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Justiça deve intervir o mínimo possível no debate político na Internet

Cristina De Luca

13/12/2017 20h14

Anote aí. De acordo com o ex-ministro do TSE, Henrique Neves, o texto mais recente da Lei 9504, conhecida como Lei das Eleições, tem 47 vezes a palavra Internet e apenas 44 vezes a palavra voto. "A quantidade de referências à Internet, desde financiamento até às intervenções da Justiça Eleitoral na rede durante o período eleitoral, supera aquelas que garantem a livre escolha do voto. Todas essas regras vêm para minorar ou intensificar uma repressão ou uma permissão imposta pela Justiça", comentou ele, esta semana, durante o seminário Seminário Internet e Eleições, realizado pelo TSE.

"É preciso tomar cuidado para não trazer o debate político para julgamento da Justiça Eleitoral. Nós temos toda uma legislação voltada para candidatos, eleitores e provedores de serviços. Muitas vezes os provedores de serviço tomam para eles a defesa de algo que deveria ser feita pelo eleitor, pelo usuário. A função do provedor é simplesmente cumprir uma ordem judicial de remoção de conteúdo, ou fornecimento de dados", completou.

O que todos desejam é que o tribunal intervenha o mínimo possível no debate eleitoral. Democracia pressupõe transparência e informação. Críticas também. Quando o tribunal tenta antecipar problemas, acaba correndo o risco de exagerar, de pesar a mão. Exatamente o que não se deseja.

"Quanto menor for a intervenção, realmente melhor. Ela tem que ser mínima, mas não pode ser nula. Se existe a Lei, ela tem que ser cumprida. Que ela seja cumprida por todos e se garanta essencialmente os direitos e deveres dos eleitores", ponderou Henrique Neves.

Sua fala ilustra bem a preocupação da sociedade, e do próprio TSE, com o uso ampliado da Internet nas próximas Eleições, dada a possibilidade, pela primeira vez, de um tipo específico de propaganda política na rede (o impulsionamento de conteúdo publicado nas páginas dos candidatos e nas páginas de partidos), da captação por crowdfunding, e também do uso crescente de robôs produtores e disseminadores de conteúdos inverídicos (fake news).

Essa linha de pensamento foi a mesma adotada por outros participante do seminário. Ao encerrar o primeiro painel do dia, Diogo Rais frisou que o cenário digital é produto do nosso tempo, não sendo um problema ou solução eleitoral. "Se a gente fala dos bots, por que então não pensar em uma legislação que permita os bots? Por que a gente não sai na frente como saímos com as urnas eletrônicas? Por que talvez a gente não pense um pouco no sentido da Internet como uma ideia de viabilidade, e não tanto como uma ameaça? Se pensarmos nela somente como uma ameaça, não parece que o campo adequado para coibir abusos seja a legislação eleitoral, porque ela é muito específica", questionou.

O que se busca, afinal, com o debate a respeito de de fake news e outros fenômenos recentes? Vamos regular a Internet ou regular o processo eleitoral nas redes, ou seja, as condutas que serão possíveis ou não durante o período eleitoral, provocou o advogado André Zonaro Giacchetta, participante do segundo painel.

Giacchetta lembrou que ainda há muita incompreensão sobre o real significado de termos como Big Data, impulsionamento, fake news, etc. E que, desde 2010, há um entremeado de decisões dos TREs, e do próprio TSE, a respeito de questões como a necessidade das ordens judiciais conterem a identificação inequívoca de do conteúdo que se deseja remover da rede, ou que o anonimato não é causa suficiente para a quebra do sigilo dos usuários para fornecimento dos seus dados. "Nada disso é novidade no contexto eleitoral. Esses temas já vinham sendo tratados pela Justiça Eleitoral", pontuou. O mesmo vale para o uso de bots.

Mas, ainda assim, na opinião do advogado falta à resolução eleitoral que rege a campanha política na Internet a definição clara do que será considerado propaganda política na Internet e do que será considerado fake news. "O receio é o de que todo e qualquer conteúdo que desagrade, que represente crítica, ou que não possa ter a sua veracidade aferível de imediato, seja considerado fake news", completou.

Outro ponto de atenção em relação à regulamentação da campanha na internet é a possibilidade de realização de monitoramento das plataformas para tratar as notícias falsas.

"Vem sendo sugerido o monitoramento das plataformas. Esse monitoramento é desejável? Quem seria responsável por monitorar as atividades dos eleitores, dos candidatos, partidos e coligações? Há a sugestão, louvável, de uma plataforma ou aplicativo que permita a qualquer usuário indicar conteúdos que considere falso", disse ele em alusão ao sugerido na segunda-feira passada pelos integrantes do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições.

