmentos governamental, empresarial, acadêmico e terceiro setor, além da formação de comunidades de base para cada um dos setores.

Esse modelo em camadas, sugerido pela Abranet (Associação Brasileira de Internet)  e apoiado por outros representantes do setor empresarial, da comunidade científica e tecnológica e do terceiro setor,  estabeleceria uma lógica  bottom-up na formulação de políticas e posicionamentos, em mexer na quantidade de representantes do conselho.

Novamente, o SindiTelebrasil cerrou fileira entre os que se opuseram a esta ideia. "Precisamos primeiro analisar se esse modelo em camadas não acarretará custos adicionais. Somos contra qualquer mudança que aumente custos", comentou reservadamente Alexander Castro, diretor do SindiTelebrasil.

Hoje,  a atuação do CGI.br é viabilizada pelos recursos gerados pelo NIC.br, uma associação privada, sem fins lucrativos, responsável pela gestão do domínio .br no sistema de nomes de domínio na Internet. "E o NIC.br não recebe um centavo de dinheiro público", lembro Carlos Affonso, conselheiro do CGI. A receita é toda da gestão dos domínios .br.

Castro, do SindiTelebrasil, criticou também a sugestão da Abranet de que a transição para o modelo em camadas se desenvolva ao longo dos próximos 12 meses, dividido em quatro fases distintas, começando em janeiro de 2018 com a formação de grupos de trabalhos para definição de como seria o processo de credenciamento dos afiliados, na base, a  composição da câmaras setoriais, na camada intermediária, e o processo de escolha dos membros do conselho, no nível superior.  A implementação do modelo, na prática, ficaria para 2019.

"Os atuais membros do CGI têm agora um grande desafio, porque há propostas que são absolutamente inconciliáveis", afirmou Castro. "O que a gente espera é que as nossas propostas sejam consideradas e o CGI justifique as razões pelas quais o CGI estará propondo algumas recomendações em detrimento de outras e das diretrizes propostas ao MCTIC",  externou. "Por exemplo, não sei qual o impacto da proposta do Parajo [presidente da Abranet, na foto acima] para o equilíbrio de forças de representatividade dos agentes", completou o diretor do SindiTelebrasil.

De fato, se transformada em diretriz pelo CGI e acatada pelo MCTIC, a proposta da Abranet joga o peso da reformulação do CGI.br para o próximo governo.

Por outro lado, há sugestões do SindiTelebrasil fáceis de acatar. Entre elas, a que seja criado um código de conduta e padrões éticos a ser observado por todos os membros do Comitê Gestor. Ou a de que  no colégio eleitoral dos representantes da sociedade civil sejam aceitas apenas entidades que não tenham suas atividades restritas a nível municipal e estadual (com exceção para as universidades na comunidade acadêmica, técnica e científica). E que,  por se tratar de um ator importante na definição de diretrizes relacionadas à internet no Brasil,o CGI deva também ampliar esse compromisso diante da sociedade, promovendo consultas e audiências públicas antes da definição de resoluções e estudos, a exemplo do que já é adotado pelas agências reguladoras.

Transparência
Já a transmissão ao vivo pela Internet de todas as reuniões do pleno do CGI.br, adoção de procedimentos dos princípios e práticas da Lei de Acesso à Informação, com publicação de dados em formato aberto e legível para máquinas, incluindo a transcrição das reuniões, na íntegra, foram algumas propostas apresentadas no eixo transparência. Outras propostas foram a criação de uma ouvidoria no CGI.br, além da realização de consultas e audiências públicas antes da definição de resoluções e estudos pelo Comitê Gestor.

Há consenso de que essas medidas  ampliarão as possibilidades da sociedade acompanhar os temas da governança da Internet e fortalecerá o próprio Comitê Gestor.

Mais do mesmo
Boa parte do que foi dito na audiência está referendado nas contribuições enviadas pela Web. Chama atenção, no entanto, o fato de tanto na consulta quanto na audiência, o governo ter preferido adotar a postura de observador, embora tenha partido dele a iniciativa de promover o debate público para reformulação do CGI.br e aprimoramento da governança da Internet no Brasil.

O documento com diretrizes e recomendações do CGI deverá ser analisado em conjunto com as contribuições recebidas na primeira rodada da consulta pública, aberta pelo próprio MCTIC. Todo esse material, embasará a criação de um decreto presidencial. Dada a relevância do modelo de governança para o conjunto da sociedade brasileira, é fundamental que o governo submeta sua proposta de Decreto a consulta pública. Esse foi outro consenso da audiência do último dia 17/10.

Só assim será possível assegurar a qualidade e a legitimidade das mudanças a serem implementadas na governança da Internet no Brasil. Nunca é demais lembrar que do jeito que está hoje, a gestão da internet no Brasil é um exemplo para o mundo. Aprimorá-la é uma necessidade que deve ser feita com responsabilidade e de forma democrática!

Esse debate deveria ser promovido entre todos os extratos do ecossistema: startups tecnológicas, plataformas, OTTs, fornecedores de serviços de nuvem e de Internet das Coisas, comunidade de segurança e por aí vai… Não vi esse povo mobilizado a respeito da revisão do CGI e, consequentemente, da governança da Internet. Infelizmente, apesar do VII Fórum da Internet ter se debruçado sobre temas como os impactos do Blockchain e da Inteligência Artificial para o futuro da Internet.

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Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.