"A pergunta que cabe aqui é se haverá algum tipo de fact-checking dos conteúdos denunciados", provocou Giacchetta, pontuando que há o risco da plataforma de encaminhamento de denúncias ganhar publicidade e audiência, fazendo com que a mera indicação de um conteúdo supostamente falso possa impactar o processo eleitoral.

"Vale lembrar que o processo de verificação de fatos não é célere. Muitas vezes a metodologia utilizada para se verificar se determinado conteúdo é falso ou não é demorada", disse Giacchetta. "Como ficaria isso em um cenário no qual uma liminar precisa ser deferida pela Justiça Eleitoral em até 24 horas? E onde a resposta pelo representado tem que ser oferecida em 48 horas? Teríamos uma exército de verificadores? "eremos a tranquilidade necessária durante o período eleitoral para tratar o fenômeno fake news?"

Responsabilização dos intermediários
Por fim, vem se discutindo também as possibilidades de responsabilização das plataformas pela propagação de conteúdo indevido. Sabe-se que o Facebook move uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC 51) no Supremo Tribunal Federal (STF), relacionada a um acordo de cooperação judiciária entre Brasil e Estados Unidos (MLAT), que na opinião do procurador Frederico Ceroy, caso receba a chancela do Supremo, na prática remeterá à Justiça dos EUA a palavra final sobre a remoção das fake news relacionadas ao processo eleitoral brasileiro.

O tema foi debatido em um evento paralelo ao do TSE – o seminário Fake News e Democracia – realizado também esta semana, no Senado, pelo Conselho de Comunicação Social (CCS). Durante sua fala, o representante da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert), Luís Antonik, disse que a entidade apoia, se for o caso, a tributação destas mega plataformas de internet visando o financiamento das estruturas públicas de combate às fake news durante o processo eleitoral.

Durante o seminário no Senado, Antonik lembrou aos presentes que o Facebook e o Google faturam nas duas pontas em virtude do fenômeno das fake news, uma vez que os atingidos também recorrem às redes buscando minorar o impacto das difamações. Tudo isto se traduz em dezenas de milhões de visualizações que se transformam no gigantesco faturamento publicitário do Facebook e do Google.

Google e Facebook não enviaram representantes ao seminário do Senado, embora tenham sido convidadas. Já, no TSE, a representante do Facebook que participou do seminário evitou tocar no assunto fake news. Monica Rosina, gerente de Políticas Públicas da rede social, se limitou a defender a empresa de Mark Zuckerberg, informando que nas últimas três eleições (2012, 2014 e 2016, combinadas), o Facebook recebeu 5 mil ordens judiciais, respondidas pela empresa, das quais apenas 13 chegaram ao TSE. "Um reflexo da postura colaborativa que o Facebook tem com a Justiça Eleitoral", afirmou a advogada. "São diversas camadas de cooperação, dando efetividade às ordens judiciais eleitorais, tentando cumprir com celeridade às ordens judiciais que chegam até nós, mantendo um diálogo aberto, direto e constante com a Justiça Eleitoral no sentindo de dar maior efetividade às ações da empresa", completou.

Após uma rápida explanação sobre as três camadas de identificação que o Facebook oferece (URL da página do usuário, URL do post e URL do comentário) a representante do Facebook frisou a importância do TSE incluir na legislação eleitoral não apenas a URL do conteúdo específico em pedidos de remoção, como também a URL do usuário específico para pedidos de fornecimento de dados. "O fornecimento da URL é o que permite, de forma mais segura, a identificação inequívoca de conteúdos e usuários na Internet. É a URL também que garante a segurança jurídica, na medida que ela preserva o direito de terceiros e possibilita a comprovação precisa do cumprimento da ordem judicial", disse ela.

Na opinião dos Facebook, ao exigir o fornecimento das URLs específicas nas ordens judiciais a Justiça Eleitoral está agindo para garantir uma interferência mínima no debate político.

Cobrança do impulsionamento
Outro cuidado que o TSE deveria ter nesta eleição, na opinião de Henrique Neves, era procurar garantir a igualdade de chances na publicidade impulsionada na rede. Deveria haver uma regra que garantisse que todos os políticos recebessem o mesmo tratamento por parte das plataformas. O TSE deveria estabelecer que os parâmetros para impulsionamento fossem rigorosamente os mesmos para todos os candidatos, partidos e coligações.

"Deveria ser como nos jornais. O preço deve ser o mesmo para todos. Os provedores devem ter um padrão de cobrança, transparente, para que todos tenham o mesmo tratamento", disse Neves.

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Sobre a autora

Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de produção multiplataforma. É diretora da ION 89, startup de mídia com foco em transformação digital e disrupção. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editora-executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criação e implantação do Globo Online. Foi colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicações do grupo IDG no Brasil. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.

Sobre o blog

Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